[AGÊNCIA DC NEWS]. Num cenário em que a taxa básica de juros, Selic, segue em 15% anuais, empresas do segmento da alimentação, em especial aquelas que não são parte de uma rede ou possuem capital estrangeiro, tem encontrado dificuldades para quitar suas dívidas. O reflexo disso, segundo o economista Sidney Lima da Ouro Preto Investimentos pode ser visto no número de CNPJs inadimplentes no Brasil até maio deste ano: 7,7 milhões de empresas negativadas, segundo o mais recente Indicador de Inadimplência das Empresas, realizado pelo Serasa Experian. “Empresas com maior alavancagem ou forte dependência de capital de terceiros sofreram mais”. A pressão também é vista na própria expectativa em relação à economia, que estava, em julho, 4,1% menor que um ano antes, conforme a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
Para o economista a Ouro Preto, a situação entre os empresários, em especial os do ramo alimentar e de porte menor, é basicamente a mesma. Há uma desaceleração da demanda enquanto o custo da dívida e da operação segue em trajetória de alta. “Seja pela pressão no resultado financeiro, ou pela dificuldade em rolar dívidas com custo viável”, esses empresários se sentem estrangulados. Pedro Henrique Facchini, proprietário das hamburguerias Sliders, com duas unidades nos Jardins e na Vila Olímpia, zona sul de São Paulo, conta que tem uma dívida de R$ 500 mil desde o fim da pandemia, em maio de 2022. As lanchonetes faturam mensalmente R$ 300 mil com a venda de cerca de 20 mil sanduíches. Quando Facchini pegou parte desse empréstimo, no valor de R$ 180 mil, através do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) – linha de crédito com juros de 6% superior a Selic – a taxa básica estava fixada em 12,75% (1,03% mensais) pelo BC. Agora, com a dívida ainda em aberto, ele precisa pagar um valor aproximado de R$ 300 mil. “O juro efetivo, hoje, é de 21% (ao ano)”, disse o empresário. “O ciclo atual é muito desfavorável para os negócios.”
Ele já recorreu a refinanciamentos e novos empréstimos para rolar a dívida. “Infelizmente, às vezes é necessário usar o crédito. Empresário que não tem uma dívida no banco, não é empresário”, afirmou. Facchini acrescenta que o ramo alimentício envolve outras dificuldades, como a diferença entre os prazos dos fornecedores e dos seus recebíveis. Por exemplo, ele precisa pagar a carne até 14 dias depois da encomenda, mas só recebe os pagamentos do delivery e que foram feitos no cartão de crédito em 30 dias. “A margem do setor, em geral, é baixa. Um restaurante bem administrado tem margem de 15%”, disse. “Se eu antecipo meus recebíveis, já perco 2% desse lucro.” Seus ganhos líquidos, no primeiro semestre, foram de 11,2% em relação ao faturamento total.
Em julho, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) anunciou que manteria a Selic a nível de 15%, embora a decisão tenha marcado o fim de um ciclo de alta que começou em setembro do ano passado, quando os juros estavam a 10,75%. Vale reforçar que os juros cobrados anualmente pelo BC não são os mesmos praticados pelos bancos, que impõem taxas mensais que, somadas, ficam muito acima do piso anual. No acumulado de 2025, o crédito destinado ao capital de giro das empresas ficou 11,9% mais caro no setor privado, segundo o mais recente relatório de Política Monetária (Relatório de Política Monetária – março de 2025). Nos últimos 12 meses, a alta é de 24,2%.
MENOS PÚBLICO – A expectativa do Copom para a evolução da concessão de crédito no Brasil este ano foi reduzida de 9,6% para 7,7%. Em 2024, a oferta de crédito havia crescido 11,5%, chegando a R$ 6,4 trilhões. De acordo com a instituição, este ano as revisões refletiram a perspectiva de cenário de taxas de juros mais altas, menor crescimento da atividade econômica e arrefecimento do mercado de trabalho, “em contexto de endividamento e comprometimento de renda elevados”. Com o endividamento maior das famílias, uma diminuição na frequência do público em restaurantes o economista Gabriel Mollo, analista do Banco Daycoval afirma que o reflexo é sentido pelos empresários do ramo. “Há uma desaceleração nas vendas, já que o consumidor tende a postergar compras, especialmente bens de maior valor ou financiados”, disse. “Se a Selic voltar a cair, ainda que de forma mais lenta, deve haver uma recuperação gradual do consumo.”
Juliana Duarte, proprietária do restaurante Gouveia, na rua Peixoto Gomide, próximo à avenida Paulista, associa a queda no número de clientes este ano à inadimplência. Conforme a Fecomercio-SP, a inadimplência das famílias atingiu 22,1% dos lares em São Paulo em julho, ante 21,6% em junho e 19,9% há um ano. “E a primeira coisa que eles cancelam é o restaurante”, afirmou ela, constatando uma redução mensal de 30% na frequência do público desde maio. Com faturamento de R$ 2 milhões ao ano, fruto dos almoços de comida brasileira, a casa comporta até 140 pessoas e opera desde 1944 – já está na quinta geração da gestão familiar. Entre o ano passado e este, Duarte pegou dois empréstimos que totalizam R$ 250 mil, o suficiente para cobrir um mês de capital de giro. “Tenho essa dívida e está muito difícil pagar com a alta na Selic”, disse, uma vez que as taxas dos bancos subiram. “Quando peguei o primeiro empréstimo, em agosto do ano passado, os juros já estavam altos, mas não como agora.” Agosto, inclusive, foi o último mês do ciclo de baixa, com a Selic a 10,5% ao ano, ou 0,9% ao mês. “O segundo empréstimo, em janeiro deste ano, já foi muito mais caro do que o primeiro.”
Tanto é que Juliana desistiu de pegar um novo empréstimo de R$ 100 mil no mês passado, ao consultar um banco privado e descobrir que as taxas subiram, para o perfil dela, o custo da capital de giro estava 25% e 30% maior que o verificado no ano passado. “Não acreditei.” O dinheiro serviria para investir nos serviços de final do ano, compra de maquinário e ampliação do delivery. Agora, ela só pretende fazer esses investimentos em 2026. Como os próprios clientes também estão endividados, reitera a empresária, a liquidez do negócio ficou ainda mais restrita. A solução foi reduzir o capital de giro, adiar os planos de investimento e desistir de novos empréstimos – até os juros caírem, o que é previsto pelos economistas somente para o ano que vem. “Às vezes, num momento como esse, é melhor quitar as dívidas com um bem ou poupança.”
INADIMPLÊNCIA ALTA – Conforme dados do Serasa Experian, eram 6,9 milhões de inadimplentes em julho de 2024 e, em maio deste ano, eram 7,7 milhões, um aumento de 11,6% em dez meses. O número atual de inadimplentes representa 32,8% ou um terço das companhias em atividade no país. O valor consolidado das dívidas alcançou o patamar de R$ 182,4 bilhões, maior montante registrado desde o início da série histórica do Indicador de Inadimplência das Empresas. Segundo Camila Abdelmalack, economista da Serasa a manutenção da taxa Selic em 15% “reflete o compromisso do Banco Central com o tripé macroeconômico”. Porém, ela destaca que é importante ter em mente que o atual patamar de juros “impõe custos significativos ao setor produtivo, especialmente às micro e pequenas empresas”.
Abdelmalack destaca que as sucessivas altas da Selic e sua manutenção, decidida na última reunião do Copom, em julho, está destinada a manter o controle da inflação, que é essencial para preservar o poder de compra e a estabilidade econômica. Lembra também que é comum empresas buscarem empréstimos quando o cenário envolve juros altos, mas economia aquecida, mas depois enfrentam dificuldades para quitar as dívidas quando os períodos de alavancagem são sucedidos por ciclos de elevação dos juros, como aconteceu nos últimos meses. “Isso acaba comprometendo o fluxo de pagamento e a estrutura de custos das empresas.” Para lidar com a situação, a dica é fazer a lição de casa, renegociar as dívidas, melhorar o fluxo de caixa, adaptar os planos e a demanda, e estar pronto para quando o novo ciclo de aquecimento da economia e redução dos juros surgir no horizonte.