Tarifaço de Trump tem impacto relevante sobre setores, e Copom deve ter cautela com juros, mostra ata

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BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A sobretaxa de 50% imposta pelos Estados Unidos a produtos brasileiros tem impacto relevante sobre setores, e o Copom (Comitê de Política Monetária) deve ter cautela na condução da política de juros, mostra ata divulgada pelo Banco Central nesta terça-feira (5).

No documento, o colegiado do BC reforçou que o cenário externo está “mais adverso e incerto” em função da política comercial do governo de Donald Trump.

“A elevação por parte dos Estados Unidos das tarifas comerciais para o Brasil tem impactos setoriais relevantes e impactos agregados ainda incertos a depender de como se encaminharão os próximos passos da negociação e a percepção de risco inerente ao processo”, afirmou.

O Copom disse acompanhar com atenção os potenciais impactos das tarifas sobre a economia real e sobre o comportamento dos ativos financeiros e afirmou que terá como foco os reflexos do cenário externo sobre a inflação doméstica à frente.

“A avaliação predominante no comitê é de que há maior incerteza no cenário externo e, consequentemente, o Copom deve preservar uma postura de cautela”, disse.

Na última quarta (30), o Copom decidiu manter inalterada a taxa básica de juros em 15% ao ano –maior patamar em 19 anos–, interrompendo o ciclo de alta da Selic.

A decisão do Copom veio no mesmo dia em que Trump assinou a ordem executiva confirmando a aplicação de sobretaxa de 50% a produtos brasileiros, com uma lista de quase 700 exceções, como derivados de petróleo, componentes de aviação civil e suco de laranja. Produtos como carne, café e pescados, entretanto, não escaparam da taxação.

O colegiado do BC reforçou a estratégia de manter a Selic em nível elevado por um tempo mais longo para assegurar a convergência da inflação à meta. Para o comitê, é necessária uma política de juros em nível “significativamente contracionista” (ou seja, que contribua para a moderação do crescimento da economia) por período “bastante prolongado” —termo utilizado em cinco passagens na ata.

Assim como no comunicado, o Copom sinalizou que pretende manter os juros estacionados em 15% ao ano no próximo encontro, nos dias 16 e 17 de setembro.

Na indicação dos próximos passos, falou em “continuação na interrupção no ciclo de alta de juros”. Na leitura dos economistas, o colegiado do BC tenta comunicar o fim do ciclo de elevação da Selic sem levar o mercado financeiro a projetar de forma prematura o início de cortes da Selic.

O comitê repetiu que se manterá vigilante e poderá ajustar os passos futuros da política monetária, dizendo que não hesitará em prosseguir no ciclo de ajuste se considerar necessário.

Quanto ao cenário doméstico, ressaltou que a conjuntura de atividade econômica tem indicado “certa moderação no crescimento”, mas com sinais mistos entre setores. Essa desaceleração, segundo o Copom, se reflete de forma mais nítida no cenário de crédito, com recuo nas concessões de crédito livre e elevação tanto nas taxas de juros cobradas como na inadimplência.

“No crédito às pessoas físicas, há um aumento do comprometimento da renda familiar com o serviço das dívidas e um aprofundamento do fluxo de crédito negativo, ou seja, maior pagamento do que contratação de dívida por parte das pessoas físicas”, disse, destacando que o consignado privado tem tido menor impacto do que era esperado por muitos agentes econômicos.

Afirmou que o mercado de trabalho, por outro lado, segue mostrando dinamismo, dando suporte ao consumo e à renda da população brasileira —o que dificulta o trabalho do BC no combate à inflação. O colegiado citou a elevação de salários, com ganhos reais acima da produtividade, e a redução da taxa de desemprego para níveis historicamente baixos.

Na ata, o Copom voltou a defender a necessidade de políticas fiscal e monetária harmoniosas e reforçou a visão de que um menor esforço em reformas estruturais e disciplina fiscal, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm potencial de afetar a potência da política de juros e tornar o processo de desinflação mais custoso.

Esses e outros fatores, como o comportamento das expectativas de inflação para prazos mais longos, mantêm o cenário para a trajetória da inflação desafiador, na avaliação dos membros do comitê.

O objetivo central perseguido pelo BC é 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. A meta de inflação é considerada cumprida se oscilar entre 1,5% (piso) e 4,5% (teto).

Devido aos efeitos defasados da política de juros sobre a economia, o Copom tem hoje a inflação do primeiro trimestre de 2027 na mira. Nesse horizonte, a estimativa do próprio comitê é de 3,4% (acima do alvo).

“Em um ambiente de expectativas desancoradas [longe da meta], como é o caso do atual, exige-se uma restrição monetária maior e por mais tempo do que outrora seria apropriada”, afirmou.

Em relação à inflação corrente, o colegiado do BC destacou que os preços de alimentos apresentaram uma dinâmica um pouco mais fraca do que era esperado e que a variação de bens industrializados continuou perdendo força, sobretudo nos preços ao atacado, recentemente.

Apesar das oscilações de curto prazo, o comitê observou que os núcleos de inflação (medida que exclui do cálculo itens mais voláteis) têm se mantido acima do valor compatível com o atingimento da meta há meses. Na avaliação do colegiado, isso corrobora a interpretação de que a inflação está pressionada pela demanda e requer juros altos por período bastante prolongado.

Para Caio Megale, economista-chefe da XP, o Copom buscou sinalizar que os movimentos recentes da atividade econômica e da inflação não alteraram a avaliação de que o trabalho da política de juros está longe de ser concluído. Na visão dele, a política fiscal parece ser outro fator para uma atuação conservadora no curto prazo e demonstra a necessidade de cautela adicional à frente.

“O Copom continua evitando qualquer sinalização de alívio nos juros (como já havia feito no comunicado pós-reunião da semana passada), sugerindo que a taxa Selic permanecerá em 15% por um período considerável”, disse em nota.

Na projeção da XP, a flexibilização de juros começará em janeiro de 2026. “Um corte antecipado, em dezembro, nos parece mais provável do que um movimento postergado”, acrescentou.

Em relatório, o Citi destacou que a ata do Copom mostrou mais convicção sobre a desaceleração econômica em curso e deu ênfase à maior incerteza ligada às tarifas dos EUA. Na avaliação do banco, não houve indicação de viés para a condução da política monetária no futuro em reação à guerra comercial, exceto uma abordagem mais cautelosa.

“Apesar de vir ligeiramente mais dovish [branda] do que o comunicado (especialmente devido às perspectivas de atividade), a ata continua sugerindo que não há espaço para corte de juros, sustentando nossa projeção de que o ciclo de flexibilização provavelmente se materializará apenas em 2026”, afirmou.

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