Produção do morango une gerações em Atibaia e Jarinu, e ganha fôlego com 'morango do amor'

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Por trás do sucesso do morango do amor —doce recheado com brigadeiro branco e coberto por calda de açúcar— há muito mais do que uma tendência gastronômica ou oportunidade de lucro para confeiteiras.

Há histórias de famílias que cultivam a fruta há gerações, além de investimentos em pesquisa, tecnologia e inovação.

O Brasil produz 190 mil toneladas de morango por ano, segundo o último censo agropecuário do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Em 20 anos, a produção cresceu 92%, com aumento de 61% na área plantada, diz a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).

A produção em alta, no entanto, não tem acompanhado a demanda. Produtores de Atibaia e Jarinu, que concentram boa parte da lavoura paulista, falam em aumento de 40% na procura neste ano.

Os preços quadruplicaram. A caixa de morangos selecionados, vendida por R$ 20 em 2024, chega a custar entre R$ 70 e R$ 80.

Entre os motivos da disparada estão o frio, com geadas que castigaram a safra, e o morango do amor.

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A HISTÓRIA DA FAMÍLIA MAZIERO

Cidades como Atibaia —Capital Nacional do Morango— e Jarinu sustentam sua tradição na cultura do morango graças ao trabalho de famílias como a de Rafael Maziero. Ele herdou do pai e do avô além de terras, o conhecimento e a paixão pela cultura da fruta.

A história da família começa com a uva, trazida por italianos que se instalaram inicialmente em Jundiaí. Quando migraram para Atibaia, a ideia era seguir com a lavoura da fruta, mas a influência de imigrantes japoneses —responsáveis por introduzir o cultivo do morango na região— mudou os rumos.

Foi com um vizinho de poucas palavras que Duílio, avô de Rafael e pai de Osvaldo, aprendeu a técnica e iniciou a produção. Rafael cresceu entre os canteiros de morango e, com o tempo, assumiu a lavoura.

“O morango virou parte da nossa identidade. Meu avô começou com 9.000 plantas, e a cultura nunca mais saiu da nossa rotina”, diz.

A família, que já chegou a ter 2,5 milhões de pés em épocas nas quais a região era a maior produtora do país —o posto atual é do sul de Minas Gerais, tem hoje 55 mil.

Osvaldo lembra a insistência dos japoneses. “Como a uva dá entre dezembro e março, e nos outros meses do ano, ficávamos sem nada, ele falou: ‘Maziero, por que não planta morango?’, e assim começou.”

Neste ano, Atibaia e Jarinu devem colher 3.000 toneladas de morango dos 3 milhões de pés. Nas décadas de 1980 e 1990, porém, a produção envolvia entre 60 e 80 milhões de pés. Mesmo assim, a cidade mantém a tradicional Festa das Flores e Morango de Atibaia, em setembro, para celebrar a colheita.

FÊNIX: NOVA VARIEDADE UNE TECNOLOGIA E TRADIÇÃO NO CAMPO

A queda no cultivo do morango em Atibaia passou a ser preocupação e, em 2018, os produtores da região procuraram a Embrapa. “Rafael e Osvaldo me procuraram dizendo: ‘O morango vai acabar em Atibaia se a Embrapa não ajudar’, conta o pesquisador Luiz Eduardo Corrêa Antunes, da Embrapa.

Foi assim que, em 2023, a empresa lançou a variedade fênix, uma muda nacional desenvolvida ao longo de seis anos de pesquisa em parceria com agricultores locais. Hoje, produtores parceiros como Rafael ajudam a validar a variedade, que passou por testes de lavoura em 2024 e está sendo comercializada pela primeira vez em grande escala na safra deste ano.

A fênix representa um marco: é a primeira variedade lançada no Brasil com genética totalmente nacional, resistente, doce e adaptada ao clima.

A expectativa é diminuir a dependência de variedades vindas de Chile, Argentina e Espanha, com mudas desenvolvidas pela Universidade da Califórnia.

Inspirada nesse avanço, a Embrapa formalizou o “modelo Atibaia”. Trata-se de viveiros montados em setembro, no fim da safra, para produzir mudas entre março e abril, garantindo um novo ciclo anual.

FÊNIX E MORANGO DO AMOR AQUECEM O SETOR

Sebastião Silvério de Oliveira, 57, e Claudenice Maria da Silva, 55, comemoram o sucesso do morango do amor e apostam no futuro com o cultivo da fênix.

Tião tem 40 mil pés de morango em Jarinu e 120 mil em Atibaia, e vende sua produção na Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo) em Campinas (SP). “A demanda aumentou uns 40%. Subiu o preço também, carregou uns 40% a mais no valor.”

Nice, que já chegou a plantar 200 mil pés e hoje tem 40 mil, também celebra o morango do amor. “Esse morango do amor ajudou muito nós, que vivemos sofrendo na roça”, diz. Ela vende as caixas da fruta na beira da estrada por preços variam de R$ 50, na caixa comum, a R$ 60, para morangos selecionados.

Ela aprova a nova variedade. “Esse é o primeiro ano que estamos plantando. Estão falando muito bem, e ele tem se mostrado bem doce, com uma durabilidade maior que as outras”, diz Nice.

Na outra ponta da cadeia, a confeiteira Suellen Tofanin viu sua confeitaria explodir em vendas desde que lançou o “morango do amor”, há menos de um mês. O doce é vendido a R$ 18 (R$ 20 no sabor pistache). A média de produção diária varia de 200 a 300 unidades, e nunca sobra para o dia seguinte.

“Achava que era modinha, mas o pessoal provou e voltou. Tem cliente toda semana”, conta. Suellen começou vendendo bolos na pandemia de Covid. Hoje tem loja física, cinco funcionários e planos de expansão. “O morango veio para ficar.”

Com o aumento no preço da fruta, a confeiteira afirma que só consegue garantir o seu estoque porque busca morango diretamente no produtor. Ela conta que pagava R$ 50 por uma caixa de morangos selecionados, com quatro caixinhas menores, mas em uma semana, o preço subiu para R$ 70.

PRODUÇÃO NACIONAL E PROTAGONISMO MINEIRO

Apesar da fama paulista, o Sul de Minas Gerais lidera a produção nacional de morango com mais de 60% do volume. Segundo Deny Sanábio, coordenador técnico da Emater-MG (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais), são 3.722 hectares cultivados por mais de 11 mil agricultores familiares —90% do total— em cidades como Espírito Santo do Dourado, Bom Repouso, Senador Amaral, Pouso Alegre e Estiva.

A produção ultrapassa 100 mil toneladas. No país, Rio Grande do Sul, Paraná e Espírito Santo também se destacam no cultivo do morango, e o plantio vem ganhando força no norte de Minas e até Bahia, na região da Chapada Diamantina.

“Na Bahia, especialmente em Mucugê e Ibicoara, a produção de morango cresceu bastante nos últimos dez anos com a força da agricultura familiar”, diz Letícia Barony, assessora técnica da comissão nacional de fruticultura da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).

A produção de Atibaia e região representa hoje 7% de todo o cultivo de morango no Brasil.

ESPERANÇA E APOSTAS NO FUTURO

Juliano Rezende, coordenador da Rede de Morangos do Brasil e docente na UEL (Universidade Estadual de Londrina), trabalha no desenvolvimento de uma muda que seja adaptável ao clima brasileiro e possa ser plantada no Nordeste.

O objetivo é ampliar a janela de produção nacional e reduzir a vulnerabilidade da cultura a eventos externos, como a alta no preço dos fertilizantes com a guerra da Ucrânia, por exemplo.

A modernização do cultivo também avança. Hoje, além do tradicional plantio em solo, muitos produtores adotam o morango suspenso, com irrigação por gotejamento e uso de plástico preto para manter a umidade.

Rafael também está apostando nesta frente, mas sua maior aposta é no filho mais velho, de 20 anos, Vítor, que está cursando agronomia e mostra interesse pelos negócios da família. “A gente planta com carinho porque é o que o meu pai e o meu avô construíram”, afirma.

Osvaldo comemora a escolha do neto: “A gente está assim apostando muito que ele continue”, diz.

Tião resume o que se vive no campo. “Eu costumo dizer que o agricultor ele nunca perde a esperança, é o mais esperançoso que tem.”

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