Rubens Barbosa: liberalismo sumiu depois de Trump. "Imprevisibilidade é total", diz embaixador

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Barbosa (dir., ao lado de Rubens Ordine, presidente da ACSP): sociedade precisa pressionar
(Cesar Bruneli/ACSP)
  • Para ex-embaixador brasileiro na Inglaterra e nos EUA, a OMC está defasada e não consegue regular o comércio global
  • Ele acredita que falta visão de longo prazo ao Brasil. E vê um Itamaraty "contaminado" ideologicamente
Por Vitor Nuzzi

[AGÊNCIA DC NEWS]. O liberalismo econômico que prevaleceu após a Segunda Guerra Mundial, sob a liderança dos Estados Unidos, “desapareceu” com Donald Trump. Deu lugar ao unilateralismo e ao protecionismo, segundo o embaixador Rubens Barbosa. Além do “total desaparecimento” da Organização Mundial do Comércio (OMC), entidade que ele considera defasada, assim como outras organizações surgidas após a 2ª Guerra Mundial. “Agora, temos uma total imprevisibilidade, insegurança, incerteza”, afirmou o diplomata em evento promovido nesta segunda-feira (7) pelo Conselho Político e Social (Cops) da Associação Comercial de São Paulo (ACSP). Barbosa também criticou a política externa brasileira, apontando falta de visão de longo prazo e “contaminação” ideológica do Itamaraty (“Não tem autonomia, não tem capacidade de iniciativa.”)

O diplomata está habituado a períodos de transição. De embaixador do Brasil em Londres (1994-1999), passou para a Washington no período imediatamente posterior (1999-2004). Assim, viveu a mudança de governo no Brasil, de Fernando Henrique Cardoso para Luiz Inácio Lula da Silva, e nos Estados Unidos, de Bill Clinton para George W. Bush. Mas, na visão de Barbosa, o cenário “muda completamente” com a ascensão de Trump. “Cria uma incerteza que não existia”, afirmou. “Você não tem mais a previsibilidade das regras econômicas que eram fixadas pela OMC, pelo Banco Mundial. Essas instituições foram esvaziadas.” Mesmo as Nações Unidas têm atuação limitadas pelas potências mundiais: resoluções não são aprovadas porque sofrem veto americano ou russo. Sem contar as tensões entre China e Estados Unidos (respectivamente, primeiro e segundo parceiros comerciais do Brasil) em busca de hegemonia política, tecnológica e comercial.

Se as duas organizações “não funcionam” – a ONU em termos de equilíbrio na segurança global e a OMC na regulação dos negócios –, diz Barbosa, surgem outras entidades no tabuleiro político e econômico, como o Brics. Agora, são 11 países-membros e dez convidados. “É um bloco que pode ter uma participação importante, embora não seja institucionalizado”, disse o embaixador. “Só os cinco países originais [África do Sul, Brasil, China, Índia e Rússia] têm PIB maior que os países do G7 [Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido].”

Escolhas do Editor

Para Barbosa, falta ao Brasil preocupação estratégica com a inserção do país na economia internacional. Uma situação que se agrava pela divisão política – algo que torna quase impossível a elaboração do que ele chama de projeto nacional. Nesse sentido, ele elaborou um documento (Vamos Discutir o Brasil) que trata da nova geopolítica mundial e insere o país como “potência média regional”. E vem colhendo sugestões dos agentes políticos e econômicos, como a ACSP. Na próxima quarta-feira (9), ele estará no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Aguarda também audiência na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado.

Barbosa também criou uma revista, publicada a cada três meses, justamente com o nome de Interesse Nacional. Além disso, criou o Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), que tem o propósito de aglutinar diferentes setores da sociedade “para discutir os interesses do Brasil e sua estratégia de inserção internacional”. Ele acredita que é momento de a sociedade se manifestar sobre essas questões. E pressionar os candidatos nas eleições de 2026. Ao responder a uma indagação do presidente do Conselho Superior da ACSP, Rogério Amato, o diplomata se manifestou de forma favorável à proposta de criação do voto distrital, em debate na Câmara dos Deputados. Também integraram a mesa o presidente da Associação Comercial, Roberto Mateus Ordine, os coordenadores do Cops, ex-senadores Heráclito Forte e Jorge Borhausen, e o presidente da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB) e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp), Alfredo Cotait Neto.

Em pouco tempo, avalia Barbosa, a divisão socioeconômica global não seria mais entre países desenvolvidos e em desenvolvimentos, mas entre os que dominam as novas técnicas (leia-se inteligência artificial) e os que não dominam. Mas o Brasil também precisa pensar em termos estratégicos. Precisa considerar, por exemplo, que a maior parte das importações de itens como fertilizantes e ureia vem de regiões em conflito. Ou que a produtividade de um operário brasileiro é 25% da de um americano. No final, o embaixador também fez críticas ao papel da mídia brasileira na cobertura internacional. “A imprensa no Brasil repete o que é publicado nas agências noticiosas. Se você quiser saber o que está acontecendo em Gaza, na Ucrânia, tem de ler os veículos lá de fora.”

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