BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse nesta quinta-feira (17) em pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão que a sobretaxa de 50% anunciada por Donald Trump a produtos brasileiros é uma chantagem inaceitável. O petista também criticou políticos favoráveis à sobretaxa, chamados por ele de “traidores da pátria”, e disse que todas as empresas, nacionais ou estrangeiras, devem cumprir as regras do país.
O discurso, de 4 minutos e 50 segundos de duração, marcou o terceiro momento do dia em que o presidente falou sobre as sobretaxas, incluindo discursos em Goiânia e Juazeiro (BA).
O presidente dos Estados Unidos anunciou no dia 9 de julho que produtos brasileiros passarão a ter essa sobretaxa de 50% a partir de 1º de agosto.
“O Brasil sempre esteve aberto ao diálogo. Fizemos mais de dez reuniões com o governo dos Estados Unidos, e encaminhamos, em 16 de maio, uma proposta de negociação. Esperávamos uma resposta, e o que veio foi uma chantagem inaceitável, em forma de ameaças às instituições brasileiras, e com informações falsas sobre o comércio entre o Brasil e os Estados Unidos”, afirmou Lula na TV.
A decisão de Donald Trump é vista mais como uma medida política. No texto em que anunciou a sobretaxa, Trump citou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que é réu no STF (Supremo Tribunal Federal) em ação que apura sua participação na trama golpista de 2022.
O presidente americano escreveu que a forma como o Brasil tem tratado Bolsonaro é uma “vergonha” e que o julgamento contra o ex-presidente é uma “caça às bruxas que precisa ser encerrada”.
Lula disse no pronunciamento que o Brasil tem um Judiciário independente e que o país respeita o devido processo legal, a presunção de inocência, do contraditório e da ampla defesa. “Tentar interferir na Justiça brasileira é um grave atentado à soberania nacional.”
Nesta quinta, Trump enviou carta a Bolsonaro em que diz estar vendo “o tratamento terrível” que o aliado estaria recebendo em “um sistema injusto” que se voltou contra ele.
“Este julgamento deve terminar imediatamente! Não me surpreende vê-lo liderando nas pesquisas; você foi um líder altamente respeitado e forte, que serviu bem ao seu país”, afirmou Trump em documento publicado na conta da sua rede social Truth Social.
Lula e integrantes do governo tem criticado diretamente o ex-presidente Bolsonaro e seu filho Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Deputado federal licenciado, Eduardo vive nos Estados Unidos, onde tem pressionado por retaliações ao Brasil.
Em seu pronunciamento, o presidente brasileiro disse estar indignado com o que considerou um ataque ao Brasil, como apoio de políticos brasileiros. “São verdadeiros traidores da pátria. Apostam no quanto pior, melhor. Não se importam com a economia do país e os danos causados ao nosso povo.”
Quando Trump anunciou a sobretaxa, Eduardo Bolsonaro divulgou uma carta apelando às autoridades por uma “saída institucional que restaure as liberdades”.
O governo brasileiro tem buscado um caminho diplomático para o impasse, com o vice-presidente Geraldo Alckmin à frente de conversas com o setor privado e com a cúpula do Congresso. Parlamentares e empresários têm defendido que o governo evite retaliações, como a adoção de uma tarifa recíproca.
“Estamos nos reunindo com representantes dos setores produtivos, sociedade civil e sindicatos. Essa é uma grande ação conjunta que envolve a indústria, o comércio, o setor de serviços, o setor agrícola e os trabalhadores”, disse o presidente no pronunciamento.
Mais cedo, em Goiânia, Lula disse que o Brasil vai taxar empresas de tecnologia americanas e defendeu mais controle sobre redes sociais, medida que é alvo de crítica da gestão Trump e um dos elementos da investigação comercial aberta contra o Brasil nesta semana.
“A defesa da nossa soberania também se aplica à atuação das plataformas digitais estrangeiras no Brasil. Para operar no nosso país, todas as empresas nacionais e estrangeiras são obrigadas a cumprir as regras”, disse.
Como a Folha de S.Paulo mostrou, o governo tem planos de taxação de big techs ao menos desde o ano passado. O assunto voltou à tona desde que o governo Trump passou a impor tarifas a produtos brasileiros como o aço.
Na terça (15), o governo Lula enviou uma carta ao secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, e ao representante de Comércio dos EUA, Jamieson Greer, na qual manifesta indignação com a sobretaxa e diz seguir disponível para negociar uma solução mutuamente aceitável.
Uma sobretaxa de 50% praticamente inviabiliza os negócios de diversos segmentos do setor industrial brasileiro. Calçados, ferro gusa, máquinas e equipamentos, peças para veículos, móveis e ferroliga são alguns dos que, segundo as entidades que representam os produtores, exportam parte relevante das duas produções e não teriam como redirecionar suas produções para outros mercados.
Trump também cita na carta cobranças tarifárias e não tarifárias do Brasil que seriam injustas na visão do republicano. Ele afirma haver déficit com o país, mas os EUA na verdade têm superávit comercial com os brasileiros. Há 17 anos, o fluxo de bens entre os dois países favorece os americanos, que vendem mais do que compram.
Na TV, Lula disse que as alegações de Trump são falsas e que os Estados Unidos acumulam “robusto superávit de US$ 410 bilhões”.
Nesta semana, o governo dos Estados Unidos também anunciou a abertura de uma investigação comercial contra o Brasil. A apuração, a cargo do USTR (Escritório do Representante de Comércio dos EUA), vai avaliar práticas do país em áreas como comércio eletrônico e tecnologia, taxas de importação e desmatamento. O documento que detalha a investigação comercial cita o Pix como uma possível prática desleal do país em relação a serviços de pagamentos eletrônicos.
A rua 25 de Março, tradicional polo de comércio popular no centro de São Paulo, também é mencionada em meio a críticas a supostas falhas na proteção e aplicação adequada e efetiva dos direitos de propriedade intelectual.
Na noite de terça, o governo iniciou uma reação à investigação focada nas operações com Pix. A ideia é reafirmar o sistema de pagamentos automáticos como uma operação consagrada, brasileira e que causa ciúmes.
Membros da gestão Lula e aliados enxergam lobby de empresas de bandeiras de cartão de crédito e de big techs por trás da pressão dos Estados Unidos sobre o Pix. “O Pix vai acabar com o cartão de crédito nesse país. Por isso ele está incomodado. A gente vai criar o Pix parcelado. É uma coisa do Brasil, não tem porque ele ficar dando palpite nisso”, disse Lula durante evento em evento em Juazeiro, na Bahia, a 504 quilômetros de Salvador.
Na TV, Lula disse que “o Pix é do Brasil” e que o sistema será protegido pelo governo.
O presidente também respondeu a outros pontos da investigação do USTR, como as questões ambientais. “O Brasil hoje é referência mundial na defesa do meio ambiente. Em dois anos, já reduzimos pela metade o desmatamento da Amazônia. E estamos trabalhando para zerar o desmatamento até 2030.”