SÃO PAULO, SP, RIO DE JANEIRO, RJ E BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) – Setores produtivos da economia brasileira que foram isentos da sobretarifa de 50% oficializada hoje pelo presidente Donald Trump afirmam que já vão retomar o comércio com os Estados Unidos.
Nesta quarta-feira (30) o governo dos EUA publicou um decreto confirmando o tarifaço que já havia sido anunciado no início do mês e, logo em seguida, listou produtos que vão ficar isentos. Entre as exceções estão, por exemplo, derivados de petróleo e aviões, que são alguns dos itens mais vendidos aos americanos.
PETRÓLEO
Poucas horas antes da divulgação, o presidente do IBP (Instituto Brasileiro do Petróleo), Roberto Ardenghy, afirmou à agência de notícias Reuters que o setor suspenderia os envios de carga aos EUA. Após a publicação da lista, ele disse que a expectativa é a de retomar as exportações.
Óleo bruto de petróleo é o item que o Brasil mais vende aos americanos. De acordo com dados do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), neste ano já foram US$ 2,4 bilhões (cerca de R$ 13,4 bilhões) em exportações só para os EUA.
“Nosso setor é muito específico. Colocar tarifas sobre nossos produtos é um jogo de perde-perde”, afirmou o presidente do IBP, que engloba empresas como Petrobras, Shell, TotalEnergies, ExxonMobil e Equinor.
Outra entidade do mesmo setor, a ABPIP (Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo) disse em nota que “recebeu com tranquilidade e confiança a exclusão do petróleo e gás natural das tarifas anunciadas pelo governo dos EUA”.
A associação avaliou a decisão “como um reconhecimento da relevância estratégica internacional dos hidrocarbonetos produzidos no Brasil”.
“Embora as exportações para os EUA representem uma parcela modesta do comércio dos produtores independentes, a medida contribui para preservar a competitividade do Brasil, garantir estabilidade comercial e reforçar um ambiente de negócios mais previsível -especialmente importante para a continuidade e expansão sustentável da produção independente de petróleo e gás”, disse.
SUCO DE LARANJA
O setor de laranjas, que ficou isento do tarifaço, também comemorou. Em nota, a CitrusBR (Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos) afirmou ter recebido “com alívio e responsabilidade o anúncio da exceção ao suco de laranja concedido pelo governo americano”.
Produtos de madeira também aparecem entre as exceções à sobretaxa de 50%, mas a indústria adota cautela antes de se posicionar sobre o decreto.
MADEIRA
A Abimci (Associação Brasileira da Indústria de Madeira Processada Mecanicamente) afirmou estar fazendo uma avaliação detalhada sobre o tema. A intenção é identificar quais segmentos do setor estão incluídos nas exceções à sobretaxa de 50% e quais efetivamente serão impactados pela medida.
A entidade representa indústrias que produzem mercadorias como compensados, molduras, painéis, pisos e portas.
O setor depende em grande medida das exportações para o mercado americano. Com as incertezas das últimas semanas, fábricas deram férias coletivas para trabalhadores, e pelos menos uma empresa confirmou cerca de cem demissões no Paraná. A atividade está concentrada na região Sul.
PLÁSTICO
Os dirigentes de setores que não foram listados entre as exceções fazem cálculos sobre a dimensão dos prejuízos.
José Ricardo Roriz Coelho, presidente dos conselhos da Abiplast (Associação Brasileira da Indústria do Plástico) e do Sindiplast-SP (Sindicato Indústria Material Plástico Estado São Paulo), diz que a sobretaxa de 50% sobre o produto vai afetar 20% da produção nacional, além de gerar uma perda de US$ 1,5 bilhão a US$ 2 bilhões (equivalente a cerca de R$ 8,4 bilhões a R$ 11 bilhões). “É desastrosa [a taxação] para o Brasil”, diz.
O impacto, segundo ele, será pulverizado por diversos segmentos da indústria e do agronegócio e deve provocar demissões no setor, além de medidas para diminuir a produção, como férias coletivas. “Estamos em 95% do PIB. O plástico está em tudo: ou é um produto final ou está na composição”, afirma Roriz.
Para ele, a medida de Trump “é resultado de um blefe dos dois extremos da política brasileira contra um presidente que, em campanha eleitoral, já havia anunciado que tomaria a iniciativa”.
TÊXTIL
A indústria têxtil teve apenas um produto na lista de exceção do tarifaço: cordéis de sisal, usados para amarrar fardos de feno para o gado e responsáveis por 17% das exportações do setor no ano passado.
“Obviamente, privilegiaram o que interessa a eles [EUA]”, afirmou Fernando Valente Pimentel, diretor-superintendente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção).
A expectativa do setor é terminar 2025 com saldo de R$ 500 milhões nas exportações para os EUA mercado que trabalha para conquistar em nichos como moda praia e íntima. “Não temos a relevância do mercado asiático e do mexicano, e os EUA são superavitários em relação a nós com os têxteis também, mas é muito importante estar no mercado americano”, disse Pimentel.
“Vamos trabalhar para atender os setores taxados em 10% + 40%, com serenidade para passar por essa turbulência, que não é pequena”, acrescentou.
Para o setor calçadista, a sobretaxa de 50% praticamente inviabiliza a manutenção dos negócios com os Estados Unidos.
Haroldo Ferreira, presidente da Abicalçados (Associação Brasileira das Indústrias de Calçados), afirmou que o país é o principal destino das vendas externas do setor e há quem produza exclusivamente para exportação. Com as tarifas cobradas da China abaixo do percentual imposto ao Brasil, a concorrência será inviável, segundo Ferreira.
Como já vem sendo feito por outros setores afetados pela sobretaxa, a Abicalçados também disse que agora será necessário trabalhar com os governos estadual e federal para mitigar os efeitos sobre a indústria. O setor calçadista demanda medidas como linhas de crédito e a reedição do BEm (benefício emergencial de preservação de emprego e renda), programa do governo federal que permitia a redução de jornada e salário.
MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS
Em nota, a Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos) afirmou que o setor de máquinas pode sofrer um impacto negativo de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,6 bilhões) só neste ano.
Após a divulgação da lista de exceções de produtos sujeitos à tarifa, a entidade disse que ainda não conseguiu calcular os efeitos da exclusão de alguns setores relevantes de exportação para os EUA das tarifas comerciais, e reforçou os números apresentados mais cedo.
Segundo a diretora de competitividade, economia e estatística da Abimaq, Cristina Zanella, a previsão considera uma interrupção das remessas aos EUA, que representam cerca de 26% das exportações do setor, a partir de agosto.
A fabricantes de motores WEG disse em nota que já montou um plano de ação para mitigar os impactos da sobretaxa. “Essa resposta é viabilizada pela nossa presença industrial global, construída ao longo dos últimos anos com investimentos estratégicos em capacidade produtiva em diversas regiões.”
Além do Brasil, a WEG tem fábricas em países como México, Turquia, Alemanha e também nos EUA. “Vale destacar que o cenário ainda depende da dinâmica tarifária destes outros países, o que torna difícil qualquer estimativa precisa neste momento.”
MINERAÇÃO
O Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração) afirma que fez uma análise preliminar do documento divulgado pelo governo dos EUA e que há indicação de que 25% das exportações serão impactadas. “Não foram contemplados os minerais caulim, cobre, manganês, vanádio, bauxita e algumas pedras e rochas ornamentais” entre as exceções.
A entidade diz que continuará “analisando os detalhes do decreto para compreender plenamente seus impactos e reafirma seu compromisso de atuar para que todos os minerais brasileiros sejam excluídos da nova sobretaxa”.
O presidente do Sindfer-MG (Sindicato da Indústria do Ferro de Minas Gerais), Fausto Varela, afirmou que o setor está aliviado com a decisão do governo americano de incluir o ferro-gusa na lista de exceções à nova tarifa.
Com US$ 459 milhões (R$ 2,57 bilhões) embarcados para os EUA no ano passado, o item representa a segunda maior pauta de exportação do estado ao país norte-americano, atrás apenas do café -que foi afetado pela nova taxação.
“Nós tínhamos alguns navios que estavam previstos para embarque no mês de agosto, mas que foi suspensa até segunda hora. Agora, com a nova posição [americana], eles serão retomados”, afirmou Varela.
Para Reinaldo Sampaio, presidente da Abirochas (Associação Brasileira da Indústria de Rochas Ornamentais), a sobretaxa de 50% terá um grande impacto sobre o setor de rochas ornamentais, que, em 2024, exportou US$ 711 milhões para os EUA.
“Tínhamos expectativas de que as rochas ornamentais pudessem ser isentas por não serem produzidas nos EUA”, afirmou.
Ele faz menção a uma fala de Howard Lutnick, secretário de Comércio dos EUA, na última terça (29), que disse que produtos não cultivados nos EUA poderiam receber tarifa zero.
Sampaio afirmou que é difícil precisar o impacto nos preços do setor. “Ainda não sabemos qual é a possibilidade do mercado americano em absorver estes materiais com 50% de aumento do seu valor comercial”.
Já a Centrorochas (Associação Brasileira de Rochas Naturais) disse que, apesar da gravidade da medida, recebeu com alívio a notícia de que um dos principais produtos exportados pelo setor entrou na lista de isenções, a pedra monumental ou para construção, trabalhada.
“O anúncio da isenção do nosso principal produto traz um importante alívio ao setor, mas seguimos vigilantes” afirmou Fábio Cruz, vice-presidente da entidades.
INDÚSTRIA
A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) lamentou a imposição da tarifa de 50%, sem razões econômicas que a justifique, e disse que acreditar que “o continuado diálogo entre as autoridades dos dois países levará à eliminação da sobretaxa e ao aproveitamento das inúmeras oportunidades em benefício de nossas populações”. A entidade também afirma que trabalhará junto ao governo brasileiro para a adoção de medidas que reduzam os impactos econômicos para as empresas atingidas.
A Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) diz que as tarifas impactam diretamente a pauta exportadora do estado, apesar da exceção a produtos como óleos brutos de petróleo, principal item na pauta exportadora local. “Nesse contexto, a Firjan defende a urgência da intensificação da atuação diplomática e paradiplomática em diversos níveis para construção de uma solução negociada e célere para mitigação dos impactos econômicos e sociais das novas tarifas anunciadas.”
Em consulta à sua base empresarial, a Firjan detectou que cerca de 60% dos respondentes esperam impactos das medidas no curto prazo e 42% dos empresários entrevistados temem a possibilidade de redução de postos de trabalho.
O presidente da Fiemg (Federação das Indústrias de Minas Gerais), Flávio Roscoe, afirmou que a decisão de incluir determinados produtos no rol de exceções das novas tarifas veio após pressão interna dos importadores americanos, o que abre uma margem para negociação sobre os itens afetados.
“Parte da nossa estratégia deu certo, que era colocar o setor americano para trabalhar. Agora, felizmente com um escopo menor, vão ser dadas as negociações bilaterais, porque há uma taxação efetiva aplicada que já está prejudicando um número enorme de empresas”, disse Roscoe.
No setor industrial mineiro, as preocupações agora são sobre a indústria de carnes, sexto item mais exportado aos EUA, e os setores de aço e refratários.