STF põe tornozeleira e restringe ações e redes de Bolsonaro após uso do tarifaço por anistia

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BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma semana após o tarifaço do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra o Brasil e de uma série de declarações da família Bolsonaro e do próprio americano explorando a medida para fazer pressão contra a ação penal da trama golpista em que Jair Bolsonaro (PL) é réu, o ex-presidente foi alvo, nesta sexta-feira (18), de operação da PF e terá que usar tornozeleira eletrônica.

As medidas, autorizadas pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), se deram em um procedimento que tramita sob sigilo na corte e que foi autuado e distribuído para o gabinete do ministro em 11 de julho, dois dias depois que Trump anunciou a sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros citando o processo contra Bolsonaro.

Em sua decisão, Moraes afirma que as falas de Bolsonaro e a atuação do deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nos EUA são atentados à soberania nacional.

O ministro afirma ainda que haveria uma finalidade de “criação de uma grave crise econômica no Brasil” para gerar pressão política e social no Poder Judiciário e interferir na ação da trama golpista. E cita, por exemplo, que o ex-presidente condicionou, em entrevista, o fim da sanção americana à sua anistia.

Ao solicitar a instalação de tornozeleira eletrônica no ex-presidente, a PGR (Procuradoria Geral da República) apontou a medida como urgente para “assegurar a aplicação da lei penal e evitar a fuga do réu”.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, a decisão de Moraes se baseia em publicações nas redes sociais de Bolsonaro, Eduardo e Trump, mas não detalha o risco de fuga do ex-presidente.

A Primeira Turma do STF formou maioria para manter a decisão de Moraes. Além do relator, a Turma é formada pelos ministros Cristiano Zanin, presidente, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Flávio Dino. O julgamento seguirá até às 23h59 da próxima segunda (21). A sessão foi aberta às 12h.

Moraes votou pela manutenção da medida e Dino o acompanhou pouco depois de meia hora mais tarde. Uma hora depois, Zanin também votou no mesmo sentido.

Após a operação, a defesa de Bolsonaro afirmou ter recebido “com surpresa e indignação” as medidas cautelares impostas ao ex-presidente. Disse ainda que ele “sempre cumpriu com todas as determinações do Poder Judiciário”.

As novas restrições impostas contra Bolsonaro incluem ainda proibição de acessar redes sociais e de falar com seu filho Eduardo, que está nos EUA e cuja atuação também é investigada.

O ex-presidente não poderá sair de casa à noite e nos fins de semana, tampouco poderá se comunicar com outros investigados, com representantes de embaixadas estrangeiras, ou de contatar outros advogados.

Em fala à imprensa ao deixar a PF, nesta sexta-feira, Bolsonaro chamou as restrições impostas de “suprema humilhação” e disse que nunca pensou em sair do Brasil ou ir para embaixadas. Também disse que o inquérito da trama golpista seria político e se referiu à tentativa de golpe pela qual é acusado de “golpe de festim”.

O ex-presidente afirmou ainda que a intenção do processo ao qual responde é tirá-lo da eleição de 2026 —Bolsonaro está inelegível ao menos até 2030 após ser condenado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por ataques e mentiras sobre o sistema eleitoral.

“O Lula [PT], sem mim [na disputa], ganha a eleição de qualquer um. Ganha a eleição. Ele tem a máquina na mão, usa a máquina”, declarou.

Bolsonaro enfrenta um processo por acusação de liderar uma trama golpista no final de seu governo em 2022 e também é foco de outras investigações. Com a tornozeleira, o ex-presidente passará a ser monitorando pelas autoridades às vésperas do julgamento sobre o caso e que poderá levá-lo à prisão.

De acordo com agentes que acompanham as ações, a PF apreendeu cerca de US$ 14 mil e R$ 8 mil na operação de busca realizada contra o ex-presidente. Foram realizadas buscas na casa dele e na sede do PL, seu partido.

A PF apreendeu ainda o celular dele, um pen drive, encontrado no banheiro, e uma cópia de petição inicial da plataforma de vídeos Rumble contra Alexandre de Moraes.

O ex-presidente terá que cumprir recolhimento domiciliar das 19h às 7h e nos finais de semana, sem poder falar com embaixadores e diplomatas estrangeiros. Também não poderá acessar a área de embaixadas.

Em fevereiro de 2024, Bolsonaro passou dois duas noites na embaixada da Hungria em Brasília. O caso foi revelado pelo jornal The New York Times. O episódio levantou suspeitas de que ele poderia buscar uma representação diplomática estrangeira para evitar sua prisão.

A ação da PF é mais uma derrota para Bolsonaro após o tarifaço. Ele já vinha em uma crescente de isolamento político. Governadores de direita, por exemplo, que enalteceram Trump e atacaram Lula em um primeiro momento mudaram o discurso e passaram a admitir o impacto da sobretaxa e a buscar saídas diplomáticas.

Pesquisa Genial/Quaest divulgada nesta semana mostra que 72% dos brasileiros afirmam ser um erro de Trump impor tarifas ao Brasil por causa de Bolsonaro e, ao mesmo tempo, 53% dizem que o presidente Lula está certo ao reagir com reciprocidade.

Diante da operação da PF, aliados de Bolsonaro foram às redes criticar a medida. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que saiu desgastado no bolsonarismo pela crise do tarifaço, saiu em defesa do ex-presidente, cobrou eleições livres e afirmou que “a sucessão de erros que estamos vendo acontecer afasta o Brasil do seu caminho”.

Tarcísio e Eduardo, além de Michelle Bolsonaro, rivalizam como principais nomes a substituírem Bolsonaro nas urnas em 2026. O deputado, por sua vez, postou, em inglês, que Moraes “dobrou a aposta” contra o pai dele.

Em nota assinada pelo presidente do partido, Valdemar Costa Neto, o PL disse manifestar “estranheza e repúdio”. Outro a se manifestar foi o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), que falou em “novo ato de perseguição política” contra o ex-presidente.

Os líderes da oposição no Congresso divulgaram nota conjunta na qual classificam a decisão de Moraes como “grave episódio de perseguição política disfarçada de ação judicial”.

Um dia antes da operação da PF, Bolsonaro se esquivou de qualquer responsabilidade pela decisão de Trump de sobretaxar o Brasil. Ele ainda agradeceu a Deus pela eleição do americano e culpou o governo Lula pelo entrave comercial e político com os americanos.

Nesta quinta-feira (17), pressionado pela sobretaxa de 50%, Bolsonaro disse não ter “essa liberdade toda” com Trump, mas pediu a devolução do passaporte dele para ir aos EUA negociar com o republicano.

Mesmo tendo sido citado por Trump na carta em que o Brasil foi comunicado do tarifaço, Bolsonaro atacou o governo Lula e disse que as taxas não estão sendo aplicadas somente ao Brasil —desconsiderando assim as diferenças de alíquota, na comparação com outros países.

O ex-presidente também ignorou os apelos de sanção feitos por Eduardo Bolsonaro aos EUA, onde está desde março para pressionar o governo americano a tomar medidas contra o STF diante da investigação da trama golpista.

A situação política de Bolsonaro, acusado de tentar um golpe de Estado, foi citada por Trump na carta em que anunciou a sobretaxa. Segundo o republicano, o Brasil está fazendo “uma coisa horrível” com o ex-presidente.

Bolsonaro ainda questionou se a exigência por Trump da aprovação de anistia aos envolvidos pelos ataques em 8 de Janeiro —o que poderia incluir ele próprio— seria pedir muito para reverter a sobretaxa aos produtos brasileiros.

“‘O Trump quer anistia.’ Eu não sei o que ele quer, pergunte para ele. […] Vamos supor que ele queira anistia. É muito? […] É muito, se ele pedir isso aí? Botar na balança”, disse o ex-presidente.

Essa não é a primeira operação contra o ex-presidente. Em fevereiro de 2024, a PF cumpriu mandados de busca e prisão contra ex-ministros de seu governo e militares envolvidos na suposta tentativa de golpe para manter o ex-presidente no poder.

Um dos alvos foi o próprio ex-presidente —ele teve que entregar o passaporte em 24 horas para a PF.

Na Presidência, Bolsonaro acumulou uma série de declarações golpistas às claras, provocou crises entre os Poderes, colocou em xeque a realização das eleições de 2022, ameaçou não cumprir decisões do STF e estimulou com mentiras e ilações uma campanha para desacreditar o sistema eleitoral do país.

Após a derrota para Lula, incentivou a criação e a manutenção dos acampamentos golpistas que se alastraram pelo país e deram origem aos ataques do 8 de Janeiro.

Nesse mesmo período, adotou conduta que contribuiu para manter seus apoiadores esperançosos de que permaneceria no poder e, como ele mesmo admitiu publicamente, reuniu-se com militares e assessores próximos para discutir formas de intervir no TSE e anular as eleições.

Saudosista da ditadura militar (1964-1985) e de seus métodos antidemocráticos e de tortura, o ex-presidente já foi condenado pelo TSE por ataques e mentiras sobre o sistema eleitoral e é réu no STF sob a acusação de ter liderado a trama golpista de 2022.

Caso seja condenado pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado, a pena pode passar de 40 anos de prisão.

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