Carlos Guerra, CEO do Giraffas: "Preferimos liderar em refeições completas do que brigar com fast foods"

Uma image de notas de 20 reais
Carlos Guerra: depois dos sanduíches, aposta nos pratos completos "revolucionou a marca"
(Divulgação)
  • Rede criada em Brasília em 1981 cresce movida a franquias e atinge pela primeira vez R$ 1 bilhão em faturamento
  • Com 400 unidades pelo país, empresa planeja abrir 36 em 2025. E estuda entrada no mercado da América Latina
Por Vitor Nuzzi

[AGÊNCIA DC NEWS]. A rede Giraffas, criada em Brasília em 1981, atingiu pela primeira vez neste ano a marca de R$ 1 bilhão em faturamento, 10,3% a mais do que no anterior – e pretende repetir a dose em 2025. O objetivo é crescer 10%. Além disso, pretende inaugurar 36 novas unidades pelo país – hoje, o grupo tem quase 400 lojas, que atendem 70 mil pessoas todos os dias e onde são consumidas 2 mil toneladas de arroz e 1,8 mil toneladas de feijão por ano. Produtos que são “a cara do Brasil”, como enfatiza a empresa. E que também fazem parte do cardápio, inclusive afetivo, de Carlos Guerra, CEO do Giraffas. “Além de adorar pratos brasileiros, também cultivo uma paixão pela gastronomia mediterrânea e japonesa”, disse. “Sou conhecido por preparar paellas para amigos.”

A história de Carlos Guerra inclui mudanças. A mãe, funcionária pública federal, foi transferida de Pernambuco para Brasília no final dos anos 1970. Ele, que já havia sido aprovado no vestibular de Engenharia Elétrica na Universidade Federal de Pernambuco, pediu transferência para a Universidade de Brasília. Mas ficou sabendo de uma lanchonete que estava à venda e trocou a carreira acadêmica pela área de alimentação. Nos primeiros tempos, ficou literalmente na cozinha. Começou a perceber que o movimento crescia no final da tarde e que, mesmo no almoço, os clientes já não queriam sanduíche. Levou ainda um tempo até chegar ao formato como a rede se tornou conhecida, com base no tradicional PF. O tíquete médio é de R$ 46,52 nas vendas de balcão e sobe para R$ 49,45 no autoatendimento feito nos totens. “Preferimos ser líderes no segmento de refeições completas, em vez de disputar o mesmo mercado das grandes redes de fast food”, afirmou Carlos Guerra, 62 anos, há 43 no comando do Giraffas. E, depois de uma experiência malsucedida nos Estados Unidos, estuda com cautela uma entrada no mercado da América Latina.

AGÊNCIA DC NEWS – De R$ 500 milhões em 2010 para R$ 1 bilhão. Como o Giraffas atravessou turbulências econômicas, crise política e pandemia para chegar a esse patamar?
Carlos Guerra – O Giraffas sempre enfrentou desafios com resiliência e capacidade de adaptação. Já passamos por planos econômicos, hiperinflação nos anos 80, a recessão de 2015/2016 e, mais recentemente, a pandemia. Essa experiência acumulada nos ensinou a atuar com agilidade, mantendo um rigoroso controle de custos e preservando a qualidade dos nossos produtos.

Escolhas do Editor

AGÊNCIA DC NEWS – Na pandemia, por exemplo…
Carlos Guerra – Racionalizamos o cardápio, modernizamos as lojas e oferecemos suporte aos franqueados com flexibilização de royalties. Também investimos em tecnologia, delivery e no formato digital Saffari, que hoje representa 18% das vendas via delivery. Essa combinação de tradição, inovação e foco no cliente foi essencial para alcançarmos a marca de R$ 1 bilhão.

AGÊNCIA DC NEWS – A rede nasceu vendendo sanduíche e passou para os pratos básicos. Como o cardápio foi sendo elaborado ao longo do tempo?
Carlos Guerra – O Giraffas começou em 1981 com sanduíches, sucos e sorvetes, mas ainda nos anos 80 testamos vários formatos de pratos e no início dos anos 90 lançamos nossa linha de grelhados após identificarmos uma oportunidade: os brasileiros buscavam refeições completas fora de casa. Assim, em 1990, lançamos os pratos com arroz, batatas fritas, salada e grelhados.

AGÊNCIA DC NEWS – O que entrou e não saiu mais?
Carlos Guerra – No final da mesma década [de 1990], lançamos a linha Giraffas Brasil, que introduziu o feijão no cardápio. Posteriormente, pratos como estrogonofes, parmegiana e outros. Essa aposta em pratos completos revolucionou a marca e hoje representa 60% do faturamento.

AGÊNCIA DC NEWS – O cardápio acompanha as mudanças?
Carlos Guerra – O Brutus, um sanduíche clássico, permanece no cardápio desde os primeiros anos. Já as inovações mais recentes, como espetinhos, sobremesas como petit gâteau e novos acompanhamentos demonstram que o cardápio continua evoluindo com as tendências e hábitos dos consumidores. [As vendas de petit gâteau cresceram 60% em novembro, segundo a empresa.]

AGÊNCIA DC NEWS E qual foi a estratégia para enfrentar a concorrência de gigantes do fast food?
Carlos Guerra – Nossa principal estratégia sempre foi a diferenciação. Enquanto as grandes redes de fast food focam em sanduíches, oferecemos pratos completos que combinam qualidade e custo-benefício, com destaque para itens como arroz e feijão – pratos que representam tradição e acolhimento. Além disso, apostamos em inovação constante, tecnologia como totens de autoatendimento, aplicativo e cashback, e lançando campanhas promocionais competitivas. Preferimos ser líderes no segmento de refeições completas a disputar o mesmo mercado das grandes redes de fast food.

AGÊNCIA DC NEWS A abertura de franquias foi decisiva para a expansão?
Carlos Guerra – Sim, as franquias foram fundamentais.

AGÊNCIA DC NEWS – Quando começou?
Carlos Guerra – A primeira experiência, quando o sistema de franquia ainda dava os primeiros passos no Brasil, foi em 1991. Testamos o modelo com um restaurante já existente. A primeira unidade construída desde o início por um franqueado foi em Sobradinho (DF), em 1992.

AGÊNCIA DC NEWS – E hoje?
Carlos Guerra – Atualmente, são cerca de 400 unidades em 25 estados. O modelo de franquia nos permite escalar o negócio de forma rápida, ao mesmo tempo em que mantém a consistência na experiência do cliente.

AGÊNCIA DC NEWS – Vocês chegaram a pensar em outro nome?
Carlos Guerra – O nome já existia quando adquirimos a lanchonete, em fevereiro de 1981. Foi uma escolha feliz dos antigos proprietários da primeira loja, aberta no final de 1979. O nome é lúdico, memorável e caiu no gosto do público. Nunca pensamos em mudar, pois a girafa representa nossa identidade e acompanha toda a trajetória da marca.

AGÊNCIA DC NEWS De onde vêm o arroz e o feijão servidos em todas as unidades? Como garantir que o prato seja preparado de forma homogênea em todo o país?
Carlos Guerra – Os insumos vêm de fornecedores locais homologados, que passam por um rigoroso controle de qualidade, similar à escolha cuidadosa que faço com ingredientes até na minha cozinha pessoal. O arroz e feijão são preparados diariamente, mais de uma vez por dia, garantindo frescor e consistência. Além disso, utilizamos ferramentas de planejamento baseadas em dados históricos, que calculam as quantidades exatas para cada unidade, minimizando perdas. Por fim, investimos constantemente no treinamento das equipes por meio do Universo do Saber, nossa plataforma de capacitação.

AGÊNCIA DC NEWS Vocês já fizeram pesquisa sobre hábitos alimentares do brasileiro. Algum dado chegou a surpreender?
Carlos Guerra – Sim, realizamos um estudo em 2023 que trouxe um raio-x detalhado dos hábitos alimentares na praça de alimentação. A pesquisa considerou uma amostragem robusta de mais de 70 mil consumidores diários da rede, totalizando cerca de 25 milhões de refeições ao longo do ano. Esse estudo revelou comportamentos interessantes, como: preferência pela carne vermelha, seguida pelo frango; a casquinha como sobremesa favorita entre os clientes; e uma tendência crescente de compartilhamento de pratos, especialmente entre famílias e grupos.

AGÊNCIA DC NEWS – Houve alguma mudança a partir das informações obtidas?
Carlos Guerra – Apesar dos dados relevantes, não fizemos mudanças no cardápio. O objetivo principal do estudo foi justamente mapear o comportamento de consumo.

AGÊNCIA DC NEWS –A empresa surgiu em Brasília e tem presença forte na região Centro-Oeste. Há possíveis novos mercados domésticos no radar?
Carlos Guerra – Além do Centro-Oeste, estamos fortemente estabelecidos no Sudeste, Nordeste, Norte e nos últimos três anos crescendo rapidamente na região Sul. Para 2025, planejamos inaugurar 36 novas operações, distribuídas em todas as regiões do Brasil. [A rede tem hoje 392 lojas: 130 na região Sudeste, 125 no Centro-Oeste, 61 no Sul, 49 no Nordeste e 27 no Norte.]

AGÊNCIA DC NEWS – No mercado internacional, por que os Estados Unidos? Pensam em ir a outros lugares da América Latina?
Carlos Guerra –
Em 2011, executamos um plano de internacionalização nos Estados Unidos, chegando a operar dez unidades em Miami. Adaptamos o cardápio para incluir opções mais familiares ao paladar americano, mas sem perder a essência brasileira com pratos como arroz, feijão e proteína. No entanto, a operação foi encerrada em 2018.

AGÊNCIA DC NEWS – O que ficou dessa experiência?
Carlos Guerra – Apesar do insucesso, a experiência trouxe lições valiosas que nos ajudaram a fortalecer e aprimorar a operação no Brasil. Atualmente, estudamos mercados na América Latina. Especialmente países com afinidade cultural e demanda crescente por refeições acessíveis e de qualidade. Mas ainda sem planos confirmados.

AGÊNCIA DC NEWS – O país vive novo período de alta dos preços de alimentos. Em que medida isso pode atingir o cardápio que é oferecido ao público?
Carlos Guerra – Utilizamos estratégias como negociações intensas com fornecedores, otimização da operação e lançamento de alternativas acessíveis. Evitamos repassar custos integralmente, mantendo o melhor custo-benefício na praça de alimentação.

AGÊNCIA DC NEWS – O delivery cresceu 24% neste ano e representa quase 9% da receita. O senhor já fez críticas ao sistema de delivery, que seria praticamente um monopólio. A situação mudou?
Carlos Guerra – Ainda é um desafio, devido às altas taxas. E continua muito concentrado com praticamente um único operador de marketplace e logística. No entanto, reforçamos nossa operação própria, investimos na marca Saffari e no APP do Giraffas, que oferece cashback e promoções exclusivas.

AGÊNCIA DC NEWS – Por falar nisso, qual a importância do serviço de marmitas criado pelo grupo (Saffari)?
Carlos Guerra – O Saffari surgiu como resposta à pandemia e se consolidou. Hoje, com 201 unidades, representa 18% do delivery e cresceu 33% em 2024 [alcançou R$ 13,5 milhões em receita até outubro]. Com foco em praticidade e qualidade, atende a uma demanda crescente por refeições individuais.

AGÊNCIA DC NEWS – Que avaliação o senhor faz da Reforma Tributária, que acaba de ter a regulamentação aprovada no Senado? Entidades do comércio receiam que as empresas optantes do Simples sejam prejudicadas.
Carlos Guerra – A reforma é necessária, mas precisa ser mais equilibrada. A carga vai aumentar para o setor de serviços, o que é preocupante. Defendemos um sistema mais justo e equânime para todos os setores. Em relação ao Simples, acreditamos que não haverá mudanças significativas.

AGÊNCIA DC NEWS – Gostaria de saber um pouco de sua história, em especial relacionada à comida…
Carlos Guerra – Minha paixão pela comida começou cedo, inspirada pelo hábito de frequentar as lanchonetes de Brasília,  que viviam um boom de opções no final dos anos 70. Aos 15 anos, fui para os Estados Unidos e fiquei fascinado pelo universo das redes de fast food e pelo já maduro mercado de franquias. Essa experiência foi o embrião do forte interesse no mercado de fast food, que começou em 1981 com a compra de uma lanchonete existente havia pouco tempo em Brasília de nome Giraffas.

AGÊNCIA DC NEWS – Gosta de cozinhar?
Carlos Guerra – Hoje, além de adorar pratos brasileiros como arroz com feijão, que se tornaram o coração da rede, também cultivo uma paixão pela gastronomia mediterrânea e japonesa. Sou conhecido por preparar paellas para amigos.

AGÊNCIA DC NEWS – E como aprendeu?
Carlos Guerra – A partir de uma receita de uma amiga, que por sua vez havia aprendido com a sogra, espanhola, e que venho aprimorando ao longo dos anos. Cozinhar é um prazer para mim. Algo que conecta o cuidado com os ingredientes à mesma atenção que aplico nos processos do Giraffas. 

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