BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Após a aprovação da reforma tributária, o CCiF (Centro de Cidadania Fiscal) prepara agora uma proposta para reformular o Orçamento público. A estratégia é semelhante à que foi usada pelo grupo na PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da reforma tributária, em 2018, que serviu de base para o texto aprovado no primeiro ano do governo do presidente Lula (PT).
O plano é terminar a proposta de um novo marco legal do Orçamento até abril de 2026 para ser entregue aos candidatos à Presidência nas eleições do ano que vem.
Batizada de “Nossa Reforma Orçamentária”, a proposta passa pela revisão de pontos considerados sensíveis pelos especialistas, como a pulverização de recursos das emendas parlamentares, o uso exacerbado do contingenciamento de despesas, a impositividade do gasto orçamentário e a proliferação de fundos públicos e outras formas de Orçamento paralelo, consideradas práticas ineficientes.
“Tem que pautar agora em 2026. Em 2018, com a reforma tributária, falamos com todos os candidatos”, diz Eurico Santi, diretor-fundador do CCiF.
O foco da proposta é reformar as leis, instituições e práticas que regem o Orçamento, com foco em maior eficiência, simplicidade, transparência e legalidade.
“É a mesma abordagem que tivemos na reforma tributária, de construir o conhecimento, a proposta, a partir de estudo, análise, discussão e debate. A particularidade é que debatemos tanto com os tomadores de decisão do setor público quanto do setor privado”, diz Nelson Machado, diretor do CCiF e ex-ministro da Previdência Social. Para Machado, esse é o grande diferencial da empreitada.
O CCiF é um think thank (organização que atua como um centro de reflexão, pesquisa e aconselhamento sobre temas de interesse público) independente, criado em 2015 pelo economista Bernard Appy e outros especialistas para simplificar e aprimorar o sistema tributário brasileiro e o modelo de gestão fiscal do país. O grupo recebe apoio de empresas do setor privado.
O centro deverá receber de volta o economista Bernard Appy, que vai deixar nos próximos dias o Ministério da Fazenda, onde ocupa o cargo de secretário extraordinário de reforma tributária. A expectativa é que Appy também integre o projeto no futuro, mas não há ainda definição.
O CCiF vai montar um conselho com especialistas e representantes das empresas para discutir a proposta. Eurico Santi ressalta que a proposta da reforma tributária começou na universidade e, depois, teve discussões no setor privado.
“O problema do cara de orçamento da Coca-Cola, da Vale, da Votorantim, é muito parecido com o problema do Orçamento do Estado, que tem até o dia 31 [de dezembro] para fazer o gasto específico do departamento. Se não faz, perde o dinheiro”, diz Santi. “Isso cria ineficiência tanto privada como pública.”
Um primeiro diagnóstico do aprendizado com a reforma tributária é que para avançar é preciso “recortar” o problema. “Se a gente quiser tratar de todos os temas ao mesmo tempo, muito dificilmente a gente vai conseguir num tempo razoável construir consensos e construir acordos”, diz Santi.
A escolha foi não discutir no projeto o dimensionamento do gasto obrigatório, como as transferências sociais, aposentadoria rural, seguro-defeso, abono salarial. “É relevante, precisa ser discutido, mas tem um componente de escolha efetivamente política, [se] eu quero mais saúde, menos educação, mais abono, menos Bolsa Família…”, afirma Machado.
Os especialistas defendem também a institucionalização do Orçamento através da revisão de conceitos contábeis como o patrimônio líquido do setor público, a unificação da classificação de despesas, custos, investimentos, déficit, superávit e dívida pública. As propostas de mudanças mexeriam nos artigos 163 a 169 da Constituição, na lei 4.320 (que trata do direito financeiro público), de 1964, e na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).
“Vamos abordar o modelo de planejamento, o modelo de execução orçamentária, das práticas das políticas orçamentárias e da relação que têm o Executivo, o Legislativo, o Tribunal de Contas”, adianta Machado.
Um consenso no grupo é que o gasto público é ineficiente, porque as regras de execução do Orçamento levam a isso. Por isso, há um foco na revisão do modelo de contingenciamento de despesas, que hoje é usado para garantir o cumprimento da meta fiscal.
“Por que essa quantidade de obra parada, de serviço interrompido, o que é isso? É um modelo em que não há uma combinação entre a sustentabilidade fiscal, que é real e importante, e um sistema eficiente de gasto público”, explica Machado.
Com a proposta, o CCiF também quer resgatar a importância do patrimônio líquido do setor público. Machado cita estudo feito na Austrália que mostra que, com um patrimônio líquido bem explicitado, bem desenhado, é possível reduzir o risco observado pelo mercado, e há uma tendência também de queda da taxa de juro cobrada pelos investidores.
“O Brasil abandonou o seu patrimônio líquido, então é fundamental a gente retomar na contabilidade. Isso significa registrar todos os ativos, passivos, reconhecer as receitas e as despesas pelo mesmo modelo.”
A discussão do Orçamento impositivo também será tratada. O artigo 165 da Constituição diz que a administração pública tem o dever de executar as programações orçamentárias, mas na prática isso não acontece. “O setor público continua trabalhando a despesa como autorizativa e, portanto, faz o contingenciamento e deixa o gestor com a brocha na mão. No meio do caminho, ele tem que cancelar os empenhos”, diz.
Para Machado, o modelo de contigenciamento, revisto a cada dois meses por meio dos relatórios de avaliação de receitas e despesas do Orçamento, dificulta a visibilidade de como o gestor pode gastar melhor o recurso. “O que acontece? Corta durante o período e muitas vezes acaba liberando o Orçamento nos últimos dois meses do ano. Aí o gestor sai desesperado para gastar esse recurso que acabou de ser liberado”, critica. Para ele, esse modelo de sanfona joga a favor da ineficiência.
O CCiF também vai propor mudanças nas emendas parlamentares, hoje em cerca de R$ 50 bilhões, que na avaliação do grupo acabam fragmentando os recursos do Orçamento. “É desperdício de recursos. Não importa a boa ou a má intenção. É igual jogar pingo d’água na chapa quente: ele vai embora.”