SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A menos de uma semana da data prevista para a assinatura do acordo entre Mercosul e União Europeia, a França pediu neste domingo (14) o adiamento das votações do tratado pelo Parlamento Europeu e Conselho Europeu, marcadas para as próximas terça (16) e quinta-feira (18).
O país, um dos mais resistentes ao tratado, avalia que as condições para uma votação dos Estados-membros do bloco europeu ainda não estão dadas.
“A França solicita que se adiem os prazos de dezembro para continuar o trabalho e obter as medidas de proteção legítimas de nossa agricultura europeia”, afirmou o gabinete do primeiro-ministro francês, Sébastien Lecornu, em comunicado.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, quer assinar o tratado de livre comércio com Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai no próximo sábado (20), durante a cúpula do Mercosul em Foz do Iguaçu.
Se aprovado, o acordo UE-Mercosul criaria um mercado comum de 722 milhões de habitantes. A assinatura é o primeiro passo para a tramitação do texto, que depois passará pelos órgãos do bloco e dos 27 países.
No final de novembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também havia apontado o dia 20 de dezembro como a data da assinatura do acordo. O anúncio foi feito em Joanesburgo, em entrevista ao final do encontro de líderes do G20.
“Eu posso lhe garantir que no dia 20 de dezembro estarei assinando o acordo União Europeia-Mercosul”, disse Lula. “É um momento muito, muito especial para o Mercosul e um momento especial para a União Europeia”, afirmou. “Possivelmente seja o maior acordo comercial do mundo.”
Integrantes do governo brasileiro avaliam que o momento é de cautela. O Itamaraty vinha monitorando movimentações de grupos contrários ao acordo em alguns países e já havia identificado tentativas de adiamento da votação no Conselho Europeu.
A interpretação de negociadores brasileiros é que pedidos dessa ordem podem ser também uma forma de pressão dos europeus, com o objetivo de obtenção de benefícios que ainda não fazem parte do acordo.
A orientação entre os brasileiros é manter as conversas nos bastidores até que a votação ocorra ou seja oficialmente adiada.
A votação no Parlamento Europeu, marcada para esta terça, avaliará medidas de salvaguarda destinadas a tranquilizar os agricultores, especialmente os franceses, que se opõem frontalmente ao tratado.
A Comissão Europeia anunciou em setembro um mecanismo de “monitoramento reforçado” para os produtos agrícolas expostos a este acordo comercial como a carne bovina, de aves, o arroz e o etanol e a possibilidade de intervir no mercado em caso de uma desestabilização.
O dispositivo prevê, por exemplo, que os produtos vindos da América do Sul respeitem as rígidas normas sanitárias da União Europeia.
Também foi negociado o teor das salvaguardas que protegem o país importador de alterações bruscas no mercado. Se um produto ou mercado sofrer uma flutuação superior a 10% nas importações, para cima ou para baixo, em qualquer um dos 27 países do bloco, uma investigação seria lançada por Bruxelas.
Para tanto, a UE prometeu um monitoramento “quase em tempo real” dos preços. O setor de carne bovina e de aves, em que o Brasil é potência, é o que mais preocupa os europeus.
Mesmo antes do comunicado do governo francês, o ministro de Economia e Finanças, Roland Lescure, já havia afirmado, em entrevista publicada neste domingo pelo jornal alemão Handelsblatt que, “em seu formato atual, o tratado não é aceitável”.
Segundo Lescure, a obtenção de uma “cláusula de proteção forte e eficaz” é uma das três condições da França antes de dar seu sinal verde.
A segunda é que as normas aplicadas para a produção na União Europeia “devem também ser aplicadas à produção nos países parceiros”, declarou o ministro, e a terceira são “controles na importação”.
O tratado de livre comércio começou a ser negociado em 1999, e busca favorecer as exportações de automóveis, máquinas e vinhos europeus aos países do Mercosul, em troca de facilitar a entrada de carne, açúcar, soja e arroz sul-americanos.
No caso do Mercosul, o acordo prevê uma redução de tarifas que, a depender do setor, pode ser imediata ou gradual ao longo de prazos que variam de 4 a 15 anos (com exceções para o setor automotivo). Isso cobre, segundo o governo Lula, aproximadamente 91% dos bens das importações brasileiras de produtos da UE.
Para a União Europeia, a liberação é prevista de forma imediata ou gradual em prazos que variam de 4 a 12 anos. Os produtos afetados correspondem a aproximadamente 95% dos bens brasileiros exportados ao bloco europeu.
Há ainda produtos sujeitos a cotas, principalmente os da agroindústria. Nesse caso, eles representam 3% dos bens brasileiros exportados à UE.
O acordo também trata de serviços, investimentos, compras governamentais, medidas sanitárias e propriedade intelectual.