BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Membros da AGU (Advocacia-Geral da União) receberam R$ 1,68 bilhão em honorários só no mês de janeiro, segundo dados incluídos nesta quarta-feira (16) no Portal da Transparência. As informações do repasse até então estavam ocultas, como mostrou a Folha de S.Paulo.
Segundo levantamento feito pela reportagem, mais da metade dos servidores recebeu uma remuneração extra acima de R$ 193 mil. Na média, cada um dos 12,8 mil integrantes contemplados ganhou R$ 134 mil.
O chefe da AGU, ministro Jorge Messias, que é procurador da Fazenda Nacional, também recebeu o bônus pago naquele mês, no valor de R$ 193,2 mil -acima da média. Em nota, o órgão disse que Messias é concursado desde 2006 e que “o recebimento desse tipo de remuneração pelo advogado-geral está sujeito às mesmas regras e critérios que são aplicados de forma isonômica a todos os membros das carreiras da AGU”.
Os valores são repassados por uma entidade de natureza privada, o CCHA (Conselho Curador dos Honorários Advocatícios), e os pagamentos retroativos não ficam sujeitos ao teto do funcionalismo, hoje em R$ 46.366,19 ao mês. Segundo o conselho, há a cobrança de 27,5% de Imposto de Renda sobre os repasses.
Os pagamentos feitos em janeiro se referem ao mês de dezembro (assim como na iniciativa privada, a remuneração dos servidores cai no início do mês seguinte ao período trabalhado).
Os honorários de sucumbência foram criados em 2016 como uma espécie de bônus pago aos servidores da área jurídica do Executivo pela atuação na defesa dos interesses da União. Eles beneficiam advogados da AGU e procuradores da PGF (Procuradoria-Geral Federal), da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) e do Banco Central.
Além da distribuição habitual de honorários, os pagamentos de janeiro foram inflados por itens classificados como “rateio extraordinário – competências anteriores”, auxílio-saúde, auxílio-alimentação, além de correção monetária e juros de mora sobre valores retroativos.
Não há detalhes públicos de como esses valores foram calculados ou o que motivou o “rateio extraordinário”. Reportagem do UOL publicada em março mostrou que a AGU tem criado novas parcelas de bônus sob o guarda-chuva dos honorários por meio de pareceres sigilosos.
Além disso, a divulgação dos pagamentos sofreu um apagão recente. Até terça-feira (15), não havia dados dos repasses de dezembro de 2024 a maio de 2025. As informações foram publicadas nesta quarta.
Em nota, o CCHA disse que a adoção de um novo modelo de detalhamento provocou incompatibilidades técnicas com o sistema da CGU (Controladoria-Geral da União), responsável pelo Portal da Transparência. “O fluxo de informações já foi restabelecido, e as equipes técnicas seguem trabalhando na padronização das bases. Além disso, estão sendo estudadas medidas para aprimorar a forma de apresentação dos dados e ampliar a transparência das informações disponíveis ao público”, afirmou.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, o expediente mais recente para turbinar os ganhos dos advogados foi a determinação para pagar terço de férias sobre o valor dos honorários, com repercussão retroativa.
A medida foi confirmada à reportagem por quatro integrantes da carreira que defendem o repasse. Na visão deles, o terço de férias deve ser calculado sobre toda a remuneração, não apenas sobre o subsídio fixo mensal, como de fato ocorreu. O entendimento abriu caminho para repasses vultosos feitos nos últimos meses.
O CCHA também já autorizou o ressarcimento de anuidades pagas à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) entre 2017 e 2024.
Outra fonte de pagamentos significativos, segundo um técnico, é a concessão do bônus cheio para membros da carreira já aposentados, sob o argumento de que eles fazem jus à integralidade e à paridade (garantia de aposentadoria com o mesmo salário da ativa e direito aos mesmos reajustes).
A lei dos honorários diz que servidores inativos recebem 100% no primeiro ano de aposentadoria, percentual que cai gradualmente até chegar a 37%. No entanto, aposentados estão conseguindo na Justiça o direito a manter o bônus integral, o que tem gerado pagamentos retroativos significativos.
Em janeiro, o maior desembolso foi no valor de R$ 444,1 mil, para uma procuradora federal no Piauí aposentada desde 1995.
O segundo maior, de R$ 259,2 mil, foi depositado para um procurador federal em atividade na ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) no Rio de Janeiro.
Em nota, a AGU disse que “não houve qualquer notificação à Advocacia-Geral da União, seja por meio de consulta prévia ou solicitação de autorização específica, quanto ao processo administrativo do CCHA que reconheceu o pagamento de eventuais verbas em atraso aos membros da AGU”. Segundo o órgão, as decisões “são de responsabilidade exclusiva” do conselho.
A AGU disse ainda defender a “estrita observância do teto constitucional para as carreiras jurídicas” e a “transparência plena”. O órgão afirmou ter determinado a divulgação dos pagamentos em portal próprio, com mais detalhes.
A CGU (Controladoria-Geral da União) disse que o atraso na divulgação das informações sobre os honorários se deu “exclusivamente por questões operacionais”. Segundo o órgão, o CCHA forneceu os dados na última sexta-feira (11), e a Controladoria priorizou seu processamento desde então.
“Reforçamos o compromisso da Controladoria com a centralização e disponibilização, por meio do Portal da Transparência, de informações tempestivas, completas e íntegras sobre a aplicação dos recursos públicos federais”, disse.
A adoção de expedientes para turbinar o pagamento de honorários ocorre no momento em que o governo Lula (PT) tenta convencer o Congresso a votar o projeto que limita o pagamento de supersalários na administração federal. A iniciativa enfrenta resistências de carreiras beneficiadas pelos chamados penduricalhos.
Os honorários de sucumbência são pagos pela outra parte em processos dos quais a União sai vencedora. Até 2015, essa receita ficava com o governo federal. O novo Código de Processo Civil, no entanto, previu que essa verba pertence aos advogados públicos -ou seja, como se fossem uma receita privada.
Em 2020, o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou a constitucionalidade dos honorários de sucumbência recebidos pelos advogados públicos, mas determinou que a soma do salário e da verba extra não poderia ultrapassar o teto do funcionalismo.
No entanto, sempre que há pagamento de valores retroativos (referentes a períodos anteriores), há brecha para ultrapassar esse limite. A lógica é a seguinte: como o montante se refere a vários meses, na média ele fica abaixo do teto.
Na prática, a estratégia dos membros da AGU é usar o espaço deixado no passado pelas remunerações inferiores ao teto e preenchê-los de forma retroativa sempre que há ingresso extra de recursos no fundo administrado pelo CCHA.
Segundo um integrante da carreira, se há valores disponíveis e a legislação permite os pagamentos, a intenção é “remunerar bem os procuradores”. A categoria enxerga o benefício como uma forma de manter a atratividade da carreira pública, uma vez que advogados privados podem ganhar muito mais.
Especialistas, porém, discordam desse argumento, uma vez que advogados da União têm maiores garantias do que profissionais liberais do setor privado, como subsídio mensal fixo, férias e 13º salário, além da própria estabilidade no cargo
QUANTOS SERVIDORES RECEBERAM HONORÁRIOS EM JANEIRO DE 2025, POR FAIXA DE VALOR
R$ 444 mil – 1
R$ 200 mil a R$ 260 mil – 39
R$ 190 mil a R$ 200 mil – 5999*
R$ 180 mil a R$ 190 mil – 673
R$ 170 mil a R$ 180 mil – 428
R$ 150 mil a R$ 170 mil – 278
R$ 100 mil a R$ 150 mil – 526
R$ 50 mil a R$ 100 mil – 862
R$ 25 mil a R$ 50 mil – 3359
Até R$ 25 mil – 640
*Incluindo o ministro Jorge Messias, que recebeu R$ 193,2 mil
Fonte: Portal da Transparência