BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Informações públicas do Governo dos Estados Unidos apontam que o ex-ministro Anderson Torres desembarcou em Orlando, na Flórida, em 7 de janeiro de 2023, portanto antes dos atos golpistas de 8 de janeiro, e regressou ao Brasil de Miami no dia 13 do mesmo mês.
Os dados levantam dúvidas sobre uma suspeita apontada pela PGR (Procuradoria-Geral da República) nas alegações finais no processo central da trama golpista.
Na acusação, a PGR diz ter identificado possível falsidade do documento apresentado pela defesa, de que Torres teria programado a viagem ainda em novembro, descartando uma saída de última hora, na véspera dos ataques de 8 de janeiro.
A Procuradoria faz menção a uma resposta oficial da Gol, que diz não ter encontrado o nome de Anderson Torres no localizador fornecido por ele e em voo que partiu de Brasília a Orlando.
O tema não tinha sido abordado anteriormente durante a investigação e o processo.
Não há citação na suspeita levantada pela PGR nas alegações finais se a Polícia Federal, que controla a entrada e saída de brasileiros, foi procurada para dar informações a respeito.
Em reservado, agentes da Polícia Federal também apontam que os registros internos da corporação mostram que Torres saiu do Brasil no dia 6 de janeiro.
Os dados da viagem do ex-ministro constam no histórico de chegadas listado pelos Estados Unidos para rastrear a entrada e saída de estrangeiros no país. A informação foi acessada pela Folha.
Procurada, a PGR afirma que suas alegações não discutem a presença de Torres nos EUA, mas a data da compra da passagem. “Cabe reforçar que o dado informado pelo I-94 [formulário de controle] pode demonstrar o ingresso nos EUA, mas não afasta a discussão sobre a data da aquisição da passagem”, diz a nota da PGR.
“A informação sobre a inconsistência do localizador apresentado pela defesa veio da empresa aérea pela qual ele voou e que negou a saída no voo Brasília-Orlando no dia 7 de janeiro. A informação é oficial e foi fornecida pela Gol, não sendo de responsabilidade da PGR, que apenas apontou a incongruência e a necessidade de eventual investigação para comprovar o fato”, afirma a Procuradoria.
A saída está registrada pela PF no dia 6 de janeiro e o trecho da Gol citado na acusação não fala em datas.
A PGR disse que “é essencial reforçar que a discussão sobre a data da compra da passagem não é um dado central na descrição dos fatos e nem das provas sobre a atuação de Anderson Torres”.
A discussão, diz a PGR, “centra-se exclusivamente no debate com duas teses de defesa: a antecedência da compra da passagem, em uma viagem que não era do conhecimento do governador do Distrito Federal; e a afirmação de que não teria viajado se soubesse da gravidade dos informes que antecederam os fatos de 8 de janeiro, mesmo que os autos demonstrem que já tinha ciência das informações”.
Anderson Torres, réu no inquérito da trama golpista, foi ministro da Justiça do governo Bolsonaro e era secretário da Segurança Pública do Distrito Federal à época dos ataques de 8 de janeiro.
A suspeita a respeito da viagem dele foi apresentada nas alegações finais do principal processo, enviadas ao STF (Supremo Tribunal Federal) na segunda-feira (14).
O texto assinado pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, diz haver indício de falsidade no documento apresentado pela defesa de que Torres teria comprado uma passagem em novembro de 2022 e viajado de férias com sua família em 6 de janeiro de 2023, dois dias antes dos ataques na praça dos Três Poderes.
A PGR afirmou que a defesa de Torres só tinha juntado no processo um print da passagem, “sem apresentar o comprovante da compra ou o bilhete aéreo de forma autônoma”.
“A Procuradoria-Geral da República identificou a possível falsidade do documento apresentado pela defesa, o que não apenas reforça a gravidade da conduta do réu Anderson Torres à época dos crimes, mas deverá justificar a adoção de providências adicionais em relação ao novo fato aparentemente ilícito”, disse a PGR nas alegações finais.
Nos autos, a PGR afirma que procurou a companhia aérea Gol e a questionou a respeito do voo. A empresa respondeu que o localizador informado “não condiz com os dados descritos em nome de Anderson Gustavo Torres” e que não identificou o nome do ex-ministro no voo.
Procurada pela reportagem, a Gol disse que não iria se manifestar.
“A escandalosa constatação coloca em xeque a versão do réu de que sua viagem já se encontrava agendada desde muito antes e confirma a sua estratégia deliberada de afastamento e conivência com as ações violentas que se aproximavam”, dizem as alegações finais.
A PGR ainda acrescenta ser “insubsistente a versão de que houve comunicação prévia da viagem ao governador do Distrito Federal” e que a defesa não comprovou a afirmação nos autos.
Após as manifestações, o advogado Eumar Novacki, que defende Torres, juntou informações sobre a compra das passagens nos autos da ação penal.
Na petição, o advogado disse que houve “uma tentativa inaceitável de construir um enredo incriminador contra um inocente, ignorando provas documentais robustas que atestam, de forma inequívoca, a emissão regular dos bilhetes, o efetivo pagamento por meio do sistema BSP-Iata [de transações financeiras entre agentes de viagens e companhias aéreas] e a vinculação dos dados ao nome do acusado e de seus familiares”, diz o texto.
Foram juntados nos autos um atestado da agência Viagens Pimentur sobre a compra das passagens para o ex-ministro e sua família, os dados do voo e da reserva de aluguel de veículo.
Torres foi preso no início de 2023 por determinação do ministro do STF Alexandre de Moraes, em razão de possível omissão no 8 de Janeiro. Em 11 de maio daquele ano, a prisão preventiva foi revogada.
Em janeiro de 2023, durante operação de busca e apreensão na casa do ex-ministro após o ataque aos três Poderes em Brasília, foi encontrada a minuta de um decreto para instaurar estado de defesa e reverter o resultado eleitoral.
O documento serviria a propósitos golpistas, para impedir a posse do presidente Lula (PT), que derrotou Bolsonaro nas eleições de 2022.
Em interrogatório na ação penal, em junho, Torres afirmou que a minuta de teor golpista encontrada pela Polícia Federal foi parar em sua casa em decorrência de uma fatalidade.
Segundo ele, o texto era um dos papéis que recebeu na rotina no ministério, tinha conteúdo corrente na sociedade na época e deveria ir para o lixo.