'Sei fazer um sapato inteiro com as próprias mãos', diz Alexandre Birman, CEO do Azzas

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Aos 12 anos, Alexandre Café Birman usava uma máquina de chanfrar calçados -equipamento que apara, afina e cria ângulos nas bordas do couro ou do material sintético para dar acabamento uniforme à peça. “É uma maquininha que tem um rolete, com uma navalha, para passar sobre o material. Uma vez meu dedo ficou ali no meio”, diz o empresário de 49 anos, filho do fundador da Arezzo, Anderson Birman. Machucou muito? “Nada. Só um bifinho.”

A naturalidade com que Birman relata um episódio que poderia ter sido traumático para a sua pouca idade à época é a mesma com que ele responde sobre o quase fim da união entre Arezzo&Co e Soma, que deu origem em fevereiro de 2024 ao Azzas 2154, do qual é presidente, um dos maiores grupos de moda da América Latina. Anunciado como a maior fusão desde a criação do RD Saúde, que uniu em 2011 as redes de farmácias Droga Raia e Drogasil, o negócio quase desandou na primeira metade deste ano, diante da dificuldade de conciliar culturas e estilos de gestão diferentes.

“A fusão está feita”, diz. “Mas são vários momentos até evoluir e maturar. Aprendi a dar mais empoderamento para a ponta [da hierarquia organizacional], a trabalhar com menos controle de market share [participação de mercado]”. Questionado pela reportagem se ele se considera centralizador, um dos motivos citados nos bastidores para o possível fim do negócio com o sócio Roberto Jatahy, Birman diz que é “mão na massa”.

“Eu sou muito próximo da operação, sou fundador operacional, existem vários exemplos de fundadores muito próximos do negócio e que acompanham a operação de uma forma que, tenham sim, o controle e saibam tomar as decisões. Se isso é ser centralizador, fica aí o seu julgamento.”

O empresário que criou a sua própria marca de sapatos, a Schutz, aos 19 anos, e em 2008 a grife Alexandre Birman, se apresenta como “sapateiro”, uma profissão em que a costura é fundamental para unir a sola às diferentes partes do cabedal (parte superior do calçado). “O eiro é quem faz com a mão -pedreiro, padeiro, enfermeiro. Eu sou um ‘eiro’, tenho orgulho de falar isso. Sei fazer um sapato inteiro com as próprias mãos”, diz ele, que não concluiu a faculdade de administração.

Em 2026, Birman terá que usar toda a sua habilidade em costura para unir as pontas do negócio depois que o portfólio foi enxugado, de 34 para 25 marcas. Após 22 meses de fusão, que envolveram diversas alterações na composição do conselho de administração e da diretoria, inclusive com a saída de fundadores de algumas das marcas -como Thiago Hering, da Hering, e Rony Meisler, da Reserva-, a empresa deve deixar de discutir governança para se concentrar na concorrência.

É preciso tornar a operação mais ágil na relação com fornecedores, unificar centros de distribuição e avançar na venda online, além de usar a inteligência artificial para estreitar a relação com consumidores. “Temos que fazer uma integração muito grande da base de clientes, é um ativo ainda inexplorado, que soma 12 milhões de CPFs”, diz Birman, que tem como principal objetivo dos próximos anos acelerar a cadeia de fornecedores do vestuário.

“Hoje é uma cadeia que tem um ‘lead time’ [tempo total desde o pedido até a entrega final das peças] mais longo, de seis a nove meses. Queremos transformá-lo para um intervalo entre três e seis meses. Mas não é um processo que você muda do dia para noite, deve estar concluído em cinco anos”, afirma. Também está na agenda a unificação dos atuais cinco centros de distribuição para obter mais agilidade no atendimento dos pedidos online.

A ideia é “solidificar o business de moda”, diz Birman, para conquistar maior participação de mercado. Isso sem descuidar dos calçados: o empresário percebe uma tendência em alta para o mercado de tênis e calçados esportivos em geral. “Nós temos marcas cujo percentual de [venda de] tênis já chega a 40%, como Anacapri”, diz ele, referindo-se à marca que ficou famosa pelas sapatilhas. “Na Schutz, os tênis representam 25% e na Arezzo são uma grande oportunidade a ser explorada”, diz Birman, que tem a distribuição no Brasil da marca americana Vans.

Outra mudança de comportamento em curso diz respeito aos horários de maior compra nas lojas. “Existe uma grande discussão se o shopping deveria funcionar até as 10h da noite, assim como abrir aos domingos”, afirma. Segundo ele, havia uma premissa no varejo de que, após as 17h, a venda dobrava em relação ao restante do dia. “Mas isso não está mais acontecendo”, diz ele, que acredita que as lojas poderiam abrir mais cedo. “Muitas mulheres, principalmente da classe A, vão à academia e depois querem aproveitar para passar no shopping para resolver alguma questão, fazer compras. Mas as lojas ainda estão fechadas.”

Por outro lado, diz, há uma venda cada vez maior no horário do almoço. No grupo, 50% das vendas acontecem nas lojas próprias e no ecommerce; 20% vêm de franquias e outros 30% de lojas multimarcas.

Birman, que abriu mão de ser herdeiro para criar as próprias marcas de sapatos –a Schutz só se uniu com a Arezzo em 2007, criando a Arezzo&Co– fala com orgulho da mais velha das três filhas, Olga, de 14 anos. “Ela é muito parecida comigo, muito antenada em moda”, diz. “Já começou o próprio negócio de bijuteria, vende Arezzo para as colegas e recebe comissão, visita lojas do grupo em shoppings e me manda fotos”, diz ele, que quer deixar para Olga, Vera e Pilar o exemplo do trabalho constante, que aprendeu em casa.

“O maior legado do meu pai é o trabalho incansável”, afirma o empresário, que nasceu quando a Arezzo, fundada por Anderson Birman e o irmão, Jefferson, na garagem da casa do pai deles em Belo Horizonte, tinha apenas quatro anos. Anderson deixou a empresa em 2016 e hoje enfrenta o Parkinson. O filho, que aos cinco anos já brincava de montar caixas de sapato e aos 12 trabalhava em meio período na fábrica, assumiu a Arezzo&Co em 2013. “Existe uma crítica sobre o porquê de as pessoas trabalharem muito. Mas faz parte da nossa vida, a gente gosta, é o que nos motiva.”

RAIO-X GRUPO AZZAS 2154

Fundação: 2014

Sede: Belo Horizonte

Funcionários: 25 mil

Marcas: Arezzo, Schutz, Anacapri, Alexandre Birman, Vans e Vicenza (calçados e bolsas); Farm Rio, Animale, NV, Cris Barros, Maria Filó, Carol Bassi, Fábula e Off Premium (moda feminina); Reserva, Oficina, Foxton, Reserva Mini, Reserva Go e Reserva Ink (moda masculina); Hering, Hering Kids, Hering Sports, Hering Shoes e Hering Intimates (moda básica)

Presença: 2.033 lojas (em todos os estados e Distrito Federal, além de Estados Unidos e Europa), 7 fábricas e 5 centros de distribuição

Principais concorrentes: Nike, Adidas, Luz da Lua, Santa Lolla, Mr. Cat, Le Lis, Dudalina, John John, Bo.Bô, Renner, C&A, Riachuelo, Lupo, Malwee

Faturamento em 2024: R$ 14,1 bilhões

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