Pela 1ª vez desde abertura de empresas, setor privado em Cuba vende mais que Estado

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BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – O setor privado em Cuba superou o estatal em valor de vendas no varejo pela primeira vez desde a abertura de novos negócios particulares, representando 55% do total comercializado em 2024.

Os dados do Onei (Escritório Nacional de Estatísticas) mostram um crescimento em comparação ao ano anterior. Em 2023, o comércio não estatal representou 48% das vendas varejistas, enquanto o estatal foi equivalente a 52%.

Os números consideram tanto as vendas de mercadorias cubanas quanto as importadas, os serviços e outras atividades para o consumidor final. Nesse cálculo não são consideradas atividades informais, sem regulação do governo, e o detalhamento, com a divisão entre vendas estatais e privadas, é publicado apenas anualmente.

Esse aumento indica uma evolução no papel da iniciativa privada na economia da ilha, desde que o governo cubano começou a flexibilizar suas políticas internas para a abertura de negócios privados.

As pequenas e médias empresas passaram a ser autorizadas em 2021, ocupando espaço que antes era dominado por lojas estatais, que estão cada vez mais vazias. O governo optou pela medida após a grave crise econômica causada pela pandemia e por novas sanções de Washington. É a partir desse ano que o órgão passa a disponibilizar o balanço de vendas varejistas do Estado e privadas.

Mais de 11 mil micro, pequenas e médias empresas privadas foram autorizadas na ilha desde a legalização, segundo informou em 2024 o Ministério da Economia e Planejamento —4.548 foram criadas por reconversão, ou seja, passaram de estatais para privadas, e as 6.498 restantes são empresas criadas do zero.

Em um artigo, o professor da Universidade Columbia, nos EUA, Ricardo Torres Pérez lembra que o tamanho do setor privado não se limita à atividade autorizada pelo governo, por diferentes razões, incluindo as limitações das regras atuais.

“Há um setor privado considerável envolvido em atividades informais associadas à atividade privada autorizada pelo governo. Parte dela se dedica à comercialização de produtos escassos.”

A economia estatal tem enfrentado sérias dificuldades, contraindo 11% nos últimos cinco anos, resultando em frequentes apagões, escassez de produtos e inflação alta.

Em setembro do ano passado, a Folha de S.Paulo visitou a capital Havana. Os moradores relataram que já não era fácil fazer três refeições completas por dia. As “livretas de racionamento”, caderneta para adquirir produtos com preço subsidiado, também estavam em falta. Segundo as próprias autoridades, cerca de 30% da população que deveria acessar as “bodegas” estavam sem o benefício na época.

O conselheiro e vice-chefe da Embaixada de Cuba no Brasil, Melne Hernández, e o cônsul do país em São Paulo, Benigno Fernández, afirmaram que o país é muito prejudicado por ter sido recolocado na lista dos Estados Unidos de patrocinadores do terrorismo.

Enquanto o Estado ainda controla muitos pontos de venda que oferecem uma seleção limitada de produtos, os mercados informais floresceram, com oferta de itens que muitas vezes estão em falta.

“Há muitas coisas que não podem ser encontradas no setor estatal”, disse Diamela Garcia, vendedora de roupas em uma feira à Reuters, em Havana. “Muitas pessoas vêm procurar essas coisas aqui.”

Os consumidores, ao mesmo tempo, se queixam dos altos preços cobrados nesses estabelecimentos, o que também limita o acesso a bens de consumo.

“Aqui você encontra de tudo, embora os preços sejam altos”, disse à agência María Karla Hernández, uma fisioterapeuta de 27 anos.

O economista Omar Everleny pondera que os dados divulgados pelo governo refletem o valor das vendas, não o volume geral. “Os preços são frequentemente subsidiados no setor estatal e muito mais altos no setor privado”, diz.

“O Estado tem pouco dinheiro para importar produtos, então as pessoas têm de recorrer ao setor privado, que é mais flexível”, acrescenta.

Consultado por e-mail sobre a divulgação de dados com o volume de vendas, o Onei não respondeu.

Historicamente, o setor privado foi visto de forma negativa sob Fidel Castro, mas seu irmão Raúl adotou uma postura mais tolerante. O atual presidente, Miguel Díaz-Canel, mantém uma visão similar, enfatizando a necessidade de as empresas estatais se tornarem mais eficientes, ao mesmo tempo que há um debate interno sobre a liberalização dos negócios privados.

O ministro da Economia, Joaquín Alonso, disse em um sessão na Assembleia Nacional que as importações de empresas privadas aumentaram significativamente, e destacou que o governo deseja orientar o setor privado em vez de impedir que ele funcione.

Atualmente, cerca de 1,6 milhão de pessoas trabalham em empresas privadas, de um total de 4 milhões na força de trabalho cubana.

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