Gilson Faust, da GoNext: “Falta de governança pode levar empresas familiares à falência”

Uma image de notas de 20 reais
Segundo o diretor, a cada 100 empresas atendidas, apenas duas têm governança corporativa
(Divulgação)
  • "Sobreposição de interesses familiares, societários ou de gestão podem gerar gargalos e impactar a receita das empresas familiares"
  • "Governança ajuda a traçar a regra do jogo. Assim, todos estão cientes do que vai acontecer. Seja na sucessão, financeiro ou estratégia"
Por Victor Marques Compartilhe: Ícone Facebook Ícone X Ícone Linkedin Ícone Whatsapp Ícone Telegram

[AGÊNCIA DC NEWS]. Das empresas brasileiras, 90% têm perfil familiar, conforme dados do Sebrae. Gilson Faust, diretor da GoNext Governança & Sucessão, está no conselho de dez delas. Com mais de 30 anos de atuação como conselheiro de empresas no Brasil, tem uma tarefa árdua atualmente. A de ajudar empresas familiares – das pequenas às médias e grandes – a implementarem processos de governança corporativa. “A cada 100 empresas que atendemos, apenas duas têm governança corporativa”, afirmou. Segundo ele, a falta desses processos pode levar a sobreposição de interesses nas empresas com direção familiar, gerando gargalos, diminuição de receita e até o fim das atividades.

Para resolver esses problemas, ele ensina as empresas a criarem um conjunto de regras e princípios para reger a administração da companhia. “Com a governança, todos estão cientes do que vai acontecer. A regra está clara.” A disseminação desse jogo, que é relativamente novo no Brasil, segundo ele, ajuda as famílias a profissionalizar o processo de gestão, desde estruturar os processos de sucessão – as trocas de cadeira para as novas gerações – até às análises financeiras e definições de estratégia.

Confira a entrevista abaixo.

Escolhas do Editor

AGÊNCIA DC NEWS – Por que as empresas familiares negligenciam a governança no Brasil?
GILSON FAUST – Porque a empresa familiar tem um complicador em muitas situações, que são os interesses da família. Então, se você imaginar uma empresa familiar. Você tem orbitando em volta dela três interesses sempre. Primeiro, o interesse da família, o interesse societário, e o de gestão. E geralmente um desses três interesses quer se sobrepor ao outro. E como isso é um sistema, quando um desses interesses se sobrepõem, é aí que começam os problemas.

AGÊNCIA DC NEWS – E como a governança pode ajudar a organizar isso?
GILSON FAUST Um dos principais papéis da governança corporativa é você equilibrar esses três interesses. Não adianta negar, eles sempre vão existir em qualquer lugar do mundo. Então, eu sempre digo que a governança é um escudo de proteção da empresa familiar, evitando que um desses interesses se sobreponha aos demais. Hoje, no Brasil, o que acontece na maioria das vezes é que quando a governança não existe, acaba sendo um fator de disrupção. Pode até fazer as empresas encerrarem as atividades.

AGÊNCIA DC NEWS – E ela existe na maioria das vezes?
GILSON FAUST– Na maioria não existe. Estatisticamente, a cada cem empresas, duas têm.

Aspas

Existe uma falsa premissa de que a governança é algo que se aplica só a grandes empresas, mas não é a realidade

Aspas
Gilson Faust, GoNext

AGÊNCIA DC NEWS – Pode dar um exemplo de quando esses interesses se sobrepõem?
GILSON FAUST– No interesse familiar pode ser algo como contratar o cunhado que ficou desempregado, sem nem querer saber se ele têm competência para trabalhar na sua empresa. Ou ele pode até ter competência, mas ganha mais que os outros que estão no mesmo nível que ele na empresa, somente por ser seu cunhado. O societário é quando o sócio quer tirar o resultado da empresa para gastar com ele mesmo ao invés de seguir com o plano de investimento. Por fim, o de gestão, é quando o time de gestores toma decisões de curto prazo, garantindo o bônus dele, mas que atrapalham a empresa no longo prazo.

AGÊNCIA DC NEWS – A maioria das empresas no Brasil são microempresas e a maior parte da renda delas vai para pagar a conta de casa. Como lidar com sobreposições como essa?
GILSON FAUST
É um exemplo clássico de interesse familiar se sobrepondo à empresa. Você resolve em curto prazo, mas ali na frente vai descapitalizar. Vai quebrar.

AGÊNCIA DC NEWS – E qual o primeiro passo para começar uma estrutura de governança?
GILSON FAUST –
A primeira coisa que a gente faz na nossa metodologia é criar um documento de normas. Para escrevê-lo, você vai reunir seus sócios e escrever as regras básicas de gestão e conduta da empresa. Quem é que pode trabalhar nessa empresa? Pode parente? Criar política de dividendos, regras societárias. É esse documento que vai desarmar as futuras bombas-relógio que a gente sabe que lá na frente podem estourar. E geralmente estouram.

AGÊNCIA DC NEWS – E isso vale para qualquer tamanho de empresa?
GILSON FAUST Eu posso fazer isso para uma microempresa, para uma média empresa, para qualquer uma. Existe uma falsa premissa de que a governança é algo que se aplica só a grandes empresas, mas não é a realidade. Eu posso ter uma padaria, um bar. Se eu tenho um sócio, posso combinar as regras do jogo. E se você faz isso, desarma um monte de problema.

AGÊNCIA DC NEWS – Quais são os princípios que regem essa governança?
GILSON FAUST
O primeiro é a prestação de contas. Tem que haver um sistema de prestação de contas. O segundo princípio é transparência. Ou seja, tudo que um fizer, o outro fizer, tem que mostrar para o outro. O terceiro princípio é igualdade. Eu tenho 90% das cotas, você tem 10% das cotas, mas eu sou sócio. Então tem várias matérias que precisam ser tratadas igualmente, independente da quantidade de cotas. E o quarto princípio é o da responsabilidade corporativa, que é o mais moderno atualmente. Ele dita como a empresa, de alguma forma, contribui para a sociedade, olhando o aspecto social, de sustentabilidade.

AGÊNCIA DC NEWS – A partir desses princípios, como é pivotado o modelo de gestão?
GILSON FAUST
A governança sempre aplica conceito que a gente chama de ambidestria. O que é ambidestria? Você tem que olhar para o passado e para o futuro da companhia. A primeira coisa é olhar para trás. Você tem que ter um sistema de monitoramento adequado das empresas. Preciso ter todo mês, no mínimo mensalmente, um sistema de informação gerencial. Ele dirá o que está acontecendo com a receita, a despesa, o custo, o índice de endividamento, entre outras métricas.

AGÊNCIA DC NEWS – E o olhar para o futuro?
GILSON FAUST
É uma orientação estratégica. É necessário saber para onde eu estou indo. Eu gosto da definição do que é administrar uma empresa é levar ela do ponto A para o ponto B. E o ponto B pode ser para cima, para o lado, até diminuir a empresa. Mas eu tenho que saber qual é o ponto B. Isso é orientação estratégica.

AGÊNCIA DC NEWS – Quando esse ponto B está claro, o que acontece com a empresa?
GILSON FAUST
Quando você tem uma estratégia bem estabelecida, você gera uma coerência em toda a organização. Porque qualquer decisão que você precisa tomar, é só perguntar: conversa com a minha estratégia?

AGÊNCIA DC NEWS – E como isso é dividido pela hierarquia da empresa?
GILSON FAUST As decisões de curto prazo são matérias da diretoria executiva, ou da gestão, ou do sócio da microempresa que está lá tocando o dia a dia. E tem as outras decisões, as de longo prazo, que têm que captar tendência, têm que tentar olhar o mercado, olhar o concorrente, olhar novos negócios para fixar ou traçar uma estratégia. Essas são uma missão de um colegiado ou do conselho da empresa.

AGÊNCIA DC NEWS – Na sua experiência, quando os donos de empresa buscam governança?
GILSON FAUST
Quando a empresa começa a perder performance. Ele tem um negócio, está bom, mas começa a ter gargalos ou começa a perder receita. Daí o dono veste o chapéu da humildade e busca ajuda. Esse é um dos primeiros gatilhos. Um outro gatilho é quando está chegando a próxima geração. Os sucedidos, ou quase sucedidos querem começar a tocar o negócio, ou chegam com novas ideias.

AGÊNCIA DC NEWS – Esse segundo caso acontece muito?
GILSON FAUST
Muito. De cada dez projetos que a gente inicia de governança, oito vêm pela pressão da próxima geração sobre a antiga geração. Eles estão vendo que tem alguma coisa errada. Que o pai, o tio, o parente está altamente concentrador. Ou só está olhando a curto prazo e esquece de olhar o longo prazo. A próxima geração está lá olhando e começa a pressionar para mudar esse jogo.

AGÊNCIA DC NEWS – E quando isso ocorre, se decide um sucessor ou uma alteração na estrutura corporativa?
GILSON FAUST
Pode ser um sucessor, desde que tenha competência. Mas é melhor que essa decisão seja tomada por um conselho. Esse grupo vai decidir ou por treinar esse familiar para tocar o negócio, ou para ser um sócio, tendo uma equipe de executivos para administrar o negócio. Ele vai saber controlar, vai ter mecanismo de monitoramento, vai dar o planejamento estratégico. Existe metodologia para aferir isso, existe avaliação de potencial. Tem muita ciência nisso que a gente faz.

AGÊNCIA DC NEWS – É um jeito de lidar com os egos também?
GILSON FAUST
Esses dias eu passei por isso. Tive que falar para um dono de empresa que ele não seria mais CEO e era melhor ele virar presidente do conselho. Falei que a foto dele ia ficar mais bonita. Então você tem que jogar esse jogo, quando a gente identifica que o cara tem um ego muito forte. As pessoas têm mais medo de perder o poder e o status.

AGÊNCIA DC NEWS – Quais as principais diferenças geracionais na gestão das empresas?
GILSON FAUST
A principal é a noção de risco. As gerações mais antigas são mais conservadoras, reagem mais lentamente, às vezes não acompanham o movimento do mundo, e principalmente da tecnologia e da globalização. As novas gerações, quando tem um viés empreendedor, querem impor um ritmo diferente de velocidade, novos negócios, novas tecnologias. Aumenta o risco do gerenciamento, mas empreender é correr risco. Essas diferenças geram um conflito muito grande. 

AGÊNCIA DC NEWS – E a governança ajuda a mediar esses conflitos geracionais, certo?
GILSON FAUST
A governança, quando tem um conselho ou tem um chefe de governança, ele faz esse papel de moderação. Com a governança, todo mundo já está ciente do que vai acontecer nos processos de gestão e sucessão. A regra está clara.

AGÊNCIA DC NEWS – Considerando os quatro princípios da governança corporativa. Em qual deles estão a maioria dos problemas?
GILSON FAUST No começo e no fim. Ou seja, na hora de estabelecer as regras e na sucessão. Mas principalmente na construção dessas regras. Porque essa discussão dói, mas dói só uma vez. Depois que doeu, escreveu,ajuda até a recusar aquele cunhado vem pedir emprego, de uma maneira mais despersonalizada. Porque é regra. E isso vira um documento legal.

AGÊNCIA DC NEWS – As empresas costumam procurar vocês quando está dando problema ou quando está tudo certo?
GILSON FAUST
Geralmente quando está dando problema. Quando chama e não está dando problema é porque a próxima geração está batendo na porta.

AGÊNCIA DC NEWS – É um processo custoso?
FAUST
Está cada vez mais barato. Tem muita tecnologia disponível. Tem sistema de acompanhamento da empresa em tempo real que é um aplicativo no celular.

AGÊNCIA DC NEWS – Existe algum mecanismo da administração pública que poderia melhorar o incentivo à governança?
GILSON FAUST Meu primeiro emprego na vida foi no Sebrae, em Santa Catarina. Eu sou um fã do Sebrae. E eu acho que o Sebrae poderia ser um órgão que fornecesse ferramentas e mecanismos para disseminar a governança para micro e pequena empresa. Como algo extremamente importante. 

AGÊNCIA DC NEWS – E você já viu algum modelo em outro país onde isso acontece?
FAUST
Não.

AGÊNCIA DC NEWS – Então a falta de governança é algo que acontece generalizado?
GILSON FAUST
Faz pouco tempo que a gente começou a falar de governança no mundo. Nos EUA e na Inglaterra a discussão existe há mais tempo. Mas aqui no Brasil, chegou há pouco.

Voltar ao topo