Ministério Público de SP dribla lei e omite passivo devido a promotores e procuradores

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O MP-SP (Ministério Público de São Paulo) omitiu informações sobre o quanto deve de valores retroativos a promotores e procuradores após pedido da reportagem via LAI (Lei de Acesso à Informação) sob o argumento de que a divulgação ofenderia a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).

Especialistas consultados pela reportagem dizem que a negativa de acesso a dados sobre a remuneração de membros da instituição representa um uso equivocado da lei para restringir informações que deveriam ser públicas. Eles apontam que a medida equivale a um drible à LAI.

O órgão afirma que forneceu as informações solicitadas e que os passivos são auditáveis, com a execução orçamentária submetida ao controle do Tribunal de Contas e do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público). Diz também que os pagamentos seguem a legislação, decisões judiciais e deliberações do conselho.

A reportagem solicitou, em abril, a relação de valores atrasados que a instituição tinha a pagar a membros ativos e inativos —o total de verbas referentes a anos passados devido a cada um deles. Como mostrou a Folha de S.Paulo, a estimativa geral é de R$ 6 bilhões, mas o órgão não detalhou quanto é devido a cada pessoa.

A resposta formal, fornecida mais de um mês depois do pedido, citou faixas pagas mensalmente a título de indenização por valores em atraso, mas não identificou os profissionais nem justificou especificamente os pagamentos. Indagado sobre a omissão, o MP-SP disse que a demanda já tinha sido contemplada.

Em nota, a instituição afirmou que “reitera os dados anteriormente enviados”, que “todos os seus passivos são auditáveis” e que “a execução orçamentária da instituição é submetida ao controle do Tribunal da Contas do Estado e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)”.

Disse ainda ser “importante também realçar que o reconhecimento de créditos aos promotores e procuradores tem como base a legislação, decisões judiciais e as deliberações do próprio CNMP”.

O advogado Marcelo Cárgano, especializado em proteção de dados e direito digital, diz que a LGPD é uma lei que cria uma governança, estabelece regras e princípios que devem reger o tratamento de dados, e que a LAI prevê a eficiência e a transparência da administração pública.

“Você tem que ter privacidade, a garantia da proteção da intimidade dos cidadãos, dos indivíduos, mas também não pode abrir mão em uma democracia da transparência pública. A questão desses vínculos, essa remuneração dos servidores públicos, é um assunto de interesse público”, diz.

Segundo ele, uma das hipóteses legais que autorizam o tratamento de dados pessoais é o cumprimento de obrigação legal, mas também há a execução de políticas públicas e a proteção do interesse público. “Então, não dá pra falar que a LGPD venha restringir ou limitar o alcance da LAI.”

Bruno Morassutti, colunista da Folha de S.Paulo e diretor de advocacy da Fiquem Sabendo, organização especializada no acesso a informações públicas, afirma que os dados solicitados são de interesse público e não poderiam ter o acesso negado com base na LGPD. A lei, diz ele, deveria servir para proteger os cidadãos, não barrar o acesso a informações.

Para Morassutti, a instituição poderia ter restringido o acesso caso o pedido envolvesse informações pessoais, como o endereço de promotores, sem justificativa de interesse público, o que não foi o caso. “É uma pena, um retrocesso para a imagem do Ministério Público”, afirma.

A opinião é corroborada por André Boselli, coordenador de programa da ONG Artigo 19. Segundo ele, esses penduricalhos fazem parte da remuneração dos membros do Ministério Público. Assim, as informações solicitadas deveriam ser, por definição, públicas via lei de acesso.

“Independentemente de como se dê esse processo de acesso à informação, de quais respostas sejam dadas, são informações públicas, e isso não se pode perder de vista”, afirma Boselli, que aponta um cenário de falta de transparência, especialmente no que diz respeito ao Judiciário e ao Ministério Público.

Diz ele: “Não existe um problema na LGPD de modo que informações que deveriam ser públicas não são, por força de lei. Isso não existe. O que existe é uma interpretação equivocada da LGPD que é usada para negar acesso à informação pública de maneira mais geral e abstrata”.

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