Ricardo Santin, presidente da ABPA: "Mercado do ovo deve se normalizar após a Quaresma"

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Ricardo Santin, da ABPA. Em 12 meses até fevereiro, IPCA sobe 5,06%, enquanto o ovo tem alta de 10,49%
(ABPA/Divulgação)
  • Sobre Lula pedir explicação para a alta de preços. "Eu não comento frases do presidente da República. Não podemos politizar a segurança alimentar"
  • Temperaturas altas e preço do milho também afetam o setor. Mas efeito das exportações é praticamente nulo, segundo a entidade
Por Vitor Nuzzi Compartilhe: Ícone Facebook Ícone X Ícone Linkedin Ícone Whatsapp Ícone Telegram

[AGÊNCIA DC NEWS]. O ovo é a bola da vez da inflação brasileira. O preço subiu 15,39% apenas em fevereiro, segundo o IPCA-IBGE, alta mensal que perdeu apenas para a energia elétrica residencial (16,80%) – o índice geral variou 1,31%. E acelerou o ritmo em março: o ovo de galinha aumentou 19,44% pela prévia (IPCA-15) do índice oficial. Em 12 meses até fevereiro, a inflação subiu 5,06%, enquanto o grupo dos alimentos teve alta de 7% e o ovo, de 10,49% – ou seja, duas vezes a variação do IPCA.

Dados preocupantes, que pressionaram o governo e levaram o presidente Lula a afirmar que procurava “uma explicação” para essa elevação de preços. O presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin, não responde diretamente, dizendo que a questão não deve ser politizada, mas afirma que a situação é sazonal e deverá se normalizar após o período de Quaresma, o período de 40 dias que antecede a Páscoa, durante o qual a procura cresce.

“Após longo período com preços em baixa, a comercialização de ovos aqueceu pela demanda natural da época, quando há substituição de consumo de carnes vermelhas por proteínas brancas e por ovos”, disse a ABPA ainda em fevereiro. Outros números reforçam a argumentação da entidade. No ano passado, por exemplo, o preço do ovo caiu: -4,54%, contra IPCA de 4,83%. Em 2023, a variação (+2,83%) também ficou abaixo da inflação (4,62%). Apenas no período entre 2020 e 2023 os preços ficaram acima do IPCA e repetiram o que acontece neste começo de ano – 11,43% em 2020 (inflação geral de 4,52%), 13,23% em 2021 (10,06%), 18,46% em 2022 (5,79%).

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Há no período recente outros fatores que causam impacto nos preços. Segundo Santin, apenas nos seis últimos meses o preço do milho – usado na alimentação das aves – subiu em torno de 42%. Os insumos de embalagens, mais de 100%. “Ao mesmo tempo, as temperaturas em níveis históricos têm impacto direto na produtividade das aves, com reflexos na oferta de produtos.” Ainda assim, ele acredita que a situação comece a mudar de forma mais visível com o início da próxima safra, em maio.

Santin lembra que as exportações, mesmo em alta, têm efeito quase nulo em relação ao mercado interno. Representam menos de 1% da produção prevista para este ano (59 bilhões de unidades). No primeiro bimestre, as vendas internacionais somaram 4,9 mil toneladas, crescimento de 38,2% em relação a igual período de 2024. Apenas em fevereiro, as vendas para os Estados Unidos subiram 93,4% – o país enfrenta severa gripe aviária, risco que o Brasil não corre neste momento, segundo o presidente da ABPA. O principal importador são os Emirados Árabes Unidos. Confira a entrevista à AGÊNCIA DC NEWS.

AGÊNCIA DC NEWS – Uma pergunta que o senhor já deve ter ouvido algumas vezes: por que o preço do ovo subiu tanto?
Ricardo Santin – É uma conjunção de vários fatores. Principalmente três deles.

AGÊNCIA DC NEWS – Quais?
Ricardo Santin – O principal é o aumento do preço do milho, que nos últimos seis meses subiu 42%. Isso vai melhorar no início da safra, em maio. Esse é um impacto bastante direto no custo da produção.

AGÊNCIA DC NEWS – E os outros?
Ricardo Santin – A segunda razão é ter os calores que a gente teve no final do ano. A produtividade com o calor é menor. Você teve muita perda de matriz [referência às galinhas]. A reposição leva de 18 a 20 semanas. E o terceiro é sazonal, recorrente nos últimos anos, que é a Quaresma. Nesse período, as pessoas substituem carnes vermelhas por carnes brancas, inclusive com maior consumo de ovo. Agora, há um cenário de maior estabilidade.

AGÊNCIA DC NEWS – A ABPA afirma que se trata de uma situação sazonal. Mas no ano passado, nesta mesma época, a inflação dos ovos era bem menor.
Ricardo Santin – Foi menor. E no ano retrasado foi quase igual.

AGÊNCIA DC NEWS – Qual é a diferença?
Ricardo Santin – Esse é o ponto. Em 2023, a caixa subiu 37%. Em 2024, 25%. E agora, 39% Essa é uma sazonalidade que tem algumas influências. As pessoas comendo mais, e você tem uma diminuição de oferta. Tem variação? Tem. Mas você tem uma prática de aumento em função da sazonalidade. Agora, a intensidade desse aumento às vezes é influenciada por outros elementos, como uma pequena diminuição de oferta e o aumento do preço do milho.

AGÊNCIA DC NEWS – Podemos esperar certa normalização em breve?
Ricardo Santin – Sim. A gente vê uma maior estabilidade daqui pra diante, especialmente com a chegada da nova safra, de verão, a chamada safrinha. Essa boa oferta de milho vai ter reflexo no preço. Está começando a cair, porque você tem uma boa expectativa de safra. Já que você disse que a primeira pergunta eu ouvi algumas vezes, vou me antecipar a outra…

AGÊNCIA DC NEWS – Sobre o impacto das exportações brasileiras? As exportações para os Estados Unidos cresceram de forma significativa.
Ricardo Santin – Sim. A exportação continua sendo 0,8%, 0,9% da nossa produção. Só que os EUA continuam sendo o segundo maior comprador do Brasil. Essa alta, sim, pode gerar uma certa expectativa, mas a exportação não influi [nos preços internos]. Pelo contrário, ajuda as empresas. Acaba financiando o produto para o brasileiro. Eu diminuo o custo fixo da unidade para o Brasil. 

AGÊNCIA DC NEWS – Qual o peso dos insumos no preço final?
Ricardo Santin – No caso do ovo, chega a 80%. Mas além disso nós tivemos o aumento do preço das resinas plásticas. Isso impactou diretamente a venda do ovo. No mês passado, o que mais impactou [a inflação] foi energia, que atingiu a indústria também. 

AGÊNCIA DC NEWS – A gripe aviária, que atingiu os Estados Unidos em cheio, preocupa ou está sob controle?
Ricardo Santin – Na produção comercial ela nunca chegou. Agora, já chegou em aves silvestres de fundo de quintal. Mas nunca chegou à produção. O nosso sistema de biossegurança que as empresas fazem é muito eficiente. Aqui, se você tiver um caso, vai ficar isolado num raio de 10 quilômetros. Houve um da Doença de Newcastle, em uma única propriedade [no Rio Grande do Sul, em 2024]. Nós estamos preparados, 

AGÊNCIA DC NEWS – Qual é a estimativa para a produção deste ano?
Ricardo Santin – Esperamos atingir 59 bilhões de ovos [com crescimento de 2,4% sobre o ano passado], ou 3,6 milhões de toneladas. São 1,8 mil por segundo, em média. De 30 mil a 35 mil toneladas de exportações [o Brasil é o quinto maior produtor mundial e neste ano o consumo por pessoa deve chegar a 272 ovos, mais de 40 unidades acima da média mundial, segundo a ABPA.]

AGÊNCIA DC NEWS – O presidente da República disse recentemente que estava procurando uma explicação para o preço do ovo…
Ricardo Santin – Eu não comento frases do presidente da República.

AGÊNCIA DC NEWS – Por quê?
Ricardo Santin –  Desculpe, mas não podemos politizar um assunto importante como a segurança alimentar.

AGÊNCIA DC NEWS – Mas o setor produtivo tem conversado com o governo sobre a questão?
Ricardo Santin – Fui a reunião com o ministro Fávaro [Carlos Fávaro, da Agricultura e Pecuária], que é o nosso grande interlocutor, com Paulo Teixeira [ministro do Desenvolvimento Agrário] também. Mostramos os dados de produção do setor, os impactos. É uma das proteínas mais baratas do mundo, provavelmente a mais barata. O Brasil tem condições naturais boas, que dão mais elementos de competitividade.

AGÊNCIA DC NEWS – Por exemplo?
Ricardo Santin – Com [redução do] imposto de importação de resina plástica. E de aminoácidos que são essenciais para a ração…

AGÊNCIA DC NEWS – Na Reforma Tributária, há um movimento pela antecipação da desoneração dos produtos da cesta básica [o ovo está incluído].
Ricardo Santin – Essa é uma proposta da Abras [Associação Brasileira de Supermercados]. De nossa parte, se o governo entender que existe espaço fiscal, seria uma coisa positiva. Nós vendemos em escala. Não vendemos bolsa, nem carro. Queremos ofertar. Aliás, é por isso que a gente não parou de produzir durante a pandemia.  

AGÊNCIA DC NEWS – A expectativa, então, é de acomodação dos preços?
Ricardo Santin – A chegada da safra deve ter um efeito. De quanto vai ser, ainda não posso dizer. Vai depender muito de região. O que eu vejo é que após a Páscoa haverá uma acomodação sazonal, que é o que a gente tem visto nos últimos dez anos.

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