Governo Lula descarta aporte de recursos próprios nos Correios em 2025

Uma image de notas de 20 reais

Crédito: Bruno Peres/Agência Brasil

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) descartou a possibilidade de fazer uma injeção de recursos próprios nos Correios em 2025, segundo cinco pessoas a par das discussões ouvidas pela Folha.

A avaliação é que há uma série de obstáculos técnicos não triviais para conseguir destravar o repasse das verbas, e não haveria tempo hábil para superá-los até o fim do ano. A decisão foi fechada na tarde de terça-feira (9) e informada à companhia.

A reportagem questionou o Ministério da Fazenda na noite de terça, por meio de sua assessoria de imprensa. Na manhã desta quarta-feira (10), o ministro Fernando Haddad disse a jornalistas na portaria da pasta, em Brasília, que um aporte pode ser necessário, mas “não é o que está no radar neste momento”.

“Nós temos dois caminhos. Um caminho é o aporte, que pode se tornar necessário se nós não chegarmos a um acordo com o pool de bancos que vão financiar a reestruturação da companhia. Não vamos ficar com a faca no pescoço por conta de uma incompreensão da parte de uma ou outra instituição financeira”, disse o ministro.

“Não estamos pensando em nada fora do arcabouço [regra fiscal do governo]. Estamos pensando em fazer aporte, se necessário, dentro do arcabouço. Nós temos margem neste ano, poderíamos fazer. Não é o que está no radar neste momento, uma vez que tem havido conversas que avançaram. O que a gente quer é o seguinte: o aval do Tesouro mediante um plano de reestruturação sério”, acrescentou.

Apesar da fala de Haddad, dois técnicos disseram à reportagem que o uso de eventual espaço demandaria a publicação de um novo relatório de avaliação do Orçamento, o que requer cerca de dez dias, dada a necessidade de solicitar as projeções de receitas e despesas a todos os ministérios. Até lá, o ano legislativo já teria praticamente se encerrado, por isso a dificuldade de aprovar um crédito para autorizar o aporte.

Ao rechaçar qualquer via fora do arcabouço fiscal, o próprio ministro afasta a possibilidade de um crédito extraordinário, que liberaria recursos de forma imediata, desde que para despesas urgentes e imprevisíveis.

Segundo dois interlocutores, as possibilidades de curto prazo agora são concretizar o empréstimo de R$ 20 bilhões, ainda em negociação com os bancos, ou lidar com as consequências de um eventual furo no caixa.

Dentro da empresa, há temor de que a indefinição leve a um atraso no pagamento do 13º salário dos trabalhadores, programado para o próximo dia 20 de dezembro. O Executivo vê a data como um prazo-limite para destravar a operação de crédito, justamente para evitar reflexos negativos sobre os empregados da estatal.

No governo, porém, há confiança de que os recursos devem ser liberados a tempo. Como mostrou a Folha de S.Paulo, a Casa Civil entrou no circuito e tem participado das tratativas para destravar a operação.

O governo articula, desde o início de outubro, um socorro aos Correios por meio de um empréstimo de R$ 20 bilhões a ser contratado com bancos públicos e privados, como revelou a Folha de S.Paulo. A operação terá garantia do Tesouro Nacional, que honrará os pagamentos em caso de inadimplência (o que torna praticamente nulo o risco de prejuízo para as instituições financeiras), e estará atrelada a um plano de reestruturação da companhia.

A empresa fez uma primeira rodada de conversas, mas decidiu abrir uma segunda negociação na tentativa de reduzir os custos da operação.

A proposta apresentada pelos bancos -e que chegou a ser aprovada no conselho de administração da estatal- previa a contratação dos R$ 20 bilhões junto a um sindicato formado por Banco do Brasil, BTG Pactual, Citibank, ABC Brasil e Safra. A taxa de juros, porém, foi considerada elevada pelo Tesouro, que, no início de dezembro, rejeitou a concessão da garantia nessas condições.

Desde então, um impasse se abriu dentro do governo, que chegou a acionar a Caixa Econômica Federal para entrar na negociação. Em paralelo, também passou a analisar a possibilidade de aporte direto de recursos para evitar uma situação ainda mais dramática na empresa, que já tem feito o manejo de pagamentos conforme a disponibilidade de caixa. Até agora, porém, não há solução definitiva para o problema.

Para um eventual aporte, a via do crédito extraordinário chegou a ser cogitada, mas também não vai prosperar, segundo os técnicos.

O instrumento permite ao governo liberar recursos de forma imediata e atender a necessidades urgentes e imprevisíveis. O gasto fica fora dos limites do arcabouço fiscal, mas, via de regra, é contabilizado na meta de resultado primário (medida pela diferença entre receitas e despesas, descontados os juros da dívida).

Diferentes técnicos avaliam ser difícil sustentar a tese da imprevisibilidade, dado que os Correios acumulam prejuízos desde 2022, e alertas sobre eventual necessidade de aporte são feitos desde pelo menos meados de 2025. Além disso, não há espaço na meta fiscal para liberar o recurso.

Segundo interlocutores do governo, aventou-se até mesmo a possibilidade de acionar o TCU (Tribunal de Contas da União) e o STF (Supremo Tribunal Federal), numa tentativa de obter blindagem jurídica para abrir o crédito extraordinário, mas esse caminho também foi deixado de lado.

Além de não haver garantias de uma decisão favorável, a estratégia poderia gerar desgaste político para o governo e, sobretudo, para o chefe da AGU (Advocacia-Geral da União), Jorge Messias, que foi indicado por Lula para uma cadeira no STF, mas vem enfrentando resistências dentro do Senado e da própria Corte.

A equipe econômica também discutiu a possibilidade de alterar algum projeto de lei ao Congresso Nacional já em tramitação, por meio de uma mensagem modificativa, para abrir um crédito especial para o aporte nos Correios. Esse tipo de crédito é usado para criar uma ação que ainda não existe no Orçamento e requer aprovação prévia do Congresso.

O uso de um projeto já em tramitação contornaria o problema do fim do prazo para o envio desse tipo de iniciativa -a data-limite era 29 de novembro. No entanto, o diagnóstico foi o de que essa estratégia também enfrentaria obstáculos.

Um aporte por crédito especial precisaria respeitar o limite de gastos do arcabouço fiscal e a meta de resultado primário. Hoje, porém, está em vigor um bloqueio de R$ 4,4 bilhões, para compensar o aumento de despesas obrigatórias, e um contingenciamento de R$ 3,3 bilhões, para amortecer o estouro da meta das estatais devido à deterioração dos Correios.

Segundo dois técnicos, o governo precisaria publicar uma versão extemporânea do relatório de avaliação do Orçamento para rever esses números e abrir espaço ao repasse à estatal.

Isso até seria possível do ponto de vista apenas matemático: a meta das estatais piorou por causa dos gastos que seriam feitos com os recursos do empréstimo (que são receitas financeiras e não contam para a meta), e reduzir essas despesas financiadas por operação de crédito permitiria ao governo desfazer o contingenciamento.

No entanto, o prazo de elaboração de um novo relatório para rever as estimativas dificulta essa via.

Sem mexer na meta das estatais, o Executivo não teria, sozinho, espaço para cortar outras despesas e acomodar o aporte nos Correios. Os compromissos que precisam ser honrados até o fim de dezembro já consumirão toda a folga que o governo conseguiu reunir no chamado “raspa tacho”, jargão usado pelos técnicos para definir a redistribuição dos saldos ainda disponíveis nos ministérios.

Além disso, mesmo que houvesse margem, ela só poderia ser usufruída após a publicação de um novo relatório. Um técnico resumiu a situação dizendo que não há canal, neste momento, para fazer o repasse de recursos à empresa.

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