SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O governo federal desistiu de criar uma agência reguladora neste ano e colocará o mercado regulado de carbono sob a alçada de uma nova secretaria extraordinária, a ser criada por decreto no mês que vem. Devido ao aperto orçamentário da União, técnicos do Executivo avaliaram que governo teria dificuldades em aprovar no Congresso um novo órgão, com orçamento e pessoal próprios.
Com isso, ao menos pelos próximos dois anos, a criação e o gerenciamento do mercado regulado de carbono ficará sob cargo do próprio governo federal. A nova secretaria será incorporada ao Ministério da Fazenda.
O mercado regulado de carbono, aprovado no ano passado pelo Congresso, prevê limites de emissões de gases de efeito estufa para indústrias de vários setores, em especial aqueles que emitem mais, como siderúrgicas e a indústria química. Nesse sistema, já existente em outros países, empresas que emitem menos do que o estipulado pelo governo podem vender cotas para empresas que não conseguiram cumprir suas metas.
O órgão gestor é o agente principal desse sistema. Ele é responsável, por exemplo, por fixar as metas de cada empresa, receber os relatórios de cada uma delas, fiscalizar o cumprimento das metas e emitir cotas negociadas nos sistema. Justamente por isso, técnicos do Ministério da Fazenda responsáveis pela regulamentação do mercado defendiam que o gerenciamento do sistema deveria ser feito por uma agência reguladora independente.
Com a dificuldade, porém, de o governo aprovar matérias orçamentárias no Congresso, optou-se por depositar tais atribuições ao próprio Ministério da Fazenda. A agilidade é importante, porque a lei aprovada pelo Congresso no ano passado estipula que a regulamentação da lei precisa ser feita ainda neste ano, com possibilidade de prorrogação por mais 12 meses. Além disso, após a regulamentação, as empresas precisarão criar em um ano seus instrumentos para relato de emissões, sob orientação do próprio órgão gestor.
“Em outros países, esses órgãos gestores variam bastante de formato; em alguns países são agências e em outros fazem parte de secretarias, mas dada a complexidade técnica do tema e a necessidade de autonomia e de não cooptação por lobby, a gente entende que agência reguladora é o melhor formato, mas também é o mais caro e mais complexo, que exige concurso e depende de aprovação do Congresso”, afirma Cristina Reis, subsecretária de Desenvolvimento Econômico Sustentável da pasta e coordenadora do grupo que tem conduzido a regulamentação do mercado de carbono. Ela participou nesta quarta-feira (23) da Conferência Brasileira Clima e Carbono, organizada pela Aliança NBS.
“Por isso, dado os tempos colocados pela lei, apesar de a gente não ter que acelerar, é necessário temporariamente outra instância, um órgão gestor provisório, que vai dar conta dos primeiros passos da regulamentação”, acrescenta. Entre esses primeiros passos estão as análises de impactos regulatórios, os estudos de verificação de emissões e a criação do registro central do mercado regulado, onde estarão as metas e os cumprimentos de cada empresa.
De acordo com Reis, o governo ainda não abandonou a ideia de criar uma agência reguladora. “Ter um órgão robusto como agência dará mais segurança jurídica e operacional, mas enquanto isso estamos trabalhando nas duas frentes, para já por para funcionar a secretaria”, afirma.
Uma das principais dificuldades de se criar uma agência para o tema seria encontrar fundos para a operacionalização de um novo órgão.
O escopo do mercado de carbono deve gerar bilhões de reais em receitas para o governo, sendo que 15% disso precisará ir para a operacionalização e manutenção do sistema. Esse dinheiro, no entanto, só será faturado quando o mercado estiver de fato, operando (a estimativa é para o final desta década), o que obrigaria a União a gastar recursos próprios até lá.
Até agosto, o governo divulgará os planos de ação da regulamentação do mercado de carbono. É a partir daí que os técnicos deverão sofrer mais pressões de setores empresariais, interessados em desenhar um modelo que não impacte tanto suas operações.
SEGURADORAS
A lei aprovada no ano passado determina que as seguradoras precisarão aportar 0,5% de suas reservas técnicas em créditos de carbono ou em fundos que investem em projetos de crédito de carbono. O tema está em discussão no STF (Supremo Tribunal Federal), mas segundo Reis o governo já estuda como implementar essa norma.
Apesar de ser favorável à obrigação, o setor de créditos de carbono teme que a injeção de volumes exorbitantes de recursos no mercado possa contribuir para a desvalorização de créditos de carbono no país. Hoje, 0,5% das reservas técnicas das seguradoras equivaleria a cerca de R$ 9 bilhões -em comparação, o mercado global de créditos de carbono vale hoje cerca de US$ 1 bilhão (R$ 5,5 bilhões).
Justamente por isso, o governo federal quer que o aporte das seguradoras no mercado seja feita de forma gradual. “Se entende dentro do governo que esse artigo não é autoaplicável e exige regulamentação própria para que se crie condições adequadas para que a oferta encontre essa demanda de uma maneira para que não afete o mercado”, diz Reis.
“O artigo está judicializado no STF, mas independente disso é obrigação do Executivo regulamentar a lei aprovada no Congresso. Há de se ter, por exemplo, uma definição do que seria um fundo de investimento com crédito de carbono”, complementa.