ARTIGO, por Claudia Abdul Ahad Securato. "IA aplicada ao Direito do Trabalho: os limites da automação"

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Claudia Abdul Ahad Securato e a IA no direito
(Divulgação)
  • "Cabe ao poder público, como representante dos jurisdicionados, o estabelecimento de diretrizes e políticas que coloquem a IA a serviço do ser humano"
  • "Em situações mais repetitivas, como demandas massificadas, a IA pode ser útil. Muitos desses processos se fundamentam em provas pré-constituídas"
Por Claudia Abdul Ahad Securato Compartilhe: Ícone Facebook Ícone X Ícone Linkedin Ícone Whatsapp Ícone Telegram

[AGÊNCIA DC NEWS]. A inteligência artificial (IA) traz consigo inovações que prometem revolucionar a forma com que trabalhamos e interagimos, e suas ferramentas têm sido amplamente adotadas por empresas e instituições, incluindo o Poder Judiciário. No entanto, quando falamos de relações humanas, e aqui trataremos especificamente do Direito do Trabalho, a aplicação de inteligência artificial à instrução e julgamento de demandas enfrenta desafios que não podem ser ignorados. 

O Direito do Trabalho lida com relações humanas complexas, que muitas vezes não são sistematizadas ou idênticas. Cada caso, cada relação de trabalho são únicos e carregam nuances que vão muito além da capacidade de um algoritmo. É inegável que perante o Poder Judiciário há casos que à primeira vista são semelhantes, e que ensejaram resultados diferentes. Provas diferentes são produzidas, e decisões judiciais muitas vezes divergem, mesmo em situações aparentemente análogas. 

Um exemplo claro está na interpretação de cartões de ponto em demandas envolvendo horas extras. Enquanto um juiz pode considerar válidos documentos preenchidos de determinada maneira, outro pode invalidá-los. Essa disparidade, que à primeira vista pode parecer uma falha do sistema, reflete, na verdade, a riqueza de nuances que envolvem cada caso. 

Escolhas do Editor

Aqui surge o questionamento: como a IA poderia captar essas nuances? Como um sistema, por mais avançado que seja, compreenderia as subjetividades presentes em depoimentos ou as sutilezas de uma perícia? O Direito Trabalhista não é um campo de respostas automáticas, mas sim de análises que exigem sensibilidade e contextualização.

É inegável que a produção de interpretação das provas no Direito do Trabalho depende da subjetividade, seja no momento de sua coleta ou na interpretação. Como a IA pode interpretar o relato de preposto, o depoimento de uma testemunha ou compreender situações que envolvem anos de trabalho com nuances e especificidades, e dinâmicas de relacionamentos eminentemente humanos? 

E como a IA vai lidar com questões delicadíssimas, a exemplo de assédio moral e sexual, que não se limitam a critérios objetivos? Não basta verificar se houve ou não comportamentos que se enquadram em uma definição objetiva. É essencial compreender o impacto do contexto, das relações interpessoais e do ambiente em que o fato ocorreu, além de entender as peculiaridades dos envolvidos, suas vulnerabilidades, suas intenções. 

A IA, por mais precisa que seja, ainda não possui a empatia necessária para interpretar essas situações de maneira justa. Por mais avançada que a IA seja, ela ainda carece de humanidade. Uma máquina não compreende a amplitude e profundidade dos impactos emocionais ou sociais de um comportamento inadequado em um ambiente de trabalho. 

Isso não significa que a inteligência artificial não tenha um papel de crescente relevância e aplicabilidade no direito. Em situações mais simples e repetitivas, como demandas massificadas, a IA pode ser extremamente útil. Muitos desses processos se fundamentam em provas pré-constituídas, e especificamente perante todo o sistema dos Juizados Especiais, não envolvem produção de provas complexas por expressa previsão legal.

A IA pode, por exemplo, identificar processos individuais que se enquadram em decisões coletivas, temas repetitivos, ou de forma mais prosaica, de questões que sejam reiteradas para determinados fornecedores ou empresas litigantes de alto volume. Nessas situações, sua capacidade de processar grandes volumes de dados com rapidez é inegável. Seu bom uso pode beneficiar o jurisdicionado ao fornecer soluções mais objetivas e rápidas, e por outro lado, libera advogados, juízes e servidores para se concentrarem em questões mais complexas.

Por sua vez, as situações estratégicas observadas no âmbito trabalhista possuem natureza distinta. O Direito do Trabalho objetiva eminentemente a proteção do trabalho humano digno, e isso exige mais do que algoritmos. A interpretação das provas, a análise do contexto e a busca pela verdade demandam discernimento humano.

A aplicação da inteligência artificial no Poder Judiciário merece mais atenção. Cabe ao poder público, como representante dos jurisdicionados, o estabelecimento de diretrizes e políticas que coloquem a IA a serviço do ser humano, e não o contrário. É fundamental que a aplicação de tecnologia no Judiciário respeite o preceito constitucional que protege o trabalho humano, garantindo a dignidade da pessoa do trabalhador e sua subsistência.

A inteligência artificial não é por si só o futuro do direito, mas pode e deve ser uma ferramenta para tornar o futuro do direito cada vez mais eficiente e justo. A necessidade de humanidade e justiça verdadeira só serão alcançadas com o equilíbrio entre tecnologia e sensibilidade humana, o primeiro como ferramenta de suporte que, se bem utilizada, permite aos operadores usarem de seu próprio discernimento para garantirem a proteção da dignidade, segurança e justiça que move todo o sistema.

CLÁUDIA ABDUL AHAD SECURATO
É sócia do Securato & Abdul Ahad Advogados.

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