BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) publicou nesta sexta-feira (11) uma MP (medida provisória) que cria um teto para os subsídios cobrados na conta de luz. A proposta também tenta reduzir o impacto de “jabutis” aprovados recentemente pelo Congresso que encarecem a energia para os consumidores.
A MP fixa um limite para a chamada CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), fundo que banca subsídios e encargos no setor elétrico e é financiado majoritariamente pelos consumidores. Pela proposta, o teto será equivalente ao valor orçado para a CDE em 2026 (no ano passado, por exemplo, o total foi de R$ 40,6 bilhões).
A CDE é um fundo abastecido quase totalmente pelos consumidores, e em menor parte por outros recursos privados e pelo Orçamento da União. O fundo financia políticas como subsídios à tarifa social, à geração de energia em áreas isoladas e ao funcionamento de distribuidoras de pequeno porte.
Estudo feito pelo Ministério do Planejamento em 2023 questionou a necessidade da continuidade de alguns desses incentivos -como aqueles destinados a fontes alternativas (como eólicas e solares), pois os preços em leilões mostravam os mesmos patamares de competitividade das hidrelétricas grandes ou gás natural. Entidades que representam consumidores também criticam de forma recorrente o crescimento da CDE.
Agora, a proposta congela os subsídios com uma trava na arrecadação para a CDE a partir de 2027, qualquer insuficiência nas políticas bancadas pela conta será coberta por um novo instrumento -batizado de “encargo de complemento de recursos”.
Esse valor adicional será pago pelos beneficiados pela CDE, na proporção dos recursos recebidos -com exceção de certos grupos, como consumidores atendidos pela tarifa social e usinas que usam a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC, voltada a regiões isoladas). Na prática, quem hoje se beneficia da CDE e não está isento pela MP terá sua vantagem reduzida.
Nesta semana, o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) afirmou não ser mais admissível o consumidor bancar valores em consequência de interesses que não são o do povo brasileiro. Para ele, é preciso limitar “até onde vamos na CDE”.
“O governo do presidente Lula está tão radicalizado e determinado a defender o povo brasileiro que vamos encaminhar a esta Casa [Câmara dos Deputados] uma medida provisória que limita a ampliação do custo da CDE”, afirmou em audiência. “Nós não temos que enfiar mais custos no consumidor, muito pelo contrário”.
A MP também tenta reverter parte dos efeitos produzidos pelo Congresso com a aprovação recente de “jabutis” (dispositivos sem relação com a proposta original). Os parlamentares contrariaram o governo Lula (PT) e beneficiaram empresários de PCHs (pequenas centrais hidrelétricas), etanol, eólicas e ainda liberaram outros incentivos. Em todos esses pontos, o governo argumentava diferentes motivos para que as propostas não virassem lei -como o aumento das tarifas e a ausência de interesse público.
Parte dos vetos de Lula ainda não foi votada, e a eventual derrubada destravaria também a contratação de uma série de usinas termelétricas previstas na legislação desde a época da privatização da Eletrobras mas que não saíram do papel por causa do baixo valor imposto pela mesma lei (fruto de uma articulação silenciosa de técnicos do governo na época).
Agora, a proposta do governo na MP é substituir o que existe na legislação, no ponto em que ela prevê a contratação de 12,5 GW (gigawatts) de térmicas a gás natural com operação inflexível (quando operam de forma ininterrupta, mesmo sem necessidade), pela compra de 4,9 GW de PCHs por 25 anos.
A proposta prevê uma contratação escalonada, por meio de leilões de reserva de capacidrade, sendo os primeiros 3 GW licitados até o primeiro trimestre de 2026, com início do fornecimento previsto para os segundos semestres de 2032, 2033 e 2034.
A MP também veda novas contratações que não estejam justificadas pelo planejamento energético nacional, com exceção dessa reserva inicial de 3 GW de PCHs. O objetivo é restaurar o protagonismo do Executivo na definição da matriz energética, permitindo que técnicos estabeleçam quanta eletricidade, de que fontes, em que período e a que valores o país realmente precisa.
Donato Filho, diretor-geral da Volt Robotics, vê como positiva a substituição de termelétricas por PCHs e a tentativa de conter a conta dos subsídios. Por outro lado, ele aponta a ausência de um plano mais estruturado -como a substituição de fontes fósseis na Amazônia, o que, segundo ele, seria uma forma mais eficiente de reduzir a CDE.
“Você poderia, por exemplo, reduzir a CDE com um plano de substituição da geração de combustível fóssil da Amazônia e eliminar esses custos. Ele não faz isso”, afirma. “Inclusive, se a CCC [conta de subsídios a térmicas, principalmente a gás e diesel] aumentar, você vai aumentar o gasto com combustível fóssil e reduzir os descontos usados pela renovável”.
Em sua visão, o governo optou por um mecanismo financeiro para limitar os encargos, mas sem atacar causas estruturais. “Não é, talvez, o melhor jeito de equilibrar as contas. Acho que poderia ser melhor trabalhado”, afirma.
Já a Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica) afirmou considerar positiva a proposta de limitação da CDE, bem como a definição de que eventuais crescimentos acima do teto sejam financiados pelos próprios beneficiários, sem repasse de custos para os demais agentes do setor.
A Abragel (Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa), que representa os empresários de PCHs (beneficiados pela MP), elogiou a medida. Outras entidades procuradas disseram não ter tido tempo para uma análise aprofundada.
Outra frente da medida tenta baratear o preço do gás por meio da revisão dos valores praticados na logística do insumo. A MP fixa os valores de acesso à infraestrutura de escoamento, processamento e transporte para a venda do gás natural por parte da estatal PPSA (Pré-Sal Petróleo).
O CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) será o responsável por determinar as condições de acesso e seus valores. O governo calcula que valor poderá ser de US$ 2 por milhão de BTU (British Thermal Unit). Atualmente, esse valor pode chegar a aproximadamente US$ 8 por milhão, com picos de US$ 16.
O gás natural da União também poderá ser transferido diretamente pela Petrobras ao destinatário final da comercialização, após acordo entre a PPSA e o agente comercializador.
De acordo com o governo, a medida tem como objetivo propiciar melhores condições de venda do gás natural da União, para “reverter os elevados preços do gás natural no mercado nacional e permitir que a PPSA oferte seu gás a preços competitivos”.