Quais os sinais de que mercado de IA pode ser uma bolha prestes a estourar

Uma image de notas de 20 reais

Imagem gerada por IA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Vai ser um estouro. A grande questão é qual tipo de estouro. Se as expectativas quanto à inteligência artificial se concretizarem, os investimentos trilionários previstos para essa tecnologia vão ter valido a pena. Caso contrário, a explosão é de outra natureza -a de uma bolha.

No último mês, os alarmes têm soado. O banco central da Inglaterra, por exemplo, expressou preocupação com a enorme valorização das empresas de IA e alertou para o risco crescente de uma “correção súbita” no mercado (ou seja, o estouro de uma bolha). No mesmo dia, Kristalina Georgieva, chefe do FMI (Fundo Monetário Internacional), fez alerta semelhante.

Em agosto, o próprio CEO da OpenAI, Sam Altman, já tinha sugerido que pode haver uma bolha se formando no mercado de inteligência artificial. E, de lá para cá, a conversa se intensificou.

Um amontoado de sinais preocupa analistas econômicos e investidores. Desde o lançamento do ChatGPT ao público, em 2022, o mercado de ações dos EUA cresceu US$ 21 trilhões (R$ 113 trilhões). Dez empresas são responsáveis por mais da metade desse salto, entre elas Amazon, Nvidia e Broadcom, todas com negócios em IA.

O dinheiro tem fluído aos borbotões para empresas de IA, em patamares sem precedentes. O banco Morgan Stanley prevê que o investimento no setor vai atingir quase US$ 3 trilhões (R$ 16 trilhões) entre este ano e 2028.

O montante, contudo, é uma aposta no futuro -o dia, ainda hipotético, em que a IA vá decolar e revolucionar economias. No presente, esse dia ainda não chegou. Basta ver a diferença entre os investimentos que atraem e o faturamento das empresas de inteligência artificial.

A OpenAI, por exemplo, tem valor de mercado estimado em US$ 500 bilhões (R$ 3 trilhões), mas receita anual de US$ 13 bilhões.

O descompasso é a expressão numérica de uma questão fundamental: quando vai haver a demanda por essa tecnologia que garanta o retorno desse investimento? A dúvida é sobre a sincronia entre promessas de longo prazo e expectativas de retorno no curto e médio prazos.

Do lado dos usuários comuns, a procura cresceu rapidamente: o ChatGPT, quando foi lançado, por exemplo, atingiu 100 milhões de usuários em apenas dois meses, tornando-se o aplicativo de crescimento mais rápido da história. Hoje, tem 800 milhões de usuários; só 5% deles, contudo, pagam assinatura.

Mas os dados sobre a adoção por empresas, mesmo quando são expressivos, ainda levantam dúvidas. Um índice da Universidade Stanford mostra que 78% declararam adotar IA em seus negócios em 2024. Mas um relatório anual da consultoria McKinsey deste ano diz que só 1% das que adotam a tecnologia acreditam ter atingido a maturidade.

O especialista Paulo Carvão, que foi executivo da IBM por três décadas e hoje é pesquisador na Universidade Harvard, aponta que a adoção da IA por empresas é mais complexa -já que negócios são mais cautelosos quanto a riscos de segurança ou reputação e mais atentos ao retorno sobre investimentos.

Para ele, o frisson do consumidor comum ainda precisa se traduzir na mesma proporção em uso corporativo da tecnologia. Se isso não ocorrer, diz, todo investimento em chips e data centers pode criar uma capacidade ociosa.

“Se houver um descompasso e a demanda não se materializar antes que esses investimentos se mostrem obsoletos, a bolha vai estourar”, afirma ele.

A modernização do hardware coloca um cronômetro nesse mercado. As GPUs (unidades de processamento gráfico), um dos principais custos na construção de data centers, podem se tornar obsoletas entre três e seis anos –o que obrigaria as empresas de IA a renovar seu parque computacional.

O fantasma que fala ao pé do ouvido dos investidores em IA é o da bolha pontocom, na virada para o século 21.

Na ocasião, quem apostou nas empresas de tecnologia até fez a previsão correta –a internet era mesmo a tecnologia do futuro. O problema é que demorou mais do que o esperado, e a demanda pela infraestrutura que se construiu naquela época só se consolidou mais de duas décadas depois. Ou seja: a questão é de sincronia entre ciclos de capital e a procura de fato pela tecnologia.

“Hoje nós somos beneficiários dos investimentos daquela época”, diz Carvão. “Mas existe uma diferença entre a fibra óptica [da era pontocom] e a GPU da Nvidia. Hoje usamos os mesmos cabos daquela época. Já os chips terão que ser atualizados em seis anos. Ou seja, você tem uma demanda contínua por GPUs, mas se a demanda [por IA] não se materializar… É como pedalar uma bicicleta, enquanto você pedala ela não cai.”

O crescimento da própria infraestrutura também pode esbarrar em limitações de espaços com acesso à água e energia para data centers, limites no fornecimento de eletricidade e falta de mão de obra. A tecnologia que depende de computação na “nuvem”, na verdade, está ancorada no mundo material -e pode esbarrar em suas limitações.

Há outros fatores que podem indicar a formação de uma bolha. Carvão e outros analistas têm apontado a concentração do mercado financeiro nas empresas de tecnologia. No pico da bolha pontocom, 17% do desempenho da S&P 500 se devia às companhias do ramo -hoje, esse índice já passa de um terço.

Além disso, as sete que ocupam o topo da Bolsa de Valores de Nova York hoje são todas do mesmo segmento: Nvidia, Microsoft, Apple, Google, Amazon, Meta e Tesla.

As principais empresas de IA, como a OpenAI, têm capital fechado, por isso não aparecem na lista. Mas os acordos comerciais com companhias como a mãe do ChatGPT alimentam o crescimento dessas outras empresas na bolsa.

Mas isso também tem preocupado analistas, que apontam uma circularidade nos investimentos, algo típico de bolhas de tecnologia.

Funciona assim: a Nvidia, como anunciou em setembro, fecha o acordo para investir US$ 100 bilhões na OpenAI, que vai comprar GPUs da Nvidia. Ao mesmo tempo, a OpenAI tem contratos com empresas de nuvem, como a Microsoft e a Oracle, que também dependem de chips da Nvidia (não à toa, há quem diga que a fabricante de chips virou o banco central da IA).

Enrolado? Pois é. O cenário é um emaranhado de acordos que resulta em uma engenharia financeira complicada -e se uma das companhias no novelo tropeçar, aumenta o risco de criar problemas para as demais, num efeito cascata.

Esse sistema se formou porque as empresas de IA, sobretudo a OpenAI, foram bem-sucedidas em convencer o Vale do Silício de que precisam construir uma infraestrutura cada vez maior para seu desenvolvimento de produtos. É um modelo de ganho de escala.

Segundo Sam Altman disse nesta semana, o retorno sobre o investimento vai vir de tecnologias ainda em fase de desenvolvimento –nesta semana, por exemplo, a OpenAI divulgou o lançamento de seu navegador, visto como a nova fronteira do uso de IA.

Nem todo mundo concorda que há uma bolha no setor. Um relatório desta semana do Goldman Sachs foi na contramão da conversa pública: segundo o banco, a alta das ações de tecnologia tem “fundamentos sólidos” e a concentração de mercado, embora possa preocupar, não necessariamente resulta em crises.

Executivos de tecnologia, como Jeff Bezos, da Amazon, também têm dito que, mesmo que algumas empresas fracassem na corrida, haverá avanços tecnológicos duradouros e um legado para a sociedade -como na época da bolha pontocom.

Outros falam que todo avanço tecnológico sofre acusações de ser uma bolha e que, no caso da IA, a liderança está nas mãos de empresas financeiramente saudáveis, que usam principalmente o próprio caixa e não assumem endividamento. Um estouro de bolha, segundo essa visão, teria um impacto limitado na economia como um todo.

Não é essa a opinião de José Julio Senna, economista da FGV e ex-diretor do Banco Central que acompanha a economia americana de perto. Senna aponta que, desde o começo do governo Donald Trump, a expectativa dos analistas era que a incerteza gerasse uma retração do consumo das famílias e dos gastos das empresas –mas o contrário vem acontecendo e o cenário é de demanda aquecida.

“O entusiasmo com a IA é grande. Mas o que isso tem a ver com o consumo? A valorização do mercado acionário cria um ambiente de entusiasmo e influencia o restante da sociedade também”, diz ele, lembrando que as famílias americanas investem mais em ações do que os brasileiros. “A economia americana está muito bem. Isso tem a ver com a pujança do consumo e a riqueza gerada na bolsa.”

Para se ter uma ideia, estima-se que 40% do crescimento do PIB americano no ano passado se deve ao boom da IA. A aposta em inteligência artificial tem ajudado a reverter previsões pessimistas com a guerra comercial de Donald Trump, a erosão democrática americana e a alta da dívida pública. Por isso, uma retração nas empresas de tecnologia seria um baque e tanto.

Voltar ao topo