[VÍDEO] Rua 25 de Março faz 160 anos e inteligência artificial recria em vídeo sua história
"Vou à 25" é expressão que identifica uma região e resume um hábito do paulistano que se espalha pelo Brasil e outros países
Claudio Pucci, autor do vídeo com IA: "O consensado foi dar vida para fotos antigas e contar a história da 25 de Março através disso"
Por Da Redação | texto original Vitor NuzziCompartilhe:
[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS] Adjetivo e sinônimo de comércio popular, a Rua 25 de Março completou 160 anos. E, como convém a um lugar tão emblemático para pessoas de todo o país, carrega trajetória sem igual no universo varejista – retratada em uma série de 20 reportagens produzidas pela AGÊNCIA DC NEWS. Oficialmente, foi batizada em 28 de novembro de 1865, recebendo o nome da data da primeira Constituição do Brasil (de 1824). Hoje, recebe 200 mil pessoas por dia, número que quadruplica em vésperas de datas festivas. Seu impacto é tanto que ela compreende uma área de 17 ruas, com 3,8 mil lojas (1,1 mil apenas na 25, como é chamada) e 30 mil empregos diretos. Para contar essa jornada, de uma região que sofria com enchentes e se tornou polo comercial atravessando séculos, recorremos ao vídeo feito com inteligência artificial (IA) que ilustra esta reportagem.
Mas antes de se tornar esta ‘cidade comercial’ que recebe até 800 mil pessoas num dia de pico, a história leva ao início do século 19. E navega pelo rio Tamanduateí, que corria nas beiras por onde hoje está a 25 de Março. Ali ficava o Porto de São Bento, que depois seria conhecido como Porto Geral – de onde se origina a ladeira que ‘deságua’ na 25. Ali estava também o Beco das Sete Voltas, assim chamado por margear o traçado tortuoso do Tamanduateí. Devido às enchentes rotineiras, em meados do século 19 o leito do rio sofreu alterações. Logo depois, em 1859, a Câmara decidiu oficializar a criação de uma ‘praça de mercado’ naquela área, na região onde ficava a Ponte do Carmo (um paredão erguido na área da atual avenida Rangel Pestana, que ligava o Centro ao Brás) e o Porto de São Bento.
Os construtores que se apresentassem deveriam seguir uma série de recomendações, inclusive com aterro do terreno onde seria erguido o mercado, para evitar alagamentos. Ali foi aberta a rua de Baixo, embrião da 25. O primeiro mercado municipal paulistano foi aberto em 1867, dois anos depois da oficialização da via como 25 de Março. Ele ficava entre a 25 e a rua General Carneiro, a ladeira que vai dar no atual Parque Dom Pedro II. Era chamado de Mercado Grande, Mercado Caipira ou ainda Mercado dos Caipiras.
Durante décadas, foi motivo de debates pela falta de estrutura do local. Em 1898, um anônimo reivindicava, nas páginas de jornal, um “edifício apropriado, com o necessário abrigo, para o Mercado dos Caipiras”. Quase duas décadas depois, em abril de 1916, por exemplo, a Câmara pedia à prefeitura “orçar e executar algum melhoramento”. O argumento: “A nossa capital é frequentada por forasteiros e a primeira visita, em geral, é aos mercados”. Mas a mudança demorou. O Mercadão atual, como é conhecido, foi inaugurado em 25 de janeiro de 1933, na paralela rua da Cantareira, a um quilômetro do Pátio do Colégio.
COLINA – São Paulo e o comércio são na verdade a mesma história. E se a cidade se fez gigante, foi por esse empreendedorismo sempre pioneiro. A cidade se instalou, originalmente, entre a Várzea do Carmo e o Vale do Anhangabaú. No meio deles, a colina onde foi erguido o Pátio do Colégio. Na parte baixa, à beira do Tamanduateí, desvalorizada por causa das inundações, começaram a se instalar os primeiros comerciantes, que o professor e pesquisador Lineu Francisco de Oliveira chamou de mascates.
E uma comunidade em particular se destacava, a de imigrantes sírios e libaneses, saídos no fim do século 19 do então decadente Império Otomano. Em 1904, esses imigrantes já haviam erguido a primeira igreja ortodoxa no Brasil, a Paróquia Ortodoxa Antioquina da Anunciação, conhecida como Igreja de Nossa Senhora, na antiga rua Itobi, atual rua Cavalheiro Basílio Jafet. Um dos primeiros registros de estabelecimentos na 25 foi da Nami Jafet e Irmãos – Benjamin, Basílio e João já estavam no Brasil, enquanto Nami chegou em 1893, quando a família abriu a loja na 25 de Março. O empreendimento daria origem à Fiação, Tecelagem e Estamparia Ypiranga Jafet, fábrica aberta em 1907 no bairro do Ipiranga.
Jafet tornou-se sinônimo de atividade industrial e comercial. A família também foi uma das principais doadoras para a construção da igreja ortodoxa. Mas há pelo menos um registro de estabelecimento anterior (1883): a Casa Alemã, que “nasceu no 2º andar de uma velha casa amarela de taipa, na rua 25 de Março”, segundo anúncio publicado em 1941 que falava de suas origens e se apresentava como parte do “patrimônio moral paulista”. Por lá se vendia artigos de porcelana, cerâmica, roupa de cama, lingerie, bijuterias, artigos para vestuário. No ano seguinte a empresa, publicou outro anúncio, no Correio Paulistano, mais emotivo: “No provinciano São Paulo desses dias [referindo-se a 1883], é a rua 25 de Março o centro preferido dos comerciantes emigrados de todas as pátrias”.
Era a rua do comércio estrangeiro. “Há aí uma casa que o povo chama armênia, outra portuguesa, outra alemã, porque armênio, português, alemão são seus donos”, afirmou ainda a Casa Alemã, que a essa altura estava instalada na rua Direita. Mas o Brasil entrou na Segunda Guerra e os estabelecimentos que tivessem no nome Alemanha, Itália ou Japão precisaram alterar suas marcas. A Casa Alemã tornou-se Galeria Paulista de Modas, que se manteve na ativa até 1959. O brasilianista Warren Dean (1932-1994) destaca dois elementos centrais desse período no livro A Industrialização de São Paulo (1969): os imigrantes comerciantes de um lado, e uma população pautada pelo consumo de outro. Segundo Dean, no início do século 20 “o negócio das importações atingira o zênite”, o auge. Nas “lojas apinhadas dos sírios, que comerciavam com fazendas na Rua 25 de Março”, ou nas lojas de luxo da São Bento, o paulista comprava de tudo: “Todos os produtos da Europa e dos Estados Unidos, desde o mais básico até o mais supérfluo”.
REVOLUÇÃO E SAQUES – A São Paulo do fim da primeira metade do século passado havia crescido de forma vertiginosa. Em 1890, segundo o Censo, a cidade tinha 65 mil habitantes. Dez anos depois, já eram 240 mil. No início da década de 1920, quase 600 mil – 205 mil estrangeiros, 35% do total. E seriam 1,3 milhão em 1940. Ou seja, num prazo de cinco décadas a população multiplicara por 20. A essa altura, a 25 de Março já possuía pelo menos 500 lojas, majoritariamente abertas pelos sírios e libaneses. E a região já carregava também suas cicatrizes. Além das enchentes dos primórdios, a 25 de Março também sofreu as consequências dos ataques contra São Paulo, bombardeada pelo governo federal durante quase todo o mês de julho de 1924, na chamada Revolução de 1924 ou Revolta Paulista – movimento de origem militar que provocou forte impacto civil e pretendia derrubar o então presidente Artur Bernardes.
Segundo o historiador Moacir Assunção, deixou 503 mortos, quase 5 mil feridos e 250 mil em busca de refúgio. O desabastecimento provocou saques em busca de alimentos, como no dia 9 de julho: “Começam os saques em armazéns da Mooca e do Bom Retiro e o Mercadinho da rua 25 de Março é incendiado”. Após o fim da revolta, a prefeitura informou que 103 estabelecimentos comerciais e industriais sofreram saques, bombardeios, incêndios e roubos. A lista incluía o Mercado Municipal de Aves e a Oficina Duprat, na 25. A Associação Comercial de São Paulo (ACSP) fez pelos jornais um apelo por solidariedade, pedindo “aos habitantes desta generosa cidade que recebam em suas casas, na medida de suas forças, as mulheres, velhos e crianças desamparados”. O texto é assinado pelo então presidente da ACSP, José Carlos de Macedo Soares.
Na época da revolta, os comerciantes ainda moravam com suas famílias na parte de cima dos estabelecimentos. Apenas a partir dos anos 1930 eles começariam a se deslocar para outras regiões, como os bairros de Vila Mariana e Paraíso, e o piso superior se tornaria depósito. De acordo com livro publicado por Rose Kuraicho sobre as memórias da chamada “rua dos árabes”, nesse período a 25 de Março tinha três regiões definidas. Uma ficava mais próxima à praça da Sé, onde se vendiam galinhas. Na esquina da General Carneiro com a 25, estavam os primeiros atacadistas de tecidos. No sentido do Anhangabaú, “pequenas lojas de armações e panos para cortinas”.
Busca em anúncios nos jornais, em meados dos anos 1940, mostra predominância de indústrias e lojas de tecidos ao longo da 25 de Março. Basta ver a sequência: Irmãos Camerini (número 324), Mercantil de Tecidos (449), Salvador Hannud & Filho Rendas e Armarinhos (501), Michel Chohfi (555), Assad Abdalla (591), Fiação Campinas (607), Gasparian (também 607), A Nova Aliança de Tecidos (614), Afez Chohfi (661), Sedadada (673), Sedas Luiz XV (687), Lotaif (693), Nemer Haddad (785), Waldomiro Bussab (816), Tecidos L.G. Toledo (830), Paulista (853), Matuck (858), Zacharias (1.012), São Sebastião (1.085), Pereira Sobrinho (1.091), Companhia Comercial de Tecidos (1.212) e Tecidos Kalil (1.260).
BONDES – A região já havia se tornado um espaço frenético. Uma notícia recorrente nos jornais dos anos 1930 a 1950 era sobre acidentes – atropelamentos, batidas e quedas – com bondes, muitos ocorridos no entorno da 25. A última linha de bondes da cidade deixou de circular em março de 1968. A atual administração municipal tem um projeto denominado Bonde São Paulo, que prevê circulação de veículos leve sobre trilhos (VLTs) na região central, com capacidade para atender 130 mil pessoas por dia. Segundo a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL), estão previstas duas linhas, com 12 quilômetros de extensão. Deve conectar “bairros estratégicos, como Bom Retiro e Brás, facilitando o acesso a importantes pontos culturais e econômicos”. O que inclui a rua 25 de Março.
A 25 de Março atravessou fases em relação aos produtos ali comercializados. Foi de centro atacadista, marcadamente têxtil, até a década de 1950, para um varejo mais diversificado, que se adapta às datas comemorativas. Dos tecidos e armarinhos iniciais para as bijuterias e dali para os eletroeletrônicos (que virariam marca da Santa Ifigênia). O que coincide com a chegada dos chineses à região. Neste 2025, inclusive, foi realizada a terceira edição do Festival da Lua. A 25, como microuniverso paulistano, passou por enchentes, bombardeios, guerras, levas migratórias, viu chegar os shopping centers – a partir dos anos 1960 –, testemunhou a expansão da cidade para os bairros, sentiu a deterioração do Centro e as iniciativas do poder público para sua revitalização, a criação do comércio eletrônico, a inflação e as oscilações do câmbio. E continuou sendo um centro de peregrinação de compras.
Também não poderia ficar de fora do radar de Adoniran Barbosa, o compositor por excelência das coisas de São Paulo. A 25 é citada em Bazares, composição de Adoniran e Evandro do Bandolim – cujo refrão é “Mais um aqui pro fregueis, / Divinha que tem na mão / Aqui caro sai barato / E tem até prestação.” Foi gravada pela primeira vez em 2000 pelo cantor Passoca, em álbum que reuniu inéditas de Adoniran. É uma ode ao comércio paulistano, que tem a 25 como seu berço. João Rubinato, nome verdadeiro de Adoniran, por sinal, trabalhou ali. Como vendedor e entregador, nos anos 1930. ‘Vou à 25’ é uma expressão que identifica uma região e resume um histórico hábito do morador da capital paulista que se espalhou pelo Brasil e outros países. Afinal, a 25 de Março é o local onde “tem de tudo”. Como São Paulo.
É para narrar essa trajetória que usamos a inteligência artificial, e com IA tentar resumir a jornada de 160 anos da 25 em vídeo feito a partir de muita pesquisa, imagens históricas e outras recriadas. A seguir a entrevista com Claudio Pucci, fundador da PuccIA, a agência responsável pelo vídeo.
Claudio Pucci: “Uso IA para dar vida à minha criatividade e ao que o cliente precisa” (Reprodução LinkedIn)
AGÊNCIA DC NEWS – Há quanto tempo você trabalha com geração de imagens por ferramentas de inteligência artificial? CLAUDIO PUCCI – Faz quase três anos. Comecei porque gosto de fotografia, gosto de arte, gosto de quadrinhos, e comecei a brincar com isso. Desde as ferramentas mais simples de dois, três anos atrás, que faziam pessoas com pele plástica, até chegar no apuro que existe hoje. Você consegue porosidade e tudo mais.
AGÊNCIA DC NEWS – Que tipo de criação? CLAUDIO PUCCI – Eu criei personagens para Instagram, personagens para cliente… Uso a inteligência artificial para dar vida à minha criatividade e ao que o cliente precisa.
AGÊNCIA DC NEWS – Como foi o projeto dos 160 anos da Rua 25 de Março? CLAUDIO PUCCI – Quando fui procurado para essa história da 25 de Março, foi uma forma de unir duas coisas que amo de paixão: a inteligência artificial com a história, especialmente a história da cidade em que moro.
AGÊNCIA DC NEWS – E o desenvolvimento se deu de que maneira? CLAUDIO PUCCI – O que a gente consensou? Animar fotos antigas, dar vida para fotos antigas e contar a história da 25 de Março através disso. Combinamos não colorizar as fotos, deixar em preto e branco. Até para ter esse caráter histórico. Aí, para animar essas fotos, usei dois programas que estão disponíveis na internet.
AGÊNCIA DC NEWS – Quais? CLAUDIO PUCCI – Um é o Kling, um clássico que está sempre se inovando para fazer imagens e fazer animações muito corretas, muito profundas. E o outro é o SeaArt, site chinês que acaba sendo um hub de criadores e também tem ferramentas de vídeo para IA muito boas.
AGÊNCIA DC NEWS – Qual a maior dificuldade? CLAUDIO PUCCI – Fazer com que a IA faça aquilo que você pediu no prompt.
AGÊNCIA DC NEWS – O que acontece? CLAUDIO PUCCI – A inteligência artificial vai fazer animação, mas ela tem alguns limites. Por exemplo, quanto mais detalhes você quer animados na imagem, mais vai dar chance de erro, ou de gente borrada, ou de coisas surreais, como pessoas atravessando outras pessoas. Então, quanto menos elementos você tem o resultado é muito melhor. Mas algumas imagens que a gente fez traziam muitos elementos.
AGÊNCIA DC NEWS – Como você resolveu? CLAUDIO PUCCI – Tentei pegar imagens que fossem a distância, até para não ficar tão latente essas pequenas dificuldades que aparecem.
AGÊNCIA DC NEWS – Houve outros problemas? CLAUDIO PUCCI – Outra dificuldade, que também foi resolvida por Iá, é criar situações. Eu não tinha fotos de lojas da 25 de Março de 1910. Então eu peguei fotos de 1910, peguei fotos da 25 de Março e fiz a IA criar interiores de loja. E a partir disso eu animei essas lojas.
AGÊNCIA DC NEWS – Por exemplo… CLAUDIO PUCCI – A sequência final, onde aparecem os vendedores se despedindo, desde 1890 até 1980, foi feita assim. Eu fui pedindo fotos, coloquei fotos de referência de lojas para que eles criassem o material que eu quisesse para poder animar. Para criar as fotos e depois animar, eu utilizei o Freepeek Picasso, que é um programa que já uso há anos. Freepik era um site onde você assinava e podia baixar imagens, baixar PSDs para Photoshop… Aí eles acabaram caindo de cabeça com a parte de inteligência artificial. E é muito bom, muito fácil de usar e dá resultados excelentes.
AGÊNCIA DC NEWS – E a parte sonora? CLAUDIO PUCCI – O melhor site hoje de IA para narração é o ElevenLabs. Tem uma série de vozes já programadas, que você pode usar, e também permite que você crie a sua.
AGÊNCIA DC NEWS – No caso do Projeto 25 de Março em IA foi feito como? CLAUDIO PUCCI – A gente quis achar uma voz que fosse simpática, que fosse calorosa, que fosse gostosa de ouvir, que não ficasse monótona. E acho que funcionou muito bem.
AGÊNCIA DC NEWS – E a trilha sonora? CLAUDIO PUCCI – A parte musical, que estou descobrindo mais agora, aprendendo a usar o programa, que se chama Suno. Você cria uma música através de um prompt.
AGÊNCIA DC NEWS – De que maneira? CLAUDIO PUCCI – Você faz o comando dizendo a estrutura da música que você quer, que ritmo, que instrumentos, qual é o tema, se você quer algum refrão… E ele cria a música pra você. No caso da história da 25, nada seria mais apropriado saudoso e gostoso e bonito do que um chorinho. Então eu criei quatro a seis músicas e escolhi a que mais encantou meu coração e que mais fez o vídeo rodar, que é essa Velhos Lampiões.
AGÊNCIA DC NEWS – O título da música é seu? CLAUDIO PUCCI – Foi uma sugestão do Suno. Como achei o nome muito bonito, deixei.
AGÊNCIA DC NEWS – Um caminho criativo, mas ainda difícil, não? CLAUDIO PUCCI – Teve muita coisa errada? Meu Deus do céu! Sim, teve muita coisa errada. Teve imagem em que precisei gerar umas dez vezes até chegar naquilo que queria, teve vídeos que ficaram muito engraçados porque não tinham nada a ver com o que pedi. Coisas do tipo eu pedir para a mulher acenar para a câmera e a mulher se descabelar. Mexer com IA é mexer também com a sua paciência. Ter paciência e entender por que aquele comando não foi entendido pela IA.