SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Entidades representativas de servidores públicos afirmam que o governo busca implementar uma “reforma administrativa” por meio de atos infralegais, ou seja, sem discutir projetos de lei. As críticas são feitas por causa de uma portaria do MGI (Ministério da Gestão e Inovação) publicada em junho que autoriza a utilização do banco de aprovados em lista de espera do CNU (Concurso Público Nacional Unificado) para contratações temporárias.
A portaria, assinada pela Ministra Esther Dweck, dispõe sobre o uso dos candidatos que não foram aprovados nas vagas imediatas do CNU para suprir necessidades de “excepcional interesse público”.
Em nota, o MGI afirmou que a medida “representa um avanço significativo na modernização da gestão de pessoas no serviço público federal, ao permitir o aproveitamento de candidatos já aprovados em concurso e gerando economia de recursos públicos que seriam destinados à realização de novos processos seletivos”.
O instituto do serviço temporário surgiu para questões próximas de catástrofes seriam situações de limite em que se faz um processo de admissão simplificado, afirma Robson Barbosa, sócio do Cassel Ruzzarin Advogados.
Nesse caso, ele diz, os aprovados fizeram “um concurso complexo (o CNU) para um cargo que na teoria não exigiria complexidade”. Mesmo se a pessoa mais tarde for convocada para assumir um cargo com estabilidade, ele diz, perde-se um tempo de contribuição do regime próprio de aposentadoria, “que é mais vantajoso que o regime geral”.
Para Rudinei Marques, porta-voz do Fonacate (Fórum Nacional das Carreiras de Estado), a portaria é um “absurdo”. Ele argumenta que as regras para contratação por tempo determinado preveem apenas para situações excepcionais. “Se [o cargo] está no CNU, se se sabe que tem que fazer concurso, uma área que precisa de reposição a ponto de fazer concurso, é uma necessidade regular e não excepcional, foge à questão da excepcionalidade”, afirma Marques.
Segundo ele, o Fonacate enxerga a medida como um “subterfúgio para não chamar” os aprovados, mesmo quando há carência de pessoal. Marques aponta que a legislação permite a convocação de até 50% a mais do número de vagas, o que seria uma solução mais adequada. “Não há excepcionalidade por tempo determinado. Tem que fazer concurso e repor pessoal.”
Marques diz que os servidores temporários são “mais exposto à pressão política”.
Viviane Peres, representante do Fonasefe (Fórum Nacional dos Servidores Públicos Federais), diz que a portaria faz parte de um contexto de “contrarrefoma administrativa” que, segundo ela, estaria sendo realizada por meio de medidas infralegais, sem debate com as entidades sindicais.
Ela defende a realização de concursos públicos e a contratação de servidores estáveis e diz que a lógica de contratar temporários é similar à terceirização. “Para nós, essa medida que não foi dialogada com as entidades é mais uma que compõe essa contrarreforma infralegal sendo publicizada abertamente dizendo que é possível mudar a estrutura do Estado sem mudar a Constituição.”
É algo que o advogado Robson Barbosa chama de tentar fazer “por dentro” (ou seja, com uma portaria, sem passar pelo Legislativo) a reforma administrativa.
O MGI afirma que a portaria segue os critérios de contratação temporária os principais são que se trata de medida excepcional e com prazo determinado.
Para fazerem essas contratações, os órgãos são obrigados a apresentar justificativa formal de interesse público, necessidade urgente e orçamento disponível, afirma o ministério.
“A portaria não substitui o provimento regular de cargos efetivos e tampouco compromete as atividades regulares exercidas por esses cargos efetivos. Os candidatos contratados de forma temporária não têm direito adquirido à nomeação em cargo efetivo, nem prioridade sobre outros aprovados em concurso”, disse o MGI na nota.
Janus Pablo Macedo, presidente da Anffa Sindical (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários), diz que já existem 122 médicos veterinários temporários há oito anos, com contratos renovados três vezes, e que agora o governo pretende usar a lista de espera do CNU para manter essa prática.
Para ele, a instabilidade do vínculo temporário representa um risco à segurança alimentar e sanitária do país. “Condenar um animal ou um lote de produtos ou seja, identificar uma enfermidade que implica a proibição de venda daquela carne pode gerar prejuízos financeiros significativos para as empresas. Um auditor fiscal tem condições de tomar essa decisão com segurança quando possui estabilidade. Já o temporário, sabendo que está de saída, muitas vezes se sente pressionado ou vulnerável”, afirma.
Macedo também diz que há casos em que médicos veterinários contratados temporariamente acabam sendo absorvidos pelas próprias empresas que deveriam fiscalizar, o que gera um evidente conflito de interesses.
Segundo ele, há um déficit estimado de 1.350 Auditores Fiscais Federais Agropecuários no país. A nomeação de efetivos incluindo os 600 aprovados no cadastro de reserva é, segundo Macedo, a solução mais racional e sustentável do ponto de vista da economicidade a longo prazo, mesmo que demande um custo inicial maior.
“Além de serem servidores de pronto emprego, uma vez treinados, os auditores têm um campo de atuação muito mais amplo do que os temporários, pois não são responsáveis apenas pela inspeção de frigoríficos, mas também atuam em laboratórios, barreiras sanitárias e outras atividades essenciais. Ou seja, retornam mais para a sociedade” diz ele.
O MGI afirma, no entanto, que a convocação temporária não implica mudança nenhuma na respectiva classificação em lista de espera para os cargos ao qual concorreram.