Um ano da Taxa das Blusinhas: importados perdem fôlego e mudam o jogo do e-commerce nacional

Uma image de notas de 20 reais
Shopee mudou a estratégia e ampliou oferta de produtos nacionais em sua plataforma
(Guilherme Dionizio / Folhapress)
  • Importações de até US$ 50 caem 31,7% em um ano, passando de 18,3 milhões em julho de 2024 para 12,6 milhões de unidades em junho deste ano
  • Valor transacionado recua 16,7% após início da cobrança e soma R$ 1,2 milhão em junho deste ano, segundo levantamento do BTG Pactual
Por Anna Scudeller e Paula Cristina Compartilhe: Ícone Facebook Ícone X Ícone Linkedin Ícone Whatsapp Ícone Telegram

[AGÊNCIA DC NEWS]. Um ano depois de entrar em vigor, em 1º de agosto de 2024, a taxação sobre compras internacionais de até US$ 50 transformou o mercado de importados no Brasil, especialmente entre varejistas que se abastecem de itens de moda e acessórios de baixo valor agregado. Os dados mais recentes da Receita Federal mostram que, em junho, o volume dessas remessas caiu 31,7% em relação a julho de 2024 – último mês antes da cobrança começar –, passando de 18,6 milhões para 12,7 milhões de unidades. Quando analisado o valor transacionado, também houve recuo, embora em menor intensidade. Os dados, compilados pelo BTG Pactual, revelam que em junho deste ano o montante foi de R$ 1,29 milhão, 16,7% inferior ao registrado em julho de 2024 (R$ 1,55 milhão). “A queda no volume foi de 40% logo no primeiro mês após o início da taxação, e já sinalizava o que viria”, afirma o relatório assinado pelos economistas Luiz Guanais, Yan Cesquim e Pedro Lima.

Segundo o banco, a perda de vantagem de preço tem sido o principal fator por trás da retração. Em janeiro de 2024, a Shein operava com preços 40% inferiores aos praticados por concorrentes nacionais. Hoje, a diferença caiu para apenas 10%. A elevação do ICMS para 20%, anunciada pelo Comsefaz em abril, completou o aperto fiscal sobre essas transações, tornando o cenário ainda mais desafiador para as plataformas estrangeiras e exigindo novas estratégias das varejistas, entre elas a busca por fornecedores nacionais para compor os estoques.

A análise do BTG também lança luz sobre os efeitos da mudança regulatória nas empresas locais. Desde o terceiro trimestre do ano passado, redes como Renner, C&A e Guararapes vêm apresentando resultados acima das expectativas, com impulso direto da retração nas importações. O relatório destaca que a performance do varejo de moda surpreendeu no primeiro semestre, com ganhos consistentes de margem, melhor gestão de estoques e uma dinâmica de preços mais eficiente. “O setor segue resiliente, mesmo em um ambiente macroeconômico ainda incerto”, afirmam os analistas.

Escolhas do Editor

Na outra ponta, as plataformas internacionais começaram a redesenhar suas estratégias para o Brasil. Shein e Shopee têm investido na ampliação de marketplaces locais, nos quais vendedores brasileiros passam a operar diretamente – ou seja, dentro do país e fora do regime da Remessa Conforme. “A operação 1P dessas empresas vem perdendo participação no volume bruto de mercadorias (GMV)”, aponta o relatório, em referência ao modelo em que a própria plataforma importa e vende os produtos. A tendência acompanha o movimento global dessas empresas, que buscam mitigar riscos regulatórios e operacionais.

Essa transição representa uma inflexão estrutural no e-commerce. Se, até 2023, boa parte do crescimento de empresas como a Shein se sustentava na isenção de impostos para remessas de baixo valor, o novo ambiente força uma aproximação maior com os padrões do varejo tradicional. Para o consumidor, isso pode significar menor acesso a preços ultracompetitivos — e, para o mercado nacional, uma janela para consolidar participação em categorias antes dominadas por players asiáticos.

O balanço do primeiro ano da Remessa Conforme mostra, acima de tudo, que a combinação de taxação, fiscalização e adaptação regulatória foi eficaz em conter o avanço descontrolado das importações de pequeno valor. O que virá a seguir depende da capacidade das empresas (nacionais e estrangeiras) de se adaptar ao novo cenário. Como concluem os economistas do BTG, a concorrência segue elevada e deve continuar pressionando os varejistas menos estruturados, especialmente no comércio eletrônico.

REFLEXO NOS ACESSOS – Outro estudo, desta vez o Setores do E-commerce no Brasil, da Conversion, indica que o tráfego do consumidor no ambiente digital confirma a virada. Se em 2024 as plataformas estrangeiras lideravam os acessos, agora eles aparecem em terceiro lugar, com 9,1% do tráfego – atrás de moda (17,5%) e eletrodomésticos (11,2%). “O novo imposto sobre importações tem provocado mudanças importantes na forma como os brasileiros compram online”, diz o estudo. Segundo o levantamento, a perda de participação reflete a mudança na preferência por produtos nacionais e a maior atratividade de plataformas locais, menos sujeitas à taxa e com estratégias de marketing mais adaptadas. “O e‑commerce nacional vive um período de racionalização”, informa o estudo, reflexo de “consumidores mais criteriosos e planejados”.

Plataformas como Shein e AliExpress, que dominavam o tráfego de consumidores em busca de importados, ainda tentam equilibrar preços diante das novas dinâmicas do mercado. De acordo com a pesquisa, os e‑commerces chineses representaram 7% do total de acessos ao varejo digital em junho – um número modesto frente ao pico de 50% antes da taxação. “Com isso, nota-se que a sistematização da cobrança reduziu as compras por impulso e valorizou o mercado interno.”

Além da queda dos importados, houve também uma retração de 6,1% nos acessos relacionados a itens de beleza e cosméticos. Segundo a Conversion, o movimento pode estar ligado ao fim de ciclos promocionais e à mudança de comportamento digital das consumidoras, que estão migrando para compras em apps e marketplaces específicos. “O tráfego do e-commerce tradicional não capta integralmente o consumo digital brasileiro, que é fragmentado”, aponta o relatório. O desempenho negativo dos cosméticos contrasta com a alta de 4,5% registrada pela categoria em maio, o que reforça a volatilidade do segmento.

Fechando os dados de junho, o setor de casa & móveis registrou 10,6% de participação no total de acessos do mês, somando aplicativos e websites. Os destaques foram os móveis planejados e itens de escritório, o que indica uma adaptação do segmento às novas rotinas de trabalho híbrido e permanência em casa. “Alguns setores dependem mais da qualidade da navegação e da maturidade da jornada de compra”, diz o relatório. Para os analistas, o próximo grande desafio do e-commerce será manter a atratividade diante de um consumidor cada vez mais criterioso – e desconfiado dos preços inflados por algoritmos.

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