Lei brasileira tem medidas para preservar empregos contra tarifas de Trump

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Crédito: Bruno Peres/Agência Brasil
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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Alternativas previstas na legislação trabalhista brasileira podem ser adotadas por empresas e sindicatos de trabalhadores para preservar empregos e diminuir os impactos das tarifas impostas ao Brasil pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Decreto assinado por Trump nesta quarta-feira (30) adia para 6 de agosto a sobretaxa a produtos e exclui da lista 700 itens, mas setores taxados preveem prejuízos e demissões. Entre os principais estão áreas do agronegócio, especialmente café e carne, além de máquinas e implementos, e a indústria do plástico.

Os instrumentos legais que podem ser usados em negociações e acordos coletivos incluem layoff, férias coletivas, antecipação de feriados, banco de horas, contrato de trabalho intermitente, teletrabalho e a redução proporcional de salário e jornada.

As opções ganharam força após a reforma trabalhista de 2017 e com decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) tomada em 2022, que validou o princípio do negociado sobre o legislado.

Para especialistas, a redução de jornada com corte proporcional de salário seria a principal medida, por manter empregos e não depender de ato direto do governo para ser usada. Trazida pela lei nº 14.020, de 2020, a regra pode ser negociada diretamente entre empresas e sindicatos, sem necessidade de regulamentação.

“A partir da decisão do STF, os sindicatos passaram a ter um papel mais relevante. Por meio de acordos e convenções coletivas, podem viabilizar soluções que se ajustem à realidade de cada setor, garantindo a continuidade das atividades produtivas e a proteção do emprego e da renda”, diz Ricardo Calcini, professor de direito do trabalho do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa Insper) e sócio do Calcini Advogados.

“Essa é a melhor política, pois mantém o vínculo. E vimos na pandemia que sindicatos e trabalhadores negociaram e melhoraram. Inclusive, ainda hoje muitas empresas usam”, afirma Hélio Zylberstajn, professor sênior da FEA/USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo) e coordenador do Salariômetro da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).

Sérgio Nobre, presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), a maior central sindical do Brasil, com 2,7 milhões de trabalhadores filiados, defende outras alternativas, como antecipação de feriados e banco de horas, antes de se tentar a redução de salário e jornada. O motivo seria a baixa remuneração no país.

“No Brasil, 80% ganham até dois salários mínimos e quando a gente faz redução, demora para o trabalhador se recompor depois. Funciona bem na Europa”, afirma.

“As férias coletivas possibilitam a redução de custos sem a necessidade de desligamentos. E o banco de horas, por sua vez, viabiliza o ajuste da jornada, acumulando horas que podem ser compensadas em períodos de menor atividade”, explica Calcini.

O layoff, um dos mais antigos instrumentos da legislação, permite a suspensão temporária do contrato de trabalho por até cinco meses, período que pode ser aproveitado para qualificação profissional, e costuma ser muito utilizado no setor metalúrgico.

Há ainda o contrato de trabalho intermitente, modelo criado na reforma trabalhista que permite contratação de funcionário sob demanda, e o teletrabalho, fortalecido nos últimos anos.

Zylberstajn afirma que o aumento tarifário imposto pelos Estados Unidos deve gerar impactos localizados em setores específicos, diferentemente da pandemia de Covid-19, cujo efeito foi generalizado e imediato.

Há, no entanto, preocupação com a economia como um todo, porque são setores que, além ee empregar um bom número de trabalhadores formais, oferecem postos de qualidade e com bons salários.

“A possível retração da demanda externa gerada pelas tarifas pode levar a um aumento no desemprego justamente nas áreas mais estruturadas do mercado de trabalho”, diz.

O professor acredita que os dois principais instrumentos a serem usados são o apoio financeiro às empresas, o que já está em estudo no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e a adoção da redução proporcional de jornada e salário nos setores afetados, melhor do que o layoff, em sua opinião.

Os especialistas defendem que o governo defina medidas o quanto antes e de forma complementar para mitigar efeitos no mercado de trabalho.

“Sem medidas de suporte, o risco é o aumento do desemprego e, consequentemente, da pressão sobre a rede de proteção social, como seguro-desemprego, Bolsa Família e demais benefícios assistenciais”, diz Calcini.

“As políticas estão prontas. Basta reconhecer a situação como emergencial e colocar os mecanismos em prática. Além disso, é fundamental comunicar à sociedade e ao setor produtivo a intenção clara de proteger empregos e estimular o investimento, criando um ambiente propício para a recuperação e o crescimento”, afirma Zylberstajn.

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VEJA POLÍTICAS DISPONÍVEIS PARA PRESERVAR EMPREGOS

O Brasil conta hoje com mecanismos legais já prontos para enfrentar esse tipo de choque no mercado de trabalho, muitos deles aprimorados durante a pandemia de Covid-19 e validados pelo STF. Entre eles, destacam-se:

REDUÇÃO DE JORNADA E SALÁRIO

A legislação aprovada na pandemia de Covid-19 foi transformada em política permanente que permite redução proporcional de salários e jornadas de forma temporária, desde que haja negociação entre empresas e sindicatos.

O governo federal pode entrar com uma compensação financeira por meio do seguro-desemprego, pagando um valor para os trabalhadores, como aconteceu com o BEm (Benefício Emergencial).

– Como funciona: A empresa reduz a jornada e o salário por até 90 dias, com compromisso de não demitir durante esse período; não pode haver demissões pelo mesmo período em que foi adotada a redução

– Benefício: O trabalhador mantém o emprego e parte da renda, e a empresa ganha fôlego para atravessar o período de queda de demanda; o governo pode pagar benefício para compensar o corte de salário

– Viabilidade jurídica: O STF já considerou essa política constitucional, pois o salário-hora é mantido. A redução salarial é proporcional à jornada e depende de acordo ou negociação coletiva.

Por que a medida é considerada vantajosa?

– Mantém o trabalhador na empresa, mesmo com carga horária menor

– Preserva a qualificação e a cultura organizacional

– Facilita a retomada da atividade de reintegração ou treinamento sem custo adicional

LAYOFF

É uma suspensão temporária do contrato de trabalho adotada por crises econômicas, estruturais ou operacionais enfrentadas pela empresa. No Brasil, a medida é regulamentada pela lei nº 4.923/65 e também foi tratada na medida provisória 936, que deu origem à lei de redução da jornada de trabalho.

Como a medida funciona:

– O contrato de trabalho é suspenso temporariamente, por um prazo de até cinco meses

– Durante esse período, o empregado não trabalha e o empregador não paga salário, mas deve custear o aperfeiçoamento profissional do trabalhador

– O funcionário pode receber uma bolsa do governo (com valor semelhante ao seguro-desemprego)

– A implementação do layoff precisa ser aprovada pelo sindicato da categoria e o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) deve ser comunicado

– Ao final do layoff, o empregador se compromete a manter o empregado por um período equivalente ao tempo de suspensão do contrato

FÉRIAS COLETIVAS

As férias coletivas são concedidas a todos os empregados de uma empresa, setor ou estabelecimento, ao mesmo tempo e por um período determinado. Elas estão previstas na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e têm regras específicas.

Podem ser concedidas até duas vezes por ano, desde que nenhum dos períodos seja inferior a dez dias corridos.

Principais regras:

– A empresa deve avisar o trabalhador com antecedência de, no mínimo, 15 dias sobre as férias

– O MTE também deve ser comunicado, assim como o sindicato da categoria

– O pagamento dos valores deve ser feito até dois dias antes do início das férias e incluir remuneração proporcional ao período mais o adicional de um terço constitucional

– Podem participar empregados com menos de 12 meses de empresa. Nesse caso, são concedidas férias proporcionais, e o contrato de trabalho é interrompido pelo restante do período para voltar a contar o direito a férias anuais individual

BANCO DE HORAS

É um sistema que permite a compensação de horas extras trabalhadas, em vez de pagá-las com adicional de 50% ou 100%, mas também pode ser usado de forma reversa.

– As horas trabalhadas a mais viram crédito, e as trabalhadas a menos, débito

– Por lei e em acordos individuais, elas devem ser compensadas em até seis meses

– Se houver acordo coletivo, há permissão para que a compensação do banco seja feita em até 12 meses

CONTRATO INTERMITENTE

O contrato de trabalho intermitente foi criado na reforma trabalhista de 2017. Nele, o trabalhador presta serviços de forma não contínua, ou seja, somente quando for convocado.

Quais são as exigências?

– Registro em carteira: O contrato deve ser formalizado por escrito e assinado, com anotação na carteira de trabalho

– Convocação prévia: O empregador deve convocar o trabalhador com pelo menos três dias de antecedência

– Aceitação do serviço: O trabalhador tem 24 horas para responder e pode recusar a convocação, sem sofrer nenhum prejuízo como dispensa, por exemplo

Ao final de cada período de trabalho, o profissional deve receber salário proporcional às horas ou dias trabalhados, férias e 13º proporcionais, além de ter o FGTS recolhido, o pagamento das contribuições ao INSS e, se for o caso, adicionais como noturno, hora extra ou de periculosidade, entre outros.

TELETRABALHO

Teletrabalho, também conhecido como trabalho remoto ou home office, é quando o trabalhador realiza suas atividades a distância, fora das dependências da empresa.

O contrato de trabalho, nestes casos, deve ter as orientações específicas sobre as atividades que serão realizadas remotamente.

O empregador pode ou não arcar com os custos de internet, energia, equipamentos etc., dependendo do acordo entre as partes, ou de acordo ou convenção coletiva com sindicato da categoria.

ANTECIPAÇÃO DE FERIADOS

A medida não está prevista na CLT, mas foi utilizada na pandemia de Covid-19 e validada pelo Judiciário, com isso, empresas podem adotá-la, desde que negociem com os sindicatos das categoria.

A medida deve estar em acordo ou convenção coletiva e prevê a antecipação do descanso legal previsto nos feriados para, em um momento futuro, compensar a jornada com trabalho quando houver demanda.

Não é permitido impor a antecipação sem acordo nem ferir direitos fundamentais como liberdade religiosa e descanso semanal obrigatório.

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