RIO DE JANEIRO, RJ E BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) – À frente de uma indústria com 1.500 empregados diretos e indiretos, a Atum do Brasil, o empresário Mauro Lucio Peçanha afirma que o tarifaço dos Estados Unidos causou “muita preocupação e dor”.
Sediada em Itapemirim, no Espírito Santo (a 105 km de Vitória), a empresa envia de 70% a 80% da produção de pescados para os Estados Unidos, receita agora ameaçada pela sobretaxa de 50%. Peçanha ainda não tem clareza de como poderá enfrentar o cenário.
“Teve um problema sério com a Covid, mas não se compara com o que está acontecendo hoje. Naquela época, a gente acabou se reinventando, e a coisa voltou a funcionar. Hoje é uma questão de entrega”, diz.
“Sem o consumidor, o que você vai fazer com o produto? É uma situação totalmente inusitada. Peço a Deus para nunca mais passar pelo que estou passando hoje, e gostaria que ninguém passasse. A verdade é essa”, acrescenta.
Peçanha pede urgência em medidas de auxílio dos governos federal e estadual, além de defender a tentativa de avanço nas negociações comerciais com os americanos.
Ele afirma que a Atum do Brasil buscou abrir espaço no mercado interno nas últimas semanas, mas avalia que o país não consegue absorver toda a demanda que iria para os Estados Unidos.
PRODUTOR DE COURO TEME QUE FALTE OXIGÊNIO PARA O SETOR
A preocupação com o cenário não é um sentimento só de Peçanha. Empresários de outros setores ouvidos pela Folha também estão apreensivos com a entrada em vigor do tarifaço de Donald Trump na quarta-feira (6).
Esses exportadores lidam com a frustração de não escapar da sobretaxa de 50%, tentam ajustar a produção ao atual momento e aguardam socorro dos governos.
“A gente não sabe para onde ir neste momento, porque não há clareza do que pode trazer o retorno da atividade”, afirma Cezar Müller, diretor da A.P. Müller, indústria do setor coureiro no município gaúcho de Portão (a 50 km de Porto Alegre).
A empresa gera cerca de 50 empregos, e a produção é voltada para exportações. O couro que passa pela fábrica é usado em diferentes artefatos, como bolsas, cintos e carteiras.
De acordo com Müller, a participação das vendas para os Estados Unidos vinha em crescimento antes do tarifaço, alcançando 90% dos embarques neste ano.
Com a paralisação do mercado americano, a empresa decidiu reduzir jornadas de trabalho e dar férias coletivas.
Enquanto o impasse com os Estados Unidos não é resolvido, Müller diz que o governo federal deveria criar um auxílio para “compensar” o tarifaço.
“Muitas empresas talvez não tenham oxigênio até que eventualmente saia algum tipo negociação [entre os países]. O mercado de couro tem muita fidelidade, projetos integrados. Buscar outros mercados pode levar até um ano. Não é como vender commodities.”
FÁBRICA DE MÁQUINAS GAÚCHA LOTOU ESTOQUE NOS EUA
O presidente do conselho de administração da empresa gaúcha de equipamentos eletrônicos Novus, Aderbal Lima, diz que não havia muito a fazer a partir de quarta, quando entrou em vigor a sobretaxa de 50%.
Por isso, a fabricante procurou se antecipar durante o mês de julho. Antes de o tarifaço ser implementado, focou a produção no mercado americano e conseguiu ampliar o volume de cargas enviadas de avião para os clientes locais.
As mercadorias devem abastecer os Estados Unidos por três meses. Isso foi possível porque a Novus tem unidade de estoque no país governado por Trump.
“É um paliativo”, diz Lima. “Deu tudo certo, a mercadoria está lá, mas daqui para frente é um pavor.”
A fábrica da Novus fica em Canoas, região metropolitana de Porto Alegre, onde gera cerca de 170 empregos. O mercado americano representa em torno de 15% do faturamento com exportações e 8% do total da empresa, de acordo com Lima.
Ele afirma que, em caso de manutenção da sobretaxa de 50% a produtos brasileiros, a Novus poderá instalar uma pequena base de montagem nos Estados Unidos.
“Muitos dos chips sofisticados que usamos são americanos. Não são chineses”, diz. “Agora, qualquer parte que a gente tire de Canoas pioraria a otimização aqui. Se transferir 10% da produção ou 20% para lá, vou ter [cerca de] 80% [da capacidade] aqui, mas com o mesmo custo. Isso não é bom.”
EM CIDADE DE INDÚSTRIA DE PORTAS, ATÉ PADARIA SERÁ AFETADA
No município paranaense de Bituruna (a 320 km de Curitiba), a indústria de portas, molduras e compensados Randa decidiu frear a produção em meio à insegurança do tarifaço.
Com o cancelamento de pedidos de clientes americanos, a empresa deu férias coletivas e está operando com 50% de sua capacidade, segundo o CEO da companhia, Guilherme Ranssolin.
Ele é mais um dos nomes que pedem urgência em medidas de socorro para indústrias. Os Estados Unidos representam em torno de 55% do faturamento da Randa.
De acordo com o CEO, a empresa gera cerca de 800 postos de trabalho em Bituruna, cuja população foi estimada em 15,7 mil habitantes em 2024. Uma das plantas da companhia é moldada para atender os americanos.
No momento, não há como falar em plano B para substituir os compradores dos Estados Unidos, diz Ranssolin.
“Vai afetar muito nossa cidade e o setor madeireiro. Vai afetar também o supermercado, a padaria, o borracheiro e o posto de gasolina. A corrente se inicia por nós e passa para outras pessoas. É muito grave, muito crítico.”
PRODUTORA TEME POR DESTINO DE 500 SACAS DE CAFÉ GOURMET
A produtora de café Raquel Meirelles, que tem plantações no norte e no sul de Minas Gerais, afirma que o setor esperava ser incluído entre as isenções à sobretaxa americana até a última quarta, mas isso não aconteceu.
“Agora que a gente começou a ter conversas mais concretas, porque até então estava muito confiante que essa tarifa para o café não ia se manter”, diz, ao lembrar que os Estados Unidos não possuem produção suficiente para abastecer o mercado interno.
Entre as alternativas avaliadas está o envio de parte das mercadorias para a Colômbia, de onde o café seria embarcado para os Estados Unidos.
“Mas não sei como vai ser a negociação, se o cliente vai assumir essa despesa maior de frete, que costuma ser um custo de quem compra”, afirma a produtora.
Das 8.000 sacas que ela espera produzir nesta safra, 2.000 são de cafés especiais -a categoria mais gourmet do setor, com parâmetros mínimos de aroma e sabor. Desse montante, 500 sacas teriam como destino os Estados Unidos.
Apesar de possuir clientes em outros países, Meirelles afirma que o setor de café especial envolve um relacionamento que é construído ao longo dos anos e que não consegue escoar a produção de uma hora para outra.
O mesmo problema seria enfrentado pelo comprador americano no momento de achar um fornecedor. “Eles [importadores] me sinalizaram que vão continuar comprando os nossos cafés, mas talvez em quantidade menor. E até clientes que estavam com viagem marcada para o Brasil já desistiram de vir [por causa do tarifaço]”, diz.
O diretor-executivo da Associação Brasileira de Cafés Especiais, Vinicius Estrela, afirma que operadores têm procurado produtores e cooperativas para renegociar os contratos futuros. O objetivo é repartir o custo da sobretaxa, para que não recaia somente sobre o consumidor americano.