SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou, nesta segunda-feira (21), que a pasta está trabalhando com diversos cenários para enfrentar a possível sobretaxa de 50% dos EUA, cujo início foi anunciado para 1º de agosto.
Segundo o ministro, a determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é clara: o Brasil não deixará a mesa de negociação.
“Estamos preparando alternativas para apresentar ao presidente, mas punir empresas ou cidadãos americanos não está em discussão. Todo e qualquer cidadão americano será tratado com dignidade, e empresas, às vezes com relação centenária com o Brasil, serão tratadas com o mesmo respeito”, afirmou Haddad, em entrevista à rádio CBN.
A nova tarifa dos EUA sobre produtos brasileiros integra um pacote amplo de medidas protecionistas adotadas pelo presidente americano, Donald Trump, a diversos países. Para Haddad, a medida aplicada ao Brasil foi “inesperada” e “economicamente injustificável”.
“É uma decisão tão difícil de justificar do ponto de vista da qualidade econômica que está encarecendo o café da manhã dos americanos”, disse.
Ele afirma que a equipe econômica trabalha em um plano de contingência para lidar com os impactos da tarifa, que atinge produtos como café, celulose e aço, e pretende apresentar ao presidente Lula um conjunto de respostas diplomáticas e comerciais até o fim desta semana.
“Somos obrigados a fazer [cenários de contingência]. Pode ser que tenhamos que recorrer a setores de apoio que injustamente estão sendo afetados”, disse o ministro.
Haddad atribuiu a escalada de tensão com o governo Trump a um lobby de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro nos Estados Unidos, no que chamou de atuação política interna contra o país.
“Até 15 dias atrás, ninguém podia imaginar uma decisão dessa envergadura”, disse Haddad.
“Estamos vendo a exploração do fato de que tem uma força política no país que trabalha contra o próprio país. Eu previa que algo aconteceria porque soube da movimentação da família Bolsonaro nos EUA. Pela insistência deles em prejudicar o Brasil, mas essa escala é algo que ninguém poderia prever”, afirmou o ministro da Fazenda.
Questionado sobre a possibilidade de aumento de gastos com o plano de contigência, Haddad afirmou que a resposta brasileira não necessariamente significará gasto primário. Ele citou como exemplo a reconstrução do Rio Grande do Sul após as enchentes, que exigiu aportes emergenciais diretos do Tesouro.
“A decisão, evidentemente, é do presidente Lula”, afirmou o ministro.
IMPACTO NO PIX
Haddad aproveitou a entrevista para rebater insinuações de que o sistema de pagamentos instantâneos Pix seria uma ameaça ao sistema financeiro global, justificando a pressão contra o Brasil.
“Essa conversa não tem cabimento. O Pix não tem nada a ver com comércio internacional. Ele é, inclusive, um exemplo para outros países, democratiza o acesso ao crédito, reduz custos e amplia a inclusão financeira. É como defender o telefone fixo em detrimento do celular”, disse Haddad.
O ministro fez um apelo à racionalidade nas relações bilaterais e pediu que o debate não seja contaminado por narrativas ideológicas ou disputas eleitorais.
“Nós, no Brasil, não podemos perder de vista a racionalidade. Esse debate está sendo contaminado por irracionalidade, por causa de uma família. Temos que baixar a bola. Como que o Pix pode abalar um império? Não é razoável entrar nesse tipo de debate”, questionou.
O ministro também condenou os rumores sobre possíveis sanções financeiras aos bancos brasileiros. “O Brasil vai ser tratado como um país em guerra, como a Rússia? Você vai tirar do Swift [sistema de mensagens que facilita transações financeiras internacionais] por causa do Pix? Não tem sentido. Se tirarem as instituições brasileiras das instituições de pagamento dos Estados Unidos por causa disso, será uma ação absolutamente desproporcional”, afirmou.
Haddad criticou ainda a ideia de que o Brasil possa ser tratado como um país inimigo. “É o etanol de milho o problema? É a taxação das big techs? Do que estamos falando? Em qualquer área que você pegar, o Brasil tem uma relação mais amigável com os EUA do que qualquer outro país. Quem está conseguindo ter uma relação azeitada? O Canadá não está conseguindo. Não está fácil para ninguém. A diferença é que aqui temos uma família trabalhando contra”, afirmou Haddad.
Segundo o ministro, os empresários brasileiros que se reuniram com o governo na semana passada estão engajados em articular com o Congresso dos EUA para reverter a medida. “Estamos trabalhando para que haja uma resposta. O que apresentamos até agora não teve retorno formal. Nosso foco é mostrar que esse tipo de postura não é benéfico nem para nós nem para eles.”
“Dá impressão de que estamos parados, aguardando o dia 1º [início da tarifa], e isso não está acontecendo”, disse o ministro.
Haddad afirmou que a comunicação com o governo americano tem ocorrido por canais diplomáticos institucionais e não pelas redes sociais.
“Não podemos entrar numa guerra de comunicação imatura por Twitter. Queremos trazer o debate para argumentos racionais. Nós, no Brasil, não podemos perder isso de vista. Temos que baixar um pouco a bola. Todo país do mundo se defende, mas com racionalidade.”