Indefinição sobre sobretaxa de Trump preocupa setor de autopeças

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A imposição de uma sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos, prevista para 1º de agosto, acendeu o sinal de alerta na indústria automobilística nacional.

Embora não haja certeza de que a tarifa adicional atingirá o setor de autopeças, fabricantes temem um impacto ainda maior sobre uma indústria que tem os EUA como o segundo principal destino das exportações e um universo extenso de produtos.

Desde 3 de maio, o setor já opera com tarifas de 25% —algumas peças para veículos pesados têm tarifa de 10%, o que já provocou uma perda de 20% nos negócios, segundo Cassio Pagliarini, CMO da Bright Consulting, consultoria especializada no setor automotivo.

Em tese, as sobretaxas de 50% não se aplicaria sobre produtos que já sofrem tarifas setoriais, como autopeças, automóveis, aço e alumínio. Porém há muita incerteza sobre o que de fato será cobrado pelos americanos, e o setor teme que tanto os itens atualmente tarifados em 10% quanto os que já enfrentam alíquota de 25% possam ter suas alíquotas elevadas para 50% ou até receber sobretaxa sobre os percentuais já em vigor.

“A tarifa é devastadora”, resume Pagliarini. Com passagens por grandes montadoras, ele diz que não se trata apenas de perder espaço nos EUA. O mercado, na prática, seria fechado.

“Com 50% de tarifa, [o setor exportador de] autopeças para, perde 100% dos negócios realizados e isso pode demorar até o tempo de conseguir um mercado equivalente”, afirma.

As exportações brasileiras de autopeças tradicionalmente contavam com isenção tarifária nos EUA, o que ajudava a sustentar economias de escala na produção nacional. Para o mercado norte-americano, a produção brasileira é considerada irrisória, mas é relevante para a indústria brasileira, especialmente em componentes ligados à cadeia do aço, como freios, suspensão e chassi. Partes eletrônicas, nas quais o país tem pouca presença, são menos afetadas.

Para o setor de autopeças, reposicionar as exportações para outros mercados é considerado extremamente difícil, especialmente diante da concorrência chinesa. “Alemanha ou China? Impossível competir nos custos”, diz Pagliarini.

De acordo com dados da Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores), as exportações de autopeças para os EUA somaram cerca de US$ 1,4 bilhão (R$ 7,7 bilhões) em 2024. O valor representa 17,5% do total exportado no ano passado.

Já as importações de autopeças dos EUA atingiram aproximadamente US$ 2,3 bilhões (R$ 12,7 bilhões). Um déficit comercial de US$ 900 milhões (R$ 4,9 bilhões). Em junho, um mês após a aplicação da tarifa de 25%, a desaceleração se intensificou.

Como reflexo, no acumulado do primeiro semestre, as exportações para os Estados Unidos registraram queda de 4,9%, contrastando com o desempenho mais favorável observado em outros mercados como a Argentina.

Edison da Matta, diretor fiscal, tributário e jurídico da Abipeças (Associação Brasileira da Indústria de Autopeças) e do Sindipeças, diz que há riscos de que contratos sejam cancelados e novos não sejam fechados, pois o alcance da sobretaxa no setor de autopeças só será realmente conhecido após a publicação da legislação americana.

Segundo Milad Kalume Neto, diretor executivo da K.Lume Consultoria, especializada na indústria automotiva e na mobilidade no Brasil, uma eventual migração parcial da produção para a Argentina é limitada —o país vizinho tem capacidade equivalente a apenas um quinto da brasileira.

Já o redirecionamento para Europa e Ásia exigiria acordos comerciais que não são simples de costurar. O mercado doméstico também não absorve o impacto da perda.

Contudo, Kalume Neto diz que o setor de autopeças brasileiro não deve ser excluído da cadeia global. O país, diz, tem papel importante na produção de veículos no Mercosul. A expectativa é que, após um período conturbado, a situação melhore no médio prazo.

Edison da Matta afirma que o setor deve permanecer atento às oportunidades. “Autopeças não são produtos de prateleira e seguem projetos desenvolvidos pelas montadoras. Acredito que ainda não é possível definir exatamente quais serão as mudanças no comércio global.”

O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região, Weller Gonçalves, também expressa preocupação com os efeitos da medida.

Ele teme que a insegurança causada pela sobretaxa afete os planos de investimento anunciados por montadoras para o Brasil, muitos deles voltados à modernização de linhas e produção de novos modelos nos próximos anos.

Miguel Torres, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, afirma que as montadoras ainda não falam em férias coletivas ou redução de contratos, mas o risco existe. “Estamos conversando com o empresariado, e o que estão dizendo é que, se realmente se confirmar [os 50%], o impacto será muito forte, até porque arrumar outro mercado leva tempo.”

A indústria de pneus também sente o impacto. Segundo Rodrigo Navarro, presidente da Anip (Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos), os volumes de exportações equivalem à produção de uma fábrica de médio porte.

A associação se reuniu na semana passada com Alckmin para defender a prorrogação da nova tarifa “para que haja tempo para o diálogo entre os dois países e defender uma negociação técnica e baseada em dados”.

“Uma tarifa de 50% trará prejuízos para os dois mercados e afetará empresas que investiram em linhas de produção no Brasil exclusivamente para exportação para os EUA”, afirma Navarro.

De janeiro a junho deste ano, as exportações responderam por 22% das vendas do setor, somando 5,5 milhões de unidades —das quais 1,9 milhão (35,3%) foram enviadas aos Estados Unidos, o principal destino.

Navarro afirma que São Paulo é um dos estados mais afetados pela medida tarifária do governo Trump, pois lidera a produção nacional de pneus voltada ao mercado externo. A Bahia aparece em segundo lugar. Outros estados que também abrigam plantas industriais com operações relevantes em exportação são Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Paraná.

A esperança do setor é um adiamento de 90 dias para a aplicação da sobretaxa e uma negociação entre Brasil e Estados Unidos que reduza o imposto de 50% para 10% ou 15%, que, segundo os especialistas, dificulta, mas não impede o comércio. “Com 50%, não tem jogo”, diz Pagliarini.

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