Estados e municípios concentram até 20% de sua previdência no Master

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BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Institutos de previdência de estados e municípios concentraram até 20% de seu patrimônio em títulos sem garantia do banco Master, graças a uma brecha na regulação que, agora, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avalia fechar para evitar exposição excessiva das entidades a uma única instituição financeira.

Ao todo, 18 entidades aplicaram na instituição R$ 1,87 bilhão que deveriam trazer rendimentos para bancar aposentadorias e pensões no futuro. A instituição será liquidada pelo Banco Central devido à falta de liquidez e a graves violações às normas do sistema financeiro nacional.

Eventual rombo decorrente desse investimento precisará ser coberto com recursos do caixa de estados e municípios.

Em alguns casos, o comprometimento dos recursos do fundo é significativo. O município de Itaguaí (RJ) aplicou R$ 59,6 milhões em letras financeiras emitidas pelo Master, o que representa 19,9% de seu patrimônio, segundo dados declarados ao Ministério da Previdência Social e obtidos pela Folha.

Procurado, o Itaprevi disse que o percentual está dentro do autorizado pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) e que a decisão considerou o baixo risco da aplicação, conforme classificação de agências especializadas. A entidade citou ainda sua política de diversificação, com foco em retorno financeiro, a ausência de “alerta de risco relevante” à época e o credenciamento do Banco Master pelo Ministério da Previdência Social.

O Rioprevidência, que cuida das aposentadorias e pensões de servidores do estado do Rio, colocou R$ 970 milhões —o maior valor absoluto entre os que adquiriram títulos do banco de Vorcaro. O montante equivale a 10,53% do patrimônio do fundo.

Procurado, o Rioprevidência disse que, na época da aplicação, o valor representava 4,5% do patrimônio da autarquia. “Além disso, o Banco Master S.A. detinha autorização de funcionamento emitida pelo Banco Central do Brasil, credenciamento ativo junto ao Ministério da Previdência Social e classificação de risco de crédito de ‘grau de investimento’ — rating nacional de longo prazo “A-“, atribuído pela Fitch Ratings, atestando solidez financeira e a credibilidade institucional”.

Tais percentuais de exposição a um único emissor são considerados elevados, mas foram possíveis graças a um vácuo na norma que disciplina os limites de investimentos dos regimes próprios de previdência de estados e municípios.

A resolução do CMN (Conselho Monetário Nacional) permite a aplicação de até 20% dos recursos em títulos de renda fixa emitidos por instituições bancárias autorizadas a funcionar pelo Banco Central, mas não prevê nenhum sublimite que impeça a exposição excessiva a um único emissor.

É um tratamento distinto daquele conferido a outras modalidades de investimento, como cotas de fundos de investimento em direitos creditórios (que reúnem direitos sobre recebíveis futuros de empresas) e de fundos de renda fixa abastecidos por papéis emitidos pelo setor privado.

Nesses casos, o regulamento autoriza uma aplicação total de até 5% dos recursos, respeitado o limite de concentração de até 20% dessa cota em uma mesma pessoa jurídica.

Segundo técnicos do governo, o caso Master evidenciou uma brecha por meio da qual os fundos de regimes próprios ficaram excessivamente expostos a uma única instituição financeira, o que gera riscos indevidos para esse tipo de operação, voltada à garantia de recursos para o pagamento de benefícios no médio e longo prazo.

O Executivo já vinha estudando aprimoramentos na resolução do CMN que trata do tema dos investimentos dos regimes previdenciários, mas a avaliação é de que o episódio pode não só motivar novos ajustes, mas também acelerar o debate.

Os técnicos estudam o assunto e ainda não têm uma proposta fechada, mas pelo menos duas mudanças poderiam contribuir para fechar as lacunas já identificadas. Uma delas é instituir sublimites para a aplicação de recursos em títulos emitidos pelos bancos.

Uma segunda medida poderia ampliar as exigências para que as instituições financeiras se credenciem à captação de recursos junto aos regimes próprios de previdência. A norma hoje exige que, além da autorização do BC, o banco seja obrigado a instituir comitê de auditoria e comitê de riscos.

O requisito foi criado em 2018 já com o objetivo de coibir a aplicação de recursos dos institutos de previdência em instituições financeiras de menor credibilidade que antes operavam no segmento. No entanto, os fatos recentes mostram que o Master conseguiu transpor essa regra, em um indicativo de que é preciso apertar as exigências.

Ainda não se sabe se o governo vai mexer também no limite global de aplicação de até 20% em letras financeiras dos bancos, já que isso pode prejudicar a estratégia de investimentos de fundos que hoje aplicam em papéis de instituições consolidadas e com diversificação.

Na visão de um técnico, as letras financeiras são hoje o “calcanhar de Aquiles” dos regimes de previdência, pois o governo até conseguiu endurecer as regras e coibir problemas em outros tipos de investimentos, mas não identificou a tempo as brechas deixadas para a emissão de títulos pelos bancos.

Segundo interlocutores, os fundos de previdência não precisarão fazer nenhum desembolso imediato para cobrir eventual prejuízo com as aplicações do Master, uma vez que as projeções atuariais dos estados e municípios contavam com essas receitas apenas para o futuro (a partir de 2030). Mas, se houver desequilíbrio no futuro, prefeitos e governadores precisarão tirar do próprio caixa para cobrir a diferença. Os investimentos em letras financeiras não têm cobertura do FGC (Fundo Garantidor de Créditos).

Além dos casos de Itaguaí e do estado do Rio, outros entes públicos também concentraram investimentos da previdência no Master. O instituto de São Roque (SP) repassou R$ 93,2 milhões, o equivalente a 17,9% do seu patrimônio.

O instituto São Roque Prev disse em nota que adquiriu letras financeiras do banco em 2024 “seguindo os ritos legais e técnicos, com pareceres de assessoria de investimentos, aprovação do Comitê de Investimentos, ciência e homologação dos Conselhos Fiscal e Deliberativo”. A entidade também afirmou que a operação foi respaldada por “avaliações satisfatórias de agências internacionais de rating”.

O município de Fátima do Sul (MS) injetou R$ 7 milhões, valor que representa 15,8% do total do fundo de previdência. Em Cajamar (SP), o aporte de R$ 87 milhões equivale a 13,8% do patrimônio.

Em Maceió (AL), o instituto de previdência aplicou R$ 97 milhões em letras financeiras do Master, o que representa 7,98% do total. O Maceió Previdência afirmou que “todos os investimentos foram feitos em conformidade com as regras vigentes e dentro dos parâmetros de risco”. “É importante salientar que os pagamentos dos benefícios aos aposentados e pensionistas estão absolutamente garantidos”, disse.

A previdência do Amapá aplicou R$ 400 milhões no Master, o equivalente a 4,8% do patrimônio. A entidade disse, em nota, manifestar “profunda discordância e indignação com a conduta do Banco Master, cuja gestão levou à presente situação”. Também afirmou que as aplicações seguiram as normas do sistema financeiro e a política de investimentos da entidade.

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