SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Postos de combustíveis em todo o Brasil fizeram um movimento agressivo de aumento de margens de lucro nos últimos anos, com impacto direto de bilhões de reais pagos pelos motoristas no abastecimento com gasolina e diesel. Algo semelhante ocorreu entre as distribuidoras de gás de cozinha acondicionado em botijões de 13 kg.
O reajuste nas margens entre o que os postos pagam às distribuidoras e o que cobram nas bombas ocorreu em um período de certa confusão e volatilidade no mercado, com dezenas de reajustes pela Petrobras (para cima e para baixo), aumento e redução de impostos e eventos como o início da Guerra da Ucrânia, em 2022.
Segundo dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) entre janeiro de 2021 e junho deste ano, a margem média em todo o país de revenda da gasolina comum nos postos saltou 97%, e a do diesel, 89%. No período, a inflação acumulada pelo IPCA foi de 31%. O aumento da margem sobre o gás de cozinha (58%) foi menor, mas quase o dobro da variação dos preços.
Se a margem média dos postos sobre o litro da gasolina tivesse sido corrigida apenas pela inflação do período, ela seria hoje de R$ 0,60 acima do preço da distribuidora, não de R$ 0,90. No caso do diesel, de R$ 0,56, não o atual R$ 0,81. No do gás, R$ 25, em vez de quase R$ 30.
A diferença em centavos nos combustíveis e de alguns reais no gás pode parecer pequena. Mas transforma-se em bilhões quando é multiplicada pelo total dos três produtos comercializados em 2024.
Cálculo do economista Eric Gil Dantas, do Ibeps (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais), mostra que só no estado de São Paulo as famílias desembolsaram R$ 2,8 bilhões a mais no ano passado com os três itens (gasolina, diesel e gás) em razão do aumento da margem -na comparação com o que pagariam se ela tivesse sido corrigida pela inflação.
Segundo o Sincopetro, que representa os varejistas de combustíveis no estado de São Paulo, parte do aumento da margem seria explicada por reajuste acima da inflação na remuneração dos funcionários de postos (de 41,7% entre 2021 e 2025, ante IPCA de 31%) e pelo aumento da taxa básica de juro no período (de 2% ao ano para 15%), pois uma parcela de caminhoneiros compra diesel a prazo.
Segundo o Procon-SP, entre janeiro de 2024 e julho deste ano foram lavradas 683 autuações em postos no estado relacionadas a divergências nos preços de combustíveis.
São Paulo consta, no entanto, entre os estados que tiveram menor aumento na margem. Isso ocorre pela forte competição entre postos de gasolina. Na capital, por exemplo, havia em junho um desvio padrão nos preços da gasolina comercializada nos postos de mais de R$ 0,70, o que indica grande concorrência.
Nas outras capitais, o indicador ficou abaixo de R$ 0,34, e na maioria foi menor do que R$ 0,14. No cenário nacional, chama a atenção Curitiba, com 1,8 milhão de habitantes, onde o desvio padrão é de apenas R$ 0,08. O Paraná foi o estado que registrou maior aumento de margem no preço da gasolina: 267%, ante inflação de 31%. Em Minas Gerais, ela subiu 141%; foram 92% no Rio de Janeiro e 62% em São Paulo.
A Panapetro, representante dos postos no Paraná, afirma que em 2021 o mercado no estado tinha uma das menores margens do país, com valores deprimidos de forma artificial por uma série de irregularidades como sonegação fiscal, adulterações e fraudes.
“Com o aumento da fiscalização, as irregularidades foram drasticamente reduzidas, o que trouxe as margens médias de mercado para patamares de preços mais próximos de uma realidade local economicamente viável”, sustenta a entidade. Mas o Paraná mantém hoje margem acima da média nacional.
“A cada corte nos preços dos combustíveis anunciado pela Petrobras, o governo Lula costuma manifestar críticas, alegando que as reduções não estão sendo repassadas aos consumidores finais pelos postos. Isso é verdade, e não é de hoje”, diz Dantas. “Ao que parece, os postos aproveitaram o caos nos preços para, paulatinamente, elevar suas margens.”
Em fevereiro, sem citar nenhum elo da cadeia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que a população vem sendo “assaltada” pelo setor de combustíveis. “Quando sai um anúncio do diesel, da gasolina, do gás, a Petrobras leva fama, o governo federal leva fama, e muitas vezes não tem culpa nenhuma”, disse Lula.
Em julho, Lula voltou ao tema, afirmando ser preciso fiscalizar para saber se os preços “estão sendo justos ou se tem alguém tentando enganar o consumidor brasileiro”. “Senão, seremos tratados como um bando de imbecis.”
Em nota, a ANP afirmou que não tem participação na formação dos preços dos combustíveis e do gás de cozinha, não fiscaliza, nem comenta variações de preços. “Os preços dos combustíveis e do GLP são livres no Brasil, por lei, desde 2002. São feitos pelo mercado, pelos agentes que nele atuam”, afirma a agência.
O movimento de elevação das margens nos postos em nível nacional segue firme em 2025. Do início do ano até junho, a da gasolina aumentou 13%, e a do diesel, 32% -ante um IPCA acumulado de 2,99%. No período, apenas a margem do gás de cozinha manteve-se estável.