Morre Carlos Roberto Pinto Monteiro, vice-presidente da ACSP, aos 77 anos
Monteiro foi um dos entrevistados em série especial da Agência DC NEWS em 2025
(Andre Lessa/Agência DC News)
Monteiro, engenheiro civil, ocupava uma das vice-presidências da ACSP há três décadas. Chegou nos anos de 1970, como ouvinte em reuniões
O mais antigo VP da ACSP viu empresas nascerem, cidades mudarem e a economia oscilar. “Todo dia tem um desafio", disse em recente entrevista
Por Da RedaçãoCompartilhe:
Com pesar, a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) comunica o falecimento do seu vice-presidente Carlos Roberto Pinto Monteiro (77), ocorrido ontem (28). Monteiro, engenheiro civil, ocupava uma das vice-presidências da ACSP há três décadas e chegou à instituição ainda jovem, nos anos 1970, como ouvinte de reuniões. Posteriormente, tornou-se conselheiro. Chegou à vice-presidência e nunca mais se afastou da ACSP. Ao longo dos anos, tornou-se um dos principais rostos da entidade, defensor ferrenho de seus pilares: a livre-iniciativa, a propriedade privada e a atuação apartidária.
Para Carlos Monteiro, que deixa um legado marcado por técnica e sensibilidade, construir ia além de erguer paredes: significava deixar marcas duradouras. A receita do sucesso passava pela persistência, pela paciência e por uma porção de amigos. “Amigo, muitíssimo obrigado por tudo e por tanto”, disse Roberto Mateus Ordine, presidente da ACSP.
A despedida será no Cemitério Gethsêmani Morumbi, na terça-feira (30), às 9h, com sepultamento às 12h. O cemitério fica na Praça da Ressurreição, 1, Vila Sônia, São Paulo.
RECENTE ENTREVISTA Monteiro foi um dos entrevistados da Série Desafios 2026, em que a AGÊNCIA DC NEWS se propôs a compreender o Brasil sob a ótica de lideranças da ACSP. Ele falou sobre o país, mas também compartilhou sua trajetória pessoal, os negócios, as agruras do empreendedorismo e a importância do associativismo em sociedades organizadas. “Aqui [ACSP] é uma escola de civismo”, disse. O vice-presidente mais antigo da ACSP viu empresas nascerem, cidades se transformarem e a economia brasileira oscilar. “Todo dia tem um desafio”, afirmou.
Ao longo de seus 77 anos, Carlos Monteiro construiu uma carreira que atravessou o Brasil urbano e o campo, articulando soluções práticas para empresas, projetos de infraestrutura, a gestão de sua fazenda em São Carlos e o associativismo. Ele lembrou com orgulho a Multihab, sua empresa de engenharia, que há 55 anos presta serviços em reformas, construções de prédios, aeroportos e projetos para a aeronáutica: “Tenho mais vocação para a prestação de serviço do que para a indústria. E é isso que me move”, afirmou.
Monteiro também destacou como a experiência no campo moldou sua visão sobre planejamento, paciência e execução: lidar com a imprevisibilidade de uma safra ou com problemas cotidianos da fazenda exige resiliência e adaptação — competências que, segundo ele, são fundamentais para qualquer empreendedor. “Saber gerenciar os desafios é o que faz a diferença.”
A seguir, a [intrgra da entrevista veoculada em outubro.
AGÊNCIA DC NEWS – Para começar, poderia me contar sobre seu começo de vida? CARLOS MONTEIRO – Eu nasci na rua Araquã, próximo à rua Avanhandava, na Bela Vista. Era um oásis em São Paulo — um núcleo pequeno, originalmente loteado pela City, companhia inglesa que também loteou o Jardim Europa, sempre com uma característica de muita arborização e as ruas em curva, fazendo um balão. Era um lugar onde a gente jogava futebol na rua, andava de carrinho de rolimã… O pai de um grande amigo tinha um carro enorme, um Hudson, e fazia passeios com a gente no domingo de manhã. Era um momento aguardado! Ele sempre comprava tremoço — nada de pipoca ou amendoim. E até hoje eu como tremoço lembrando do doutor Firmino Whitaker, uma figura fantástica.
AGÊNCIA DC NEWS – A família do senhor trabalhava em que setor? CARLOS MONTEIRO – Meu pai era arquiteto, formou-se na primeira turma da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, em 1952. Eu fiz formação em Engenharia Civil, na FAAP, em 1972. Era a época do Brasil Grande — Ponte Rio-Niterói, Usina de Itaipu… A FAAP hoje não tem mais curso de Engenharia. Ninguém quer ser engenheiro civil. As novas gerações são de advogados, mercado financeiro, TI, inteligência artificial….
AGÊNCIA DC NEWS –E como começou a carreira? CARLOS MONTEIRO – Antes, tem uma passagem importante. Eu tive a oportunidade e o privilégio de estudar no Colégio São Luís, que era uma referência. Tenho um grupo de 20 amigos dessa época com quem falo e me encontro até hoje. O Guilherme Afif [presidente da ACSP entre 1982 e 1987] é do Colégio São Luís, um colégio jesuíta de grandes educadores, de muita disciplina, que me deu uma formação religiosa sólida. Quando terminei o colégio, em 1966, entrei para o CPOR [Centro de Preparação de Oficiais da Reserva], antes da faculdade. Tive o privilégio de fazer a arma de cavalaria. Também foi uma formação muito importante.
AGÊNCIA DC NEWS – Como se desenvolveu sua vida profissional? CARLOS MONTEIRO – A minha empresa, Multihab, vai completar 55 anos prestando serviços na área de engenharia – reformas, construção de prédios, aeroportos, infraestrutura para a aeronáutica. Tenho mais vocação para a prestação de serviço do que para a indústria. E tenho uma paixão, que é minha fazenda na região de São Carlos [interior de São Paulo]. É a minha grande obra, comecei do nada. Crieilimousin [raça de gado bovino de origem francesa], vaca de leite, carneiro, ovelhas… Hoje a única coisa que eu crio é caso [risos]. Me rendi à cana – como tem as usinas no meu entorno, atualmente a fazenda é dedicada à produção de cana, que vira açúcar ou álcool.
AGÊNCIA DC NEWS – E como foi essa virada para o campo? CARLOS MONTEIRO– Não existe nada mais complexo do que uma fazenda. Na engenharia, você resolve parar de levantar um muro, dali a seis meses você volta, coloca mais tijolos e o muro está feito. Na fazenda não: ou você planta agora, porque vai começar a safra, ou só no ano seguinte. Na hora que você acha que está tudo resolvido, a bateria do trator arriou, o boi fugiu, acabou a luz etc. É muito menos controlável. Não tem tédio! Mas isso é o que motiva!
AGÊNCIA DC NEWS –Na engenharia ou na fazenda, que história o senhor se lembra de um desafio importante que atravessou? CARLOS MONTEIRO – Todo dia tem um desafio. Na vida, tem três segredos, tá? São três P’s: persistência, paciência e porção de amigos. Tem um cara interessantíssimo que se chama Napoleon Hill. Ele entrevistou milhares de pessoas, personalidades no mundo político e empresarial, e foi vendo o que eles tinham feito, o que tinha dado certo ou errado, e resumiu tudo isso em 16 leis do triunfo. E ele fala um negócio interessante: ‘Você tem que andar um quilômetro e meio a mais’. Um exemplo: no dia 12 de agosto, o Gilberto Kassab fez aniversário e eu mandei uma mensagem. Ele respondeu ontem [18 de agosto]. Ele deve ter recebido 4.325 mensagens — e respondeu. É um cara que anda um quilômetro e meio a mais.
AGÊNCIA DC NEWS –E como se deu a entrada do senhor na Associação Comercial? CARLOS MONTEIRO – A minha história aqui na Associação é muito interessante. Em 1975, eu trabalhava numa construtora que se chamava Perimetral, onde eu tinha começado como estagiário. E o dono da Perimetral foi candidato a presidente aqui na Associação Comercial. Ele vinha para cá com seu terno azul marinho, gravata, e eu, mais jovem, me deslumbrava com aquilo. Ele perdeu a eleição para o Paulo Maluf, na época, mas, a partir daí, eu comecei a frequentar a Associação como ouvinte. Depois, fui me aproximando, entrei para o Conselho Consultivo, depois para o Conselho Deliberativo… Há 30 anos, eu sou vice-presidente. Sou o vice-presidente mais antigo aqui da entidade, embora não seja o mais velho. E tenho uma participação muito ativa, cuido da parte institucional da entidade.
AGÊNCIA DC NEWS – Quais são as atribuições do senhor hoje na Associação? CARLOS MONTEIRO – No institucional, cuido da área política e militar. Eu sou também presidente da FUNCEB, a Fundação Cultural do Exército Brasileiro, que é composta por civis e militares. Nós cuidamos do patrimônio do Exército, como os fortes e fortalezas. Ao longo da história, foram construídos mais de 1.200 fortes: o primeiro foi em Bertioga e o último é o Forte dos Andradas, aqui no Guarujá. E se o Brasil tem essa dimensão continental de 8 milhões e meio de quilômetros quadrados, deve-se muito a esses fortes, que cuidaram da nossa defesa. Desse universo, talvez tenham sobrado umas 300 fortificações e a fundação cuida do restauro através de recursos da Lei Rouanet ou de doadores. Nós temos também uma orquestra sinfônica maravilhosa, que fez 40 apresentações no ano passado.
AGÊNCIA DC NEWS – Como convergem as duas entidades? CARLOS MONTEIRO – Por uma deferência da ACSP, a Funceb tem um espaço aqui no prédio [da ACSP]. Eu trago os comandantes militares e organizo visitas. Há uns 10 ou 15 dias, o Ministro da Aeronáutica esteve aqui – vamos ter um novo museu aeroespacial em São Paulo, no Campo de Marte. Então, nós [vice-presidentes] fomos até lá, nos receberam com um almoço. Estivemos também em Itaguaí, no sul de Jacarepaguá [Rio de Janeiro], onde estão sendo construídos submarinos, e em Aramar [Centro Industrial Nuclear Aramar ou CINA, na região de Sorocaba, São Paulo], onde tem o submarino de propulsão nuclear da Marinha. Temos planos de ir a Gavião Peixoto [região de Araraquara, em São Paulo], onde estão sendo montados os nossos caças [complexo da Embraer]. Há uma integração. Porque é um bem comum, né? Estamos pensando no país.
AGÊNCIA DC NEWS – E o senhor, nessa posição de ser o vice-presidente mais antigo da ACSP, como avalia a importância estratégica da entidade para São Paulo e para o Brasil? CARLOS MONTEIRO – Aqui é uma escola de civismo. Você sabe como é que as associações comerciais começaram?
AGÊNCIA DC NEWS – Não… CARLOS MONTEIRO – Então, é o seguinte: em 1808, D. João VI, quando chegou ao Brasil, veio fugindo da invasão de Napoleão, numa viagem de meses através do Atlântico, e vieram 10 mil portugueses entre a corte. Você imagina o que foi isso. O primeiro ato que ele assinou, chegando na Bahia, foi a liberação dos portos brasileiros para as nações amigas – era o acordo que ele tinha com a Inglaterra pela escolta na viagem. Então, começou a haver um grande movimento de mercadorias que saíam e chegavam no porto, primeiramente em Salvador. Daí vem um modelo da cidade do Porto, em Portugal, que era uma associação que organizava esse comércio. Então, criou-se a primeira associação comercial do Brasil, em Salvador. E, a partir daí, vem Recife, Santos… Hoje, no Brasil, são cerca de 2.400. A Associação Comercial de São Paulo foi criada pelo [Coronel Antônio] Proost Rodovalho, um grande empreendedor da época, que foi o dono da Melhoramentos, indústria de papel etc. A Associação Comercial está nesse local [à rua Boa Vista, no Centro de São Paulo] há 130 anos.
AGÊNCIA DC NEWS – E suas premissas ainda permanecem, mesmo depois de todo esse tempo e mudança no mundo? CARLOS MONTEIRO – Essas associações comerciais têm alguns pilares: direito de propriedade, livre iniciativa, não tem partidos políticos, não tem nenhum recurso governamental. E isso não muda. A Associação Comercial vive dos seus serviços, o que lhe dá independência. Nesta casa, surgiram muitas lideranças: Paulo Maluf, Guilherme Afif, Gilberto Kassab, o [Luiz Flávio] D’urso… Recebemos também personalidades importantes — o [Gabriel] Galípolo, presidente do Banco Central, esteve aqui há 15 dias; o Michel Temer também. Isso só esse ano.
AGÊNCIA DC NEWS – Há espaço para todas as vozes? CARLOS MONTEIRO – Claro. É uma entidade muito heterogênea. Tem grandes empresários, microempresários, associações do interior do estado — comerciais, industriais e até agrícolas. São mais de 400 associações no interior e 15 distritais aqui na capital. Isso dá uma capilaridade muito grande. Qualquer tema que você venha a discutir é muito rico porque tem diferentes segmentos, visões, opiniões, e isso ajuda muito a formar um conceito.
“São Paulo é incrível. Mesmo em um momento ruim na economia, todos seguem trabalhando, fazendo acontecer” (Andre Lessa/Agência DC News)
AGÊNCIA DC NEWS – Nesses anos todos, o senhor poderia destacar uma conquista importante da Associação Comercial? CARLOS MONTEIRO – São inúmeras, né? Eu destacaria nossa representação política… O Guilherme Afif já foi candidato a presidente, hoje é um dos braços do [governador] Tarcísio. O Kassab tem um partido político, o PSD. O Paulo Maluf foi governador e prefeito de São Paulo. Então, eu acho que a atuação política da entidade é um grande legado. A entidade sempre se posicionou, defendendo a livre iniciativa, o pequeno empreendedor. Nós temos aqui uma referência, o Impostômetro; e agora o Gasto Brasil. É uma visualização para as pessoas do que o governo arrecada e do quanto ele gasta.
AGÊNCIA DC NEWS –A participação do senhor em diversas entidades, como ACSP, Fiesp e Funceb, dá uma mostra de que o senhor vê um valor importante nas associações, sim? CARLOS MONTEIRO – Eu não sou remunerado. É evidente que amplio o meu relacionamento. Eu me atualizo não por jornais ou revistas, mas com o presidente do Banco Central, que esteve aqui; com o Ministro da Defesa, Múcio Monteiro, que esteve outro dia na Fiesp, onde sou membro do Conselho Político… Precisa gostar e dosar o tempo porque eu tenho minhas atividades da fazenda e da minha empresa. Mas tem um princípio que é o seguinte: se você quiser que alguma coisa seja feita, dê para alguém ocupado; o desocupado nunca tem tempo. Isso me rejuvenesce.
AGÊNCIA DC NEWS – Com décadas olhando a cidade de São Paulo florescer, o que vê hoje? CARLOS MONTEIRO – São Paulo é um lugar extraordinário. Há cerca de três anos, demos um prêmio para um francês chamado Alex Allard, que trouxe um volume enorme de recursos e montou a Cidade Matarazzo. Lá tem a capela de Santa Luzia, que foi restaurada, um complexo de restaurantes, hotel… E esse francês, que chegou ao Brasil sem falar uma palavra de português, ama São Paulo. Ele diz o seguinte: ‘Vocês não sabem o que vocês têm. São Paulo é uma cidade 24 horas. Isso é extraordinário’. Poucas cidades no mundo são 24 horas como São Paulo. Às vezes, eu saio às cinco da manhã para viajar, a 23 de maio já está lotada. É incrível. Mesmo num momento de economia difícil, como agora, está todo mundo trabalhando, fazendo. Uma cidade que tem a força do imigrante.
AGÊNCIA DC NEWS –E o que precisa ser feito para melhorar? CARLOS MONTEIRO – Eu acho que nós precisaríamos ter uma cidade um pouco mais humana. A Associação Comercial, por meio do presidente [Roberto Mateus] Ordine, e o governo do estado, através do governador Tarcísio [de Freitas], estão tentando recuperar o Centro, cultural e comercialmente. Trazer moradia para o Centro, trazer vida. São Paulo é uma cidade muito pulsante.