SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Netflix confirmou, nesta sexta-feira (5), a compra dos estúdios de TV e cinema e a divisão de streaming da Warner Bros Discovery por US$ 82,7 bilhões (R$ 437,86 bilhões).
O acordo põe um dos ativos mais antigos e valiosos de Hollywood nas mãos da pioneira do streaming, após uma revolução no setor de mídia. Depois de uma série de fusões nos últimos anos, o conglomerado da Warner inclui, além da Discovery, os negócios da HBO, como a plataforma HBO Max.
A transação consolida o domínio da Netflix sobre a indústria cinematográfica americana, ao adicionar ao portfólio da empresa as franquias Harry Potter e Batman, da Warner, e a programação premium da HBO, com títulos como Friends e Game of Thrones. Segundo anúncio aos acionistas, o negócio visa incluir títulos como esses no catálogo da Netflix.
Em entrevista coletiva, a Netflix sinalizou que manterá a HBO Max como um serviço separado “no curto prazo”. Procurada, a HBO não comentou qual será o destino de sua plataforma de streaming.
A Netflix já lidera o mercado, com mais de 300 milhões de assinantes no mundo. A HBO Max é o quarto serviço mais assinado, com cerca de 128 milhões de pagantes, de acordo com a plataforma Flix Patrol.
O acordo é também um marco na substituição do cinema pela televisão, sobretudo via streaming, no consumo da produção audiovisual, afirma o professor de cinema da USP Carlos Augusto Calil.
O negócio inclui estúdios e uma parte do aparato de distribuição e exibição de filmes que hoje garante prioridade às salas de cinema em relação à TV. Por isso, tem o potencial de revirar o atual tabuleiro da produção cinematográfica, diz Calil.
Segundo o professor, os grandes estúdios de Hollywood e alguns governos, como o francês, são o grande obstáculo para a Netflix lançar produções no cinema e no streaming ao mesmo tempo. “Como a empresa tem bala na agulha, resolveu o problema via negócios, comprando a Warner.”
Os efeitos devem ser limitados no Brasil, uma vez que a atuação da Warner no país minguou há cerca de dez anos. Aqui, o mercado de produção cinematográfica fica concentrado nas mãos da Globo Filmes.
“Essa tendência de concentração é antiga em Hollywood, remonta aos anos 40”, diz Calil. Foi assim que Warner, Disney, Universal, Paramount e Sony Pictures (antiga Columbia Pictures) se consolidaram.
Uma disputa lance a lance com a Paramount Skydance precedeu a compra da Warner. A Netflix assumiu a liderança com uma oferta de quase US$ 27,75 por ação que dissuadiu a concorrente, cuja maior oferta foi US$ 24 por papel, incluindo também os produtos de TV a cabo da Warner.
A Paramount Skydance é controlada por David Ellison, filho do dono da Oracle Larry Ellison, o atual segundo homem mais rico do mundo e um notório apoiador de Donald Trump na Califórnia. Larry também é um dos acionistas de referência da companhia.
Os estúdios da Warner em Hollywood também resolvem um problema político da Netflix: o presidente americano Donald Trump tem ameaçado impor tarifas de 100% sobre produções cinematográficas feitas fora dos EUA. Ele tenta conter um êxodo das grandes produções com destino a Reino Unido, Canadá e outros países que oferecem condições favoráveis.
A transação foi aprovada por unanimidade pelos conselhos da Netflix e da Warner, mas precisa do aval dos acionistas da companhia comprada e dos órgãos de concorrência. O negócio deve ser concluído em 12 a 18 meses.
Caso a transação seja aprovada, será a maior aquisição da história da pioneira do streaming. Os acionistas da Warner receberão US$ 23,25 em dinheiro mais o equivalente a US$ 4,50 em ações da Netflix por ação do conglomerado de Hollywood. A transação soma US$ 72 bilhões e chega a US$ 82,7 bilhões quando se inclui as dívidas da Warner.
Os reguladores nos EUA e na Europa, onde ambas as empresas têm operações relevantes, vão avaliar se a tomada da Warner pela Netflix representa riscos para o mercado.
Contra a fusão pesa o aumento no poder de negociação da pioneira do streaming sobre proprietários de cinemas e sindicatos da indústria do entretenimento.
De acordo com o Financial Times, a Netflix está confiante de que quaisquer obstáculos regulatórios podem ser superados, por causa da forte competição imposta por outras plataformas de streaming e o YouTube.
Outro requisito para a conclusão do acordo é o desmembramento do braço de TV a cabo da Warner, Global Networks, que inclui os canais CNN e TNT Sports nos Estados Unidos. A separação tem conclusão prevista para o terceiro trimestre de 2026, segundo a Netflix.
O contrato de compra inclui multas para Warner e Netflix, se o negócio não for concluído. Os valores são, respectivamente, de US$ 2,8 bilhões e US$ 5,8 bilhões.
De acordo com o Itaú BBA, há riscos de que a Paramount Skydance tente bloquear os trâmites. O negócio ainda fará a dívida da Netflix sair de algo próximo a zero para um valor mais do que duas vezes maior do que o lucro da empresa, antes de juros, impostos, depreciação e amortização.
Depois do anúncio do acordo, as ações da pioneira do streaming encerraram o pregão com queda diária superior a 2%.
As empresas de tecnologia têm aumentado sua presença em Hollywood aos poucos. Netflix e Amazon iniciaram produções originais em 2011.
Em 2018, a Netflix fez a sua primeira compra de estúdio de cinema, mas escolheu o estado de Novo México como sede. Foi uma oferta de US$ 30 milhões pela ABQ Studios.
Em 2022, a Amazon concluiu, por US$ 8,5 bilhões, a compra da Metro-Goldwyn-Mayer, MGM, berço das franquias de James Bond e Rocky.
Para Calil, da USP, o acordo anunciado pela Netflix é de um grau maior de relevância. “A MGM já tinha deixado de ser relevante na produção, o que importou nesse negócio foi o catálogo, a compra da propriedade intelectual.”
“Hoje é um marco da decadência do cinema como negócio. Não vai acabar o cinema, mas muda a tendência dos grandes investimentos”, diz o professor.
RAIO-X | NETFLIX
Lucro líquido no 3º trimestre: US$ 2,55 bilhões
Principais franquias: Stranger Things, Bridgerton, Round 6, Wandinha, The Witcher, La Casa de Papel, Black Mirror, Elite e Emily in Paris
Principais concorrentes: Prime Video (Amazon), Disney+, HBO Max e Apple TV+
RAIO-X | WARNER
Prejuízo no 3º trimestre: US$ 148 milhões
Principais franquias: Harry Potter, Batman, Superman, O Senhor dos Anéis, Matrix, It, Sherlock Homes, Game of Thrones, Sex and the City e Euphoria
Marcas: HBO Max, HBO, Discovery, Warner Bros Pictures, CNN, TNT, DC, Cartoon Network, Boomerang e Space, entre outras
Principais concorrentes: Disney, Universal, Paramount, Sony e Netflix