SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O projeto de lei que institui uma Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos e fomenta a transformação mineral no Brasil cria renúncia fiscal para a União, mas não indica a fonte de compensação desse recurso. O texto está em discussão entre Câmara e governo federal, e a ideia de ambos é unificar propostas redigidas tanto no Executivo quanto no Legislativo.
O tamanho da renúncia ainda não foi calculado, segundo o autor do projeto, o deputado Zé Silva (Solidariedade-MG). A Folha de S.Paulo procurou o Ministério de Minas e Energia, mas não obteve resposta. Já a Fazenda disse que não se manifesta sobre projetos em tramitação.
De acordo com especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo, no entanto, as renúncias serão significativas. A maior parte deve vir da isenção de Imposto de Renda sobre os rendimentos pagos ou creditados a empresa domiciliada no exterior pela compra de patente ou licença de tecnologia empregada no processo de extração ou transformação mineral.
Hoje, como ainda não há transformação mineral de grande parte dessas substâncias, a maioria das empresas produtoras apenas concentra o elemento após a extração e o exporta para outros países, onde acontece o refino e o desenvolvimento do produto final.
Isso acontece, por exemplo, com a Sigma Lithium, maior produtora de lítio do país, que concentra a rocha que contém lítio em cerca de 7% e exporta para a China, que fabrica compostos químicos do elemento, essenciais para a fabricação de baterias de carros elétricos.
Com isso, é provável que as mineradoras brasileiras que queiram avançar nas etapas de processamento tenham que pagar royalties para as donas de patentes de processos de transformação mineral.
“Quem quiser implantar no Brasil uma refinaria de metais críticos vai ter que importar e vai ter que pagar royalties pela patente. Mas o projeto de lei diz que quem pagar não vai ter que recolher imposto de renda que geralmente incide sobre essas remessas, que é de 15% na fonte e de 25% quando o beneficiário for localizado em paraísos fiscais”, diz Paulo Honório de Castro Júnior, presidente do Instituto Mineiro de Direito Tributário (IMDT).
Esse tipo de pagamento, segundo quem acompanha o tema, é bastante comum no setor e geralmente é atrelado a receita ou ao lucro da mineradora.
Um problema, no entanto, é que a proposta não define de onde virá tais recursos para compensar a renúncia fiscal da União. A Lei de Responsabilidade Fiscal especifica que a concessão ou a ampliação de incentivo ou benefícios que decorram em renúncia de receita devem conter a estimativa do impacto orçamentário-financeiro e estarem acompanhadas de medidas de compensação.
“Esse projeto de lei não tem a fonte. E foi justamente isso que gerou problema ao benefício do Perse, porque à época não conseguiram achar de onde iria tirar o dinheiro”, diz Renata Ribeiro Kingston, sócia da área tributária do Mello Torres Advogados, em referência ao programa de incentivo ao setor de eventos.
Ainda assim, de acordo com José Ricardo Pisani, vice-presidente da CBRR (Comissão Brasileira de Recursos e Reservas), a isenção do impostos sobre os royalties seriam muito menores do que os tributos gerados de outras formas pela empresas de transformação mineral que se instalassem no país. “Os royalties não são o principal gerador de imposto, tem toda a economia de serviços locais e impostos sobre a venda do próprio produto”, afirma.
Questionado pela Folha de S.Paulo, o autor da proposta, o deputado Zé Silva, disse que será o governo o responsável por fazer os cálculos na regulamentação da lei. “A ideia da lei é ser genérica”, diz. Não há também no projeto um prazo de vigência aos benefícios.
A proposta também inclui projetos de pesquisa, lavra ou transformação de minerais críticos no escopo da Lei do Bem, principal incentivo fiscal de estímulo às atividades de pesquisa e desenvolvimento nas empresas brasileiras. Pela Lei do Bem, as empresas podem reduzir da base de cálculo da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) o valor correspondente à soma das despesas no período de apuração com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica. Em 2023, a lei gerou à União uma renúncia fiscal de quase R$ 10 bilhões.
De acordo com Kingston, a Lei do Bem não restringe os setores que podem aderir às isenções, o que já inclui atualmente as mineradoras no escopo da legislação. “O desenvolvimento de tecnologia como um todo já está na lei, o que o PL está fazendo é deixar mais claro que a mineração entra no escopo”, diz.
O projeto também insere o setor de minerais críticos e estratégicos no Reidi, como é chamado o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura. Esse regime garante às empresas participantes a suspensão da incidência de PIS (1,65%) e Cofins (7,6%) sobre as receitas decorrentes das aquisições de materiais relacionados a obras de infraestrutura. A partir de 2027, as empresas também terão suspensão no pagamento da CBS, e, a partir de 2029, do IBS, tributos criados na Reforma Tributária, que substituem, respectivamente, PIS/Cofins e IPI (CBS), bem como ICMS e ISSQN (IBS).
Segundo Paulo Honório de Castro Júnior, presidente do Instituto Mineiro de Direito Tributário (IMDT), esse último benefício não gera propriamente renúncia fiscal à União, uma vez que as mineradoras, mesmo se não estivessem no Reidi, teriam direito a créditos dos tributos atuais incidentes sobre a aquisição dos equipamentos. Ou seja, a União seria obrigada a ressarcir o crédito de qualquer forma, o que equivale, financeiramente, à desoneração do tributo. Mas, uma vez inserida no regime especial, as empresas não precisam pagar os impostos no momento da compra dos equipamentos, o que auxilia no fluxo de caixa.
PROJETO ENTRA EM FASE DECISIVA
De acordo com Zé Silva, ele, o relator da matéria, o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), e membros do Ministério de Minas e Energia terminarão de alinhar os pontos do projeto na próxima semana. “Com isso, nós vamos saber o que é que tem que conversar com a Fazenda, então eu creio que as próximas duas semanas serão decisivas”, disse à Folha de S.Paulo durante evento organizado pela Casa Lide.
O projeto, além de criar benefícios fiscais para o setor, institui o Comitê de Minerais Críticos e Estratégicos, que ficará responsável por estabelecer as prioridades da Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos, incluindo a lista de quais minerais serão considerados críticos ou estratégicos pelo país. O órgão será composto por chefes de oito ministérios e membros do empresariado e da sociedade civil.
“Hoje, o Brasil não tem uma classificação de quais são os minerais estratégicos, cada setor tem sua lista”, afirma Zé Silva. Segundo ele, o governo deve inserir no escopo do projeto aqueles minerais importantes para o plantio de alimentos, como o potássio.
O projeto ainda estabelece que as empresas de grande porte que se dediquem à pesquisa e lavra de minerais críticos ou minerais estratégicos precisarão aplicar, anualmente, ao menos 0,4% da sua receita bruta em iniciativas de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica relacionadas à pesquisa, lavra e transformação dos minerais críticos e minerais estratégicos.