BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Reduzir o número de cidades do Brasil geraria um aumento em potencial de 36% na autossuficiência das prefeituras, que teriam maior capacidade de custear os próprios serviços sem precisar do repasse de estados e da União, e de 40% na arrecadação de impostos municipais em relação às receitas correntes.
As conclusões são de estudo de pesquisadores da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), que afirmam que uma reforma federativa, para reorganizar o número de municípios, melhoraria as condições orçamentárias das cidades e a prestação de serviços à população. No entanto, essas mudanças esbarram em interesses políticos nas prefeituras de menor porte.
A pesquisa parte de uma redução de 70% no total de cidades brasileiras, indo de 5.567 para 1.656. Para chegar a esse número, os pesquisadores Amarando Dantas Junior e Josedilton Alves Diniz unificaram cidades com menos de 119 mil habitantes que estejam no mesmo estado e tenham proximidade geográfica. O estudo foi publicado na revista Cadernos Gestão Pública e Cidadania.
Segundo Amarando, que é doutor em ciências contábeis pela UFPB, o federalismo brasileiro incentivou o aumento no número de cidades pequenas.
Pelo Fundo de Participação dos Municípios, por exemplo, cidades com menos de 5.000 habitantes podem receber os mesmos valores do que as com 10 mil. Para ter acesso a esses repasses, grupos políticos em bairros ou distritos municipais passaram a buscar independência administrativa e financeira, de acordo com o pesquisador.
“É mais interessante financeiramente e politicamente, em vez de ter um único município com 10 mil habitantes, ter dez municípios com mil habitantes. Isso foi um fator determinante para que houvesse essa proliferação de novas cidades”, afirma Amarando.
A transferência de recursos federais para prefeituras também se torna uma barreira para ter melhor gestão municipal, segundo o pesquisador. O sistema de repasses desestimula as cidades de investirem na economia local, já que há garantia de recebimento de verbas vindas da União.
Ao todo, 42% dos municípios brasileiros estão em situação fiscal ruim, segundo indicador da Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) divulgado no fim de 2023, com maior dependência de repasses do governo federal.
Dados do IBGE publicados no mesmo ano mostram que metade das cidades do país têm a administração pública como principal atividade econômica, à frente de setores como indústria, agricultura e de serviços.
Somado a isso, os prefeitos, por terem maior proximidade com a população, preferem evitar aumento na arrecadação de impostos nos municípios para não se indispor com a base eleitoral local.
“Quando os municípios são muito pequenos, o gestor conhece todo mundo pelo nome. Se ele exercer uma pressão muito grande para arrecadar recursos próprios, vai se desgastar politicamente. Então, prefere esperar a transferência do governo federal e ficar bem com seus eleitores”, diz.
Por não terem recursos próprios, esses municípios oferecem serviços mais precários à população e dependem dos sistemas públicos de outras cidades. É o caso, por exemplo, de procedimentos de saúde complexos, em que as prefeituras pagam pelo transporte dos pacientes a outras cidades onde os serviços são oferecidos.
“Seria melhor gerenciar essa situação se o município maior aglutinasse os pequenos para que se tornassem um só, onde o gestor teria clareza das necessidades locais e quantidade populacional. A parte arrecadatória ficaria equitativamente dividida”, diz o pesquisador.
Há outros fatores que influenciam no debate sobre fusão de município, segundo Amarando. Mesmo com proximidade geográfica e estando no mesmo estado, há cidades com diferenças políticas, culturais e históricas, algo que interfere na pauta.
É o que afirma também Eduardo Grin, cientista político e professor da FGV-SP. Para ele, o Brasil é uma federação simétrica do ponto de vista legal, mas assimétrica no mundo real.
Devido às diferentes capacidades de desenvolvimento econômico, fundir municípios pode aumentar um pouco a arrecadação, mas não seria suficiente para compensar a necessidade de transferências intergovernamentais.
As demandas territoriais no Brasil são complexas e heterogêneas, segundo Eduardo. Em alguns casos, municípios muito grandes podem ter dificuldade de dar conta das particularidades locais.
Além disso, a fusão de cidades pequenas é um debate interditado, já que há um lobby de prefeituras que se articulam contra essas mudanças, de acordo com o professor.
Já houve tentativas nesse sentido. Em 2019, o Ministério da Economia, à época chefiado por Paulo Guedes, propôs a extinção de municípios com menos de 5.000 habitantes e arrecadação própria menor que 10% da receita total.
“Repensar o arranjo fiscal, da tributação dos municípios e o modelo constitucional são tarefas complexas de serem enfrentadas. Tenho dúvidas de que o parlamento ou qualquer governo no Brasil venham enfrentar isso, pela enorme complexidade política”, declara Eduardo.
De acordo com Amarando Dantas, autor do estudo, a proposta da pesquisa é dar um pontapé inicial do debate sobre essas mudanças, considerando a complexidade do tema.
Em nota, a Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos afirma que é necessário analisar o tema com mais densidade, levando em conta o modelo federativo brasileiro e os desafios da gestão pública local.