SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Pix, sistema de pagamento instantâneo, foi desenvolvido por equipe técnica do BC (Banco Central) a partir do governo de Michel Temer (MDB), em 2018, quando o presidente da autoridade monetária era Ilan Goldfajn, e lançado em novembro de 2020, na gestão de Jair Bolsonaro (PL), quando Roberto Campos Neto estava à frente do BC.
Na investigação comercial aberta pelo governo Donald Trump contra o Brasil, o Pix virou alvo como uma possível prática desleal do país em relação a serviços de pagamentos eletrônicos.
CONHEÇA PASSO A PASSO DA CRIAÇÃO DO PIX
O conceito do Pix surgiu em 2016, quando o ex-presidente do BC Ilan Goldfajn sinalizou que a instituição se preparava para lançar uma ferramenta inspirada no Zelle, plataforma similar ao Pix que a fintech Early Warning Services havia anunciado pouco tempo antes nos Estados Unidos.
O balanço de 2016 da Agenda BC+, projeto que propõe novas ações para modernizar e dar mais eficiência ao sistema econômico, já previa “elaborar normas que aumentem a agilidade dos processos de autorização dos arranjos de pagamento”.
Mas foi em maio de 2018, seis meses antes da eleição em que Jair Bolsonaro foi eleito presidente, que o BC instituiu o grupo de trabalho Pagamentos Instantâneos, com cinco subgrupos destinados a debater temas específicos como segurança e agilidade.
Em 10 de maio daquele ano, a primeira reunião foi realizada e os trabalhos deveriam ser concluídos até 30 de novembro. O grupo encerrou as atividades em 21 de dezembro, com a divulgação de um comunicado e do documento com a versão final dos requisitos fundamentais.
Cerca de 130 instituições, entre associações representativas, instituições bancárias, instituidores de arranjos de pagamento, instituições de pagamento, cooperativas, entidades governamentais, infraestruturas do mercado financeiro, fintechs, marketplaces, consultorias e escritórios de advocacia, participaram das discussões.
No Balanço de 2018 da Agenda BC+, já surge a elaboração de “pagamentos instantâneos” como uma das ações do Banco Central no ano. O projeto muda de nome e vira Agenda BC# em fevereiro de 2019, durante a gestão de Bolsonaro.
Consultado sobre o assunto em 2022, o Banco Central informou, pela assessoria, que o Pix foi desenvolvido pela instituição ao longo de um processo evolutivo e, assim, algumas etapas foram realizadas também na atual gestão, do mesmo modo que outras fases ainda poderão ser implementadas em outras administrações.
“As especificações, o desenvolvimento do sistema e a construção da marca se deram entre 2019 e 2020, culminando com seu lançamento em novembro de 2020. A agenda evolutiva do Pix é permanente e prevê o lançamento de diversas novas funcionalidades a serem entregues nos vários anos à frente”, disse o Banco Central, em nota.
Desde a sanção da lei complementar 179/21, em fevereiro do ano passado, o Banco Central se tornou uma autarquia de natureza especial da administração pública federal, não vinculada a nenhum ministério e dotada de autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira.
Com a nova legislação, uma das regras é mandato fixo de quatro anos para dirigentes do banco, sem coincidir com o do presidente da República, de modo a evitar a ingerência do governo na condução da política monetária e também para que não haja pressão para trocas de comando por motivação política.
POR QUE O SISTEMA ENTROU NA MIRA DO GOVERNO TRUMP
Membros do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e aliados enxergam lobby de empresas de bandeiras de cartão de crédito e de big techs por trás da pressão dos Estados Unidos sobre o Pix brasileiro.
Na investigação comercial aberta pelo governo Donald Trump contra o Brasil, o Pix virou alvo como uma possível prática desleal do país em relação a serviços de pagamentos eletrônicos.
Amanda Athayde, consultora do Pinheiro Neto Advogados, diz não haver fundamento jurídico por trás do questionamento dos EUA.
A rapidez com que o Pix foi adotado pelos brasileiros impactou o negócio de plásticos, como são chamados os cartões no mercado bancário, com representantes como Visa e a Mastercard.
O governo Lula busca se tornar menos dependente da moeda americana em transações internacionais, desenvolvendo mecanismos de transferências sem a moeda dos EUA com a China. Além disso, o Banco Central brasileiro abriu o código fonte do Pix para autoridades monetárias de outros países. A Colômbia, por exemplo, aderiu aos pagamentos instantâneos com base na experiência brasileira.
Peru, Chile e México também estudam a adoção. Além disso, China e Índia já possuem sistemas semelhantes operados por entes privados.
Dados do Banco Central mostram que o avanço dos cartões no mercado brasileiro perdeu ímpeto após a implantação do Pix, especialmente na modalidade débito, substituída pelos pagamentos instantâneos.
Desde o lançamento, ao fim de 2020, o volume transacionado no Pix aumentou 50 vezes, em termos nominais. No mesmo intervalo, o uso de cartões também cresceu, mas não chegou a dobrar, crescendo 64%. As transferências por TED (Transferência Eletrônica Disponível), muito utilizadas por empresas, lideram no país e tiveram alta de 34% no período.
Outra ameaça ao setor é o Pix parcelado, uma espécie de empréstimo pessoal com juros menores, que permite ao cliente pagar à vista no Pix, mas arcar com o custo em parcelas mensais junto ao banco.
Para o governo, por trás da pressão liderada pelo governo de Donald Trump, há também uma intenção em discutir a privatização do Pix.
Antes do lançamento do Pix, em 2020, o Banco Central retardou o aval ao WhatsApp Pay, uma funcionalidade do aplicativo de conversas que permite enviar e receber dinheiro entre usuários diretamente pelo app, inicialmente operado pela empresa de maquininhas Cielo.
Quando a autorização veio, o Pix já havia tido enorme sucesso, o que causou descontentamento à Meta, dona de várias plataformas como Facebook, Instagram e WhatsApp, que havia investido pesado na sua funcionalidade de pagamento instantâneo.
O incômodo de integrantes do setor de cartões aumentou com a agenda de produtos e funcionalidades associados ao Pix implementada pelo BC brasileiro, caso do Pix Garantia (que permite uso de recebíveis pelo sistema como garantia de crédito), Pix Parcelado e Pix Automático (pagamentos recorrentes).
Procuradas, as bandeiras de cartões se manifestaram via Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços).
“A Abecs tomou conhecimento e está avaliando e acompanhando, juntamente aos seus associados, os desdobramentos do tema com atenção dentro de sua esfera de atuação”, diz em nota.
Procurados, Meta e Banco Central disseram que não vão comentar.