SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Apesar da narrativa de que o gasto público cresce por força da chamada pauta-bomba o aumento das despesas da União feito pelo Legislativo à revelia do Executivo, economistas que acompanham as contas públicas identificam que o avanço da despesa pode até receber eventual ajuda do Congresso, mas segue puxado pelo governo.
O sócio e diretor da gestora de recursos Rio Bravo Investimentos, Evandro Buccini, sintetiza essa percepção fazendo uma comparação. Volta no tempo e lembra que o uso do termo pauta-bomba se popularizou durante o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff por causa da agressiva atuação do Legislativo.
Para recordar: em valores de 2015, o Congresso aprovou um adicional de R$ 22 bilhões em despesas, que praticamente limavam o corte de gastos proposto pelo governo para 2016, na época de R$ 26 bilhões. Dilma teve de vetar medidas como o reajuste de até 78,5% a servidores do Judiciário.
Buccini afirma não ver nada similar no atual mandado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A oposição mais ostensiva do Congresso, exemplifica ele, mirou o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Nesse caso, argumenta, chega a ser compreensível que ocorra uma reação ao aumento de tributos durante uma gestão que insiste em cobrar mais impostos
“Não tem isso de que o governo é vítima de pauta-bomba, só se for bomba suicida desde o começo, ainda na transição, o governo é o seu maior inimigo quando se trata de gastar”, diz Buccini.
Os especialistas afirmam que a tendência está nos números. Olhando para trás, a maior parte do aumento de gasto recente deriva essencialmente de decisões do governo federal, afirma o economista Alexandre Schwartsman, consultor da Pinotti & Schwartsman.
Comparando o valor ao final de 2022 e o montante nos 12 meses encerrados em maio de 2025, já corrigida a inflação, houve uma expansão de R$ 210 bilhões no gasto. Mais de 90% desse valor, explica Schwartsman, veio de quatro rubricas. Cerca de R$ 75 bilhões são despesas com INSS, R$ 70 bilhões, com Bolsa Família, outros R$ 30 bilhões, com BPC (Benefício de Prestação Continuada), e também por volta de R$ 30 bilhões, com abono salarial.
“O novo Bolsa Família é uma decisão direta do governo federal. Por sua vez, INSS, BPC e abono sofrem pressão demográfica, mas o aumento decorre principalmente da decisão do governo de elevar o salário mínimo parece muito claro que o gasto vem de ações do governo”, afirma o economista.
Schwartsman lembra que muito se fala sobre o peso das emendas parlamentares, mas pondera que são questões diferentes.
“O gasto do governo é um animal de R$ 2,3 trilhões por ano, e as emendas são da ordem de R$ 50 bilhões a disparidade de magnitude é muito grande. Ou seja, as emendas são uma vergonha, precisam ser revistas, mas são um problema de outra natureza.”
O economista-sênior da LCA e colunista da Folha de S.Paulo, Bráulio Borges, recomenda o meio-termo nessa discussão. De um lado, avalia que o Congresso prejudica, sim, o equilíbrio das contas públicas, se não elevando gastos, comprometendo receitas.
“O Congresso não indicou até hoje compensação para desoneração da folha, cerca de R$ 20 bilhões. Insistiu no Perse [Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos], que no ano passado custou R$ 18 bilhões em renúncia de receita. À revelia da equipe econômica e do Ministério do Planejamento, veio com o Propag [Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados], que pode reduzir a zero o juro real da dívida dos estados com a União”, afirma Borges.
“O Propag não tem impacto sobre receita primária, mas impacta a receita financeira do governo federal e, portanto, a dinâmica da dívida líquida do setor público. Vai piorar.”
Tem também um terceiro elemento na discussão que anda meio esquecido, diz o economista: a herança do governo anterior. A política do salário mínimo pode afetar BPC e Bolsa Família atualmente, mas o grande impacto ocorreu no governo anterior.
A trajetória do BCP, lembra ele, mudou em 2022 com a explosão do número de beneficiários. A despesa seria cerca de R$ 30 bilhões a menos sem aquele salto.
“No caso do Bolsa Família, vamos lembrar que, em 2022, quando era Auxílio Brasil, subiu para R$ 600 reais”, diz ele, lembrando que todos os candidatos na eleição presidencial, Simone Tebet, Ciro Gomes, Bolsonaro e Lula, disseram que iam manter o valor porque não tinham como falar em redução.
“Hoje, o custo anual do Bolsa Família fica entre R$ 150 bilhões e R$ 160 bilhões, mas antes era um terço disso. O governo atual adicionou alguns benefícios, e elevou de R$ 600 para R$ 720. A responsabilidade é compartilhada.”
No entanto, Borges concorda que também que não dá para isentar de responsabilidades o atual governo. “Não podemos atribuir ao Executivo e à ala política uma postura associada à responsabilidade fiscal, e muito gasto está ficando fora do Orçamento”, diz Borges.
Olhando para a frente, há quem veja um cenário de pressão fiscal justamente nesse item. O economista-chefe da ARX Investimentos, Gabriel Leal de Barros, tem publicado análises sobre como a expansão da política parafiscal e de crédito comprometem a eficácia da política monetária do BC (Banco Central) mantêm a economia aquecida, alimentando a inflação, enquanto os juros altos tentam fazer o trabalho oposto.
Na última quarta-feira, 30 de julho, o Copom (Comitê de Política Monetária) do BC interrompeu o ciclo de alta da Selic, a taxa básica de juros, mantendo-a a 15% ao ano maior patamar em 19 anos. No entanto, as projeções de Barros mostram que o montante de estímulos à economia somam R$ 238 bilhões neste ano, o equivalente a 2% do PIB, e R$ 376 bilhões no ano que vem, 2,9% do PIB.
Barros estima que esse volume de recursos na economia tende a comprometer a queda da inflação. Para o final de 2027, por exemplo, enquanto o cenário básico do BC estima inflação a 3%, Barros projeta 3,8%, incluindo os estímulos.
O pacote desses estímulos considerado pelo economista inclui as medidas que estão fora do controle do arcabouço fiscal, o mecanismo instituído para limitar o crescimento da despesa. Entre elas estão o uso de recursos de fundos, investimentos de estatais, especialmente Petrobras, o avanço do crédito, seja pelo consignado privado para o trabalhador ou via banco público, como BNDES. Inclui ainda o efeito futuro do Propag.
Para Barros, governo e Congresso estão muito mais em sintonia do que em contraposição quando se trata do uso do dinheiro público. “Vejo Executivo e Legislativo de mãos dados quando o assunto é ampliar despesa e promover expansão fiscal”, afirma.
Barros cita dois exemplos recentes dessa associação: a isenção do IRPF (Imposto sobre a Renda da Pessoa Física) e a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 66.
A medida do governo que amplia a isenção do Imposto de Renda, a partir de 2026, para quem ganha até R$ 5.000 mensais já tinha forte impacto. Na tramitação, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados criada para tratar do tema, sob a relatoria do deputado Arthur Lira (PP-AL), fez várias mudanças. Entre elas, aumentar a faixa de renda que terá redução parcial do imposto, de R$ 7.000 para R$ 7.350.
A PEC 66/2023 basicamente exclui precatórios do teto de gastos a partir de 2026 e estabelece limites para o seu pagamento. Traz também novas regras para o parcelamento de dívidas previdenciárias de estados, municípios e do Distrito Federal em até 25 anos. Em coluna à Folha de S.Paulo, o economista Marcos Mendes qualificou a PEC 66 como um “pacotão de leniência”.