Ministério ignora críticas no próprio governo e mantém carvão em leilão de energia

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BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Ministério de Minas e Energia manteve a possibilidade de usinas a carvão participarem do próximo leilão de reserva de capacidade de energia. A decisão, às vésperas da COP30 (conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas), foi tomada sob críticas de ambientalistas, entidades de defesa do consumidor e de outras pastas do governo.

O carvão desperta preocupação por ser uma fonte altamente emissora de gases de efeito estufa, em contraste com compromissos assumidos pelo Brasil, e também por ter menos flexibilidade operacional. Os pedidos para que o combustível fóssil fosse excluído da disputa, no entanto, foram rejeitados e as regras foram publicadas em portaria neste mês pelo Ministério de Minas e Energia, comandado por Alexandre Silveira.

Em nota técnica, o ministério afirmou que o certame não permitirá empreendimentos a carvão novos, restringindo a elegibilidade apenas às usinas já existentes. Segundo a pasta, essa limitação evita a ampliação dessa participação na matriz elétrica.

Sobre a contestação em relação à pouca flexibilidade operacional do carvão, o MME afirmou que as exigências atuais aumentam a capacidade de resposta operacional dessas usinas apesar da desvantagem em relação a outras tecnologias.

“Espera-se, portanto, que as usinas a carvão participantes ajustem seus parâmetros de operação, contribuindo de forma mais efetiva para a flexibilidade e a confiabilidade do SIN [Sistema Interligado Nacional]”, diz. A pasta defende ainda que, como as unidades a carvão competirão também com as que usam gás, as que tiverem mais flexibilidade tendem a ser mais competitivas.

O MME também justificou a decisão citando a necessidade de garantir a segurança de suprimento no curto prazo e de aproveitar ativos operacionais com investimento já realizado, evitando o que entende como o descarte de uma infraestrutura ainda considerada útil. O leilão de 2026 está previsto para 18 de março e será o primeiro de capacidade realizado desde 2021. Procurada, a pasta não comentou até a publicação deste texto.

A portaria do MME é publicada menos de dois anos após a COP28, em Dubai, onde quase 200 países aprovaram um texto que pede uma “transição para longe dos combustíveis fósseis” nos sistemas energéticos.

Comandado por Marina Silva, o MMA (Ministério do Meio Ambiente) já se posicionou contra a contratação de usinas a carvão quando o assunto estava na fase anterior, de consulta pública. “A medida, em vez de impulsionar a transição energética justa, contraria os compromissos climáticos assumidos pelo Brasil no cenário internacional, em especial sob o Acordo de Paris”, afirmou à Folha de S.Paulo.

O MMA também disse que o Plano Clima, que detalha as ações do Brasil para implementar seus compromissos climáticos, tem como uma das prioridades a eletrificação dos setores produtivos, com foco em energias renováveis e de baixo carbono.

“A consulta pública para contratação de usinas termelétricas a carvão, portanto, contradiz as ações previstas no Plano Clima. A expansão do carvão na matriz elétrica brasileira pode prejudicar também o processo de descarbonização de setores como transportes e cidades”, afirmou o MMA.

O desconforto com o tema se estende a outras áreas do governo. Membro de outro ministério ouvido pela reportagem classificou a inclusão do carvão como incompreensível e afirmou, após a decisão deste mês do MME, que o combustível é caro, prejudicial ao meio ambiente e ainda não serve como boa opção para lidar com o cenário de forte oscilação das renováveis.

O instituto ambiental Arayara também criticou. “A escolha de priorizar termelétricas a carvão e gás natural reforça um modelo centralizado, poluente e concentrador de renda, contrário ao princípio da transição energética democrática e descentralizada”, afirmou em nota.

O Idec (Instituto de Defesa de Consumidores) afirmou na consulta pública que o carvão mineral é uma fonte altamente poluente e vai na contramão dos compromissos de enfrentamento das mudanças climáticas estabelecidos pelo Brasil. A entidade afirma que, em 2023, usinas que usam essa fonte (especificamente, Candiota III, Jorge Lacerda IV e Pampa Sul) se destacaram como as maiores emissoras absolutas de gases de efeito estuda.

Entidades que defendem grandes consumidores de energia afirmam que contratar usinas a carvão para atender à necessidade de potência é equivocado porque, elas elas precisam ser ligadas muitas horas antes do período de demanda. Isso ocorre porque a usina a carvão demanda longo tempo de aquecimento para atingir o nível de geração esperado.

Por isso, na prática, a contratação pode adicionar ainda mais energia durante o dia, quando já é necessário reduzir a produção de renováveis para que o excesso de eletricidade não cause danos ao sistema.

A Frente dos Consumidores de Energia afirma que a reserva de capacidade requer a contratação de fontes que possam ser acionadas e desligadas rapidamente e que hidrelétricas e térmicas a gás flexíveis atendem a esse critério. “Não há justificativa econômica para a inserção desse combustível fóssil no leilão”, disse a entidade na consulta pública.

Além de manter o carvão, o MME incorporou outros ajustes ao desenho do leilão. A partir de 2028, produtos termelétricos conectados ou não à malha de transporte de gás natural passarão a concorrer no mesmo bloco.

A pasta também atendeu à demanda do setor por prazos mais longos de maturação. O leilão de 2026 incluirá produtos com início de suprimento em 2031, o que, segundo o ministério, permite maior tempo para licenciamento e implantação de grandes usinas, além de reduzir gargalos logísticos na cadeia global de turbinas e transformadores.

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