Marcel Solimeo e a jornada silenciosa de quem traduz há 6 décadas a economia brasileira

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Marcel Solimeo, há 62 anos na ACSP, tem suas memórias eternizadas em livro
(Mastrangelo Reino/DC News)
  • Economista-chefe da Associação Comercial entra na instituição em 11 de setembro de 1963 e desde então ajuda a compreender a economia
  • Livro assinado por James Mohr-Bell tem 14 entrevistas para descrever a jornada do economista – tanto no âmbito pessoal quanto profissional
Por Paula Cristina | Aryel Fernandes

[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
Há 62 anos, quando Marcel Domingos Solimeo entrou na Associação Comercial de São Paulo, o Brasil era outro. Em 1963 o presidente do país era João Goulart, que vivia uma instabilidade política que resultaria, no ano seguinte, em sua deposição e início do Regime Militar. De lá para cá, foram muitos Brasis dentro do Brasil. Passaram-se eras mais duras, períodos de crescimento econômico robusto. Hiperinflação, escândalos de corrupção, governos mais à direita, outros mais à esquerda. Cinco presidentes eleitos pelo voto, três vice-presidentes assumindo o cargo no processo. Na marcha dos acontecimentos, uma linearidade: o olhar de Solimeo para a economia brasileira. Sempre atento, e um defensor do liberalismo econômico em sua essência, sua história é contada no livro O Legado Silencioso de Marcel Solimeo – 62 anos acompanhando a economia e o varejo brasileiros, assinado pelo escritor James Mohr-Bell que, ao longo de 14 entrevistas, coloca em ordem cronológica a trajetória do economista-chefe da ACSP e suas muitas impressões sobre o caminho até aqui. A obra está divida em seis partes que unem os períodos de atuação de Solimeo, conta com 22 capítulos, 240 páginas e uma galeria de fotos. “Sempre defendi o que eu pensava e pretendo continuar. Enquanto os meus sonhos forem maiores que as minhas lembranças eu vou continuar”, disse ele no lançamento do livro. 

Segundo Mohr-Bell, que também é economista, a obra iniciada em 2023 contribui para a documentação da história econômica do Brasil sob a ótica discreta, mas precisa, de Solimeo. “O objetivo do livro é colher experiências, anedotas e histórias sobre sua jornada”, afirmou. A narrativa percorre seis décadas de mudanças econômicas, e chega até o período atual, com a criação do Pix. O relato começa em 11 de setembro de 1963, quando Solimeo ingressou no Instituto de Economia Gastão Vidigal (IEGV), braço da ACSP criado em 1944. No instituto, economistas elaboram pesquisas e análises que orientam o comportamento da economia. Entre os estudos, muitos deles ainda produzidos, estão o Balanço de Vendas, o Índice Nacional de Confiança (INC), o ACVarejo, o Boletim de Conjuntura e Temas em Análise.

E todo esse legado, segundo Solimeo, é a força motriz que o mantém, aos 87 anos, trabalhando ininterruptamente na ACSP. “Estou na Associação há tanto tempo que se alguém me perguntar o porquê, eu não sei responder”, disse Solimeo, que pouco depois encontrou a resposta. “Acredito que é por ter os mesmos princípios que a Associação.”

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Ao longo de seis décadas, Solimeo trabalhou com 13 presidentes da ACSP – mais que o número de presidentes do Brasil no período, 11 ao todo, sendo cinco militares e seis civis. Foram milhares de entrevistas, centenas de encontros e contribuições que ajudaram empresários e a sociedade a compreenderem o país. Para ele, a realidade econômica brasileira sempre foi prioridade da ACSP. Tanto que, com o avanço do Brasil, ainda nos anos 1940, a entidade identificou a necessidade de discutir economia de forma técnica e estruturada.

Foi assim que nasceu o Instituto de Economia, em 1944, durante as comemorações dos 50 anos da Associação. Em 1951, o instituto recebeu o nome Gastão Vidigal, em homenagem ao advogado que presidiu a ACSP no biênio 1943-1944. Entre os economistas que passaram pelo IEGV estão Affonso Celso Pastore, Antônio Delfim Netto, Carvalho Pinto, Fernão Bracher, Fernando Milliet de Oliveira, Luiz Carlos Bresser Pereira, Paulo Salim Maluf e Luiz Carlos Mendonça de Barros.

Durante o lançamento do livro, o presidente da ACSP, Roberto Mateus Ordine, diz que a obra evidencia como a jornada de Solimeo se mistura com a história da Associação. Seus estudos complexos, disse, foram determinantes para que a entidade guiasse tantos outros empresários ao traduzir o Brasil em vias estatísticas. Rogério Amato, presidente do Conselho Superior da ACSP, concorda. “Se não há uma base matemática, nada funciona.” Para o executivo, foi essa sustentação que deu protagonismo à Associação nos debates relevantes para a economia brasileira.

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Sempre defendi o que pensava e pretendo continuar. Enquanto meus sonhos forem maiores que minhas lembranças, vou seguir

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Marcel Solimeo

O BRASIL NÃO É SIMPLES – Acompanhar a economia brasileira de forma isenta sempre foi o norte de Solimeo. Muitas de suas observações passadas permanecem atuais, a ponto de soarem como manchetes possíveis para o noticiário de amanhã. Ajuste fiscal, inflação, contaminação política da economia e inadimplência foram temas recorrentes em suas análises. Prova disso está em artigo publicado no jornal  Diário do Comércio:

— Depois de um ano difícil, com baixo crescimento e inflação elevada, desarranjo das contas públicas, deterioração do setor externo, distorções nas tarifas de serviços, instabilidade cambial e escândalos político-policiais, o Brasil inicia um novo período. (…) Não é possível continuar com a mesma política econômica, porque as distorções vão exigir ajustes e correções para que o país supere seus problemas urgentes e se prepare para retomar o crescimento.

O parágrafo até poderia descrever com precisão a situação atual do país, mas foi publicado há mais de uma década, no dia 18 de dezembro de 2014. E é possível voltar mais. Em 3 de dezembro de 1979, no jornal A República, Solimeo analisava os efeitos da inflação e do preço dos combustíveis nas vendas natalinas, com destaque para os setores de vestuário e calçados. Em 11 de dezembro de 1984, no Jornal do Brasil, atribuía o aumento de 13% no número de falências e concordatas às dificuldades da economia.

Na década de 1990, com a estabilização do Plano Real, o consumo cresceu e a inadimplência subiu 57,7% em julho de 1997, em relação ao mesmo mês do ano anterior. Em entrevista ao Jornal do Commercio (RJ), em 25 de julho daquele ano, Solimeo explicou como o varejo poderia se proteger sem deixar de aproveitar o apetite dos consumidores. Na virada do século, o Brasil atravessava outro momento ímpar. Em 1999 a dúvida do mercado era: O Plano Real vai vingar? E dessa vez Solimeo resolveu não bancar sozinho uma resposta. Munido de outros 20 economistas, ele lançou o livro O Plano Real Acabou?

Em uma nota de bastidor do jornal Diário do Commmércio (RJ), datada de 07 de janeiro de 1999,  uma descoberta: a obra que se propunha a discutir os acertos e erros da moeda que estabilizou a política econômica brasileira não era sobre isso. A  verdadeira discussão do livro era a capacidade de o Brasil prosseguir em crescimento, independentemente da moeda, sem controlar seus próprios gastos.

Ao encostar no século 21, mais notícias atemporais. Em 17 de outubro de 2000, no Jornal do Brasil, alertou para o impacto dos produtos eletrônicos importados na balança comercial. E lá estava Solimeo, o arauto do liberalismo, defendendo mais investimentos e estímulos para que o Brasil exportasse mais produtos manufaturados e parasse de depender apenas da exportação de grãos. Alguns anos depois, em 12 de outubro de 2010, no jornal A Tribuna, o economista destacou os riscos do crédito excessivo concedido pelas grandes redes varejistas e como isso poderia prejudicar a própria empresa nos anos seguintes. (Spoiler do futuro: ele estava certo.)

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