[AGÊNCIA DC NEWS]. O setor de panificação brasileiro deve faturar R$ 160 bilhões este ano, segundo estimativa da Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria (Abip). O resultado representa aumento nominal (sem descontar a inflação) de 6% – abaixo dos 10,9% registrados em 2024, sobre um ano antes. O dado reforça o peso da economia no ramo das padarias, mas põe luz aos desafios que o empresário desse setor enfrenta. Levantamento da consultoria Equus mostra que 26,6% do comércio varejista de laticínios e frios (que inclui padarias e empórios especializados) foi fechado entre dezembro de 2022 e 2024: o equivalente a 7,7 mil estabelecimentos. “O pequeno varejista de bairro perdeu espaço para as redes com alcance de entrega e para as vendas online”, afirmou Felipe Vasconcellos, cofundador e sócio da Equus. Segundo ele, o cenário se agravou com a performance da Selic. “As taxas [de juros] foram aumentando e, à medida em que subiram, enforcaram o caixa das empresas.”
Para Vasconcellos, a Selic a 15% este ano deve agravar o cenário, exigindo mais atenção aos produtos e serviços vendidos como antídoto à pressão sobre as margens. Mas isso não é tão simples quando avaliado o perfil da empresa que não sobreviveu. Segundo a Equus, das 7.754 empresas que fecharam as portas, 7.605 eram microempresas, o que representa 98,05% do total de encerramentos. Sobre o tempo de maturação do negócio, 19,4% interromperam a operação com menos de 24 meses, um número elevado e que, segundo a consultoria, é resultado do aumento da informalidade, pressão do grande varejo que tem chegado a regiões mais afastadas e dificuldades operacionais e de gestão do microempresário. Além das padarias que atuam na venda de laticínios, os dados da Equus contabilizam também empórios e mercados de bairro que têm panificação e venda de laticínios próprios. Para a pesquisa, eles usaram como referência as empresas com Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) 4721-1/03, somando 29,9 mil estabelecimentos desse tipo.
O número de lojas, no entanto, é bem inferior ao contabilizado pela Abip, que reportava 106,9 mil padarias e empórios em 2024, frente a 90,2 mil no ano anterior – não há ainda previsão da entidade para 2025. Para chegar a esse número, a associação usa como base os seguintes CNAEs: 1091-1/02 (Fabricação de produtos de padaria e confeitaria com predominância de produção própria); 1091-1/01 (Fabricação de produtos de panificação Industrial); 4721-1/02 (Padaria e confeitaria com predominância de revenda); e 4637-1/04 (Comércio atacadista de pães, bolos, biscoitos e similares). A Abip estima que 47,5 milhões de pessoas frequentem padarias diariamente (22,1% da população).
Segundo o Instituto Food Service Brasil (IFB), ainda que os dados da Equus tratem apenas do varejo de laticínio, eles refletem um “contexto multifatorial que impacta especialmente pequenos operadores do setor, como padarias e mercados de bairro”. Em nota, a entidade afirmou que a alimentação fora do lar, o que inclui as padarias, vem enfrentando pressões inflacionárias constantes e que as categorias de laticínios e frios são especialmente sensíveis, já que o custo de produção e logística é altamente afetado por variações cambiais, aumento de insumos e energia elétrica. “Esse cenário pressiona as margens, principalmente de operadores menores com baixa capacidade de negociação.” A falta de acesso a ferramentas de gestão de compras e estoque também limita a capacidade de superar os desafios econômicos.
Outro ponto sensível, segundo o IFB, é o aumento da informalidade, em especial de operadores autônomos, que muitas vezes oferecem produtos similares com estruturas de custo mais enxutas. Essa realidade, somada ao crescimento das plataformas digitais de venda direta e marketplaces, impactou fortemente pequenos varejistas tradicionais, “sobretudo aqueles que dependem da venda de itens com baixa diferenciação e mais perecíveis”, como pão e frios artesanais.
Apesar dos desafios, o IFB acredita que há caminhos para o reequilíbrio do mercado. Iniciativas de digitalização, parcerias com fornecedores para gestão inteligente de sortimento e adoção de práticas sustentáveis e de valor agregado podem reverter a tendência de retração. Além disso, a entidade diz haver necessidade de políticas públicas voltadas à redução da informalidade, o acesso ao crédito e o apoio técnico a pequenos operadores. “Isso é fundamental para garantir a sobrevivência e transformação desses negócios.” Segundo a pesquisa da Equus, há em curso um movimento de consolidação do setor, com grandes empresas aumentando o nível de inserção em mercados mais afastados, o que abre oportunidade para fusões e aquisições no setor.
FORNECEDORES ATENTOS – Enquanto as padarias buscam a receita certa do sucesso, fornecedores também acompanham de perto os movimentos de consumidores e empresários. É o caso da Bunge, multinacional que processa 2 milhões de toneladas de trigo ao ano, com 34% de participação nas panificadoras e 16% nas padarias brasileiras. Segundo Fernanda Louvise, gerente-sênior de e-commerce e vendas internas da empresa, “o foco é apoiar os clientes com um portfólio completo de insumos de alta qualidade”. Segundo ela, a companhia mantém um centro de formação que capacita 200 padeiros por mês e aposta na digitalização como caminho para atender consumidores que buscam mais praticidade. A Abip recomenda a adoção de automação e canais digitais, como vendas por WhatsApp, selfatendimento e pesagem automática, para otimizar o atendimento e ampliar vendas.
A Lesaffre, multinacional francesa de fermentos que atua em 180 países e mantém fábrica em Valinhos (SP), também tem olhado com atenção o setor de padarias. Segundo Amanda Toledo Paschoalini, gerente de marketing e comunicação corporativa, “a demanda do consumidor está mudando”. Para ela, o mix diversificado é crucial para competir: massas de grãos, produtos sem glúten e zero lactose estão entre as tendências. E a empresa tem tentado se aproximar dos empresários do ramo de padarias para apresentar tais mudanças e demandas dos clientes.
Também de olho no que espera o consumidor, a BRF S.A., presente em 90% dos lares e com faturamento de R$ 61,4 bilhões em 2024, investe R$ 10 milhões anuais em pesquisas sobre o comportamento do consumidor. Foi em uma dessas incursões que encontrou a demanda por produtos embutidos com menor teor de sódio e gordura. Para atender essa parcela dos consumidores, eles lançaram o presunto Mignoneto, feito de filé-mignon suíno, com menos sódio, calorias e gordura. Segundo Marcelo Suárez, diretor de vendas digitais da empresa, “a padaria ainda é um lugar em que se constrói o hábito e a emoção”. E se por um lado é preciso ser mais assertivo na gestão de estoque, caixa e insumos, de outro, é preciso olhar o que o cliente espera do espaço. De acordo com ele, uma tendência que tem visto no setor é a de criação de ambientes acolhedores, com ambiente para o consumidor se sentar e tomar um café, carregar o notebook ou o celular – em especial com o aumento do trabalho híbrido. “A padaria muitas vezes pode se transformar em uma sala de reunião”. E o empresário, de todos os portes, precisa estar atento a isso.