Em dez anos, com inflação oscilando de 3% a 10% anuais e juros básicos de 2% a 14,25%, o setor de fintechs manteve o ritmo de crescimento e atingiu R$ 21 bilhões em crédito no ano passado – 52% a mais do que em 2022. Para o presidente da Associação Brasileira de Crédito Digital (ABCD), Francisco Ferreira, a tendência é de multiplicação da presença dessas empresas, que hoje representam em torno de 2% do mercado de crédito. “Nesse ritmo de crescimento, a gente tem uma tendência grande de representar 10% do setor”, afirmou. Ele estima que esse patamar será atingido em cinco anos na projeção mais otimista. Em 2016, quando a ABCD foi criada, o volume de crédito somou R$ 161 milhões. Em sete anos a oferta cresceu 130 vezes. “As pessoas estão cada vez mais confortáveis em usar esse serviço.”
Além do contínuo processo de digitalização no meio financeiro, há
ainda a questão do público que as fintechs colocaram na mira: pessoas físicas de renda média e pequenas empresas que, segundo Ferreira, eram mal atendidas pelos bancos tradicionais. “Houve, também, evolução favorável do arcabouço regulatório.” As pessoas físicas atendidas pelo setor somaram 53,6 milhões em 2023 – cinco anos antes, eram 5,5 milhões. A versão mais recente da Pesquisa Fintechs de Crédito Digital (realizada pela ABCD e pela PwC Brasil) mostra que o segmento de pequenas empresas chegou a 40% do total no ano passado. As microempresas, por sua vez, registraram queda, passando de 60% para 45% do share total no período, enquanto as grandes mantiveram-se em 1% e os demais tomadores (médias empresas) somaram 14%.
Além de aumentar a oferta de produtos, as empresas têm cada vez mais aceitado bens (recebíveis, imóveis, aplicações) como garantia – de 56%, em 2022, para 70% no ano passado. Os juros ainda são um desafio, especialmente num momento em que o Banco Central (BC) interrompeu a política de cortes, mantendo a taxa básica em 10,5% ao ano. “Tem espaço para reduzir juros, mas há dois motores: o macroeconômico e o custo do crédito, que varia muito de produto para produto”, disse o presidente da ABCD. Segundo Ferreira, uma taxa Selic mais baixa seria melhor para o mercado como um todo. Mas não a qualquer custo. Como afirma o vice-presidente da entidade, Daniel Gomes, é preferível ter uma taxa mais alta do que uma redução forçada. “Uma diretriz clara de que vai ficar nesse patamar nos traz estabilidade. Cada um trabalha para aumentar sua eficiência”, afirmou Gomes, que é CEO e fundador da Nexoos, fintech de crédito que começou a operar em 2016 no Brasil.
VAREJO – No caso do varejo, Ferreira, também CPO da Open Co lembra que o setor representa 45% da carteira, com tíquete médio de R$ 70 mil. “A gente vê o varejo procurando soluções de crédito para aumentar o estoque”, disse. Já a Nexoos, que já atingiu a marca de R$ 1,1 bilhão em financiamentos, tem no comércio uma fatia que vai de 25% a 40%. Daniel Gomes diz que em geral são pequenas empresas. “De restaurante até negócio de rua, com valor médio de R$ 80 mil, em geral para capital de giro”, afirmou. Gomes não vê o setor de fintechs como alternativa aos bancos, mas com função complementar. “São poucas as que oferecem a gama de produtos de um banco tradicional. Mas as fintechs procuram entender a realidade da empresa e têm versatilidade de projetos.”
Para ele, há uma “atuação amadurecida” das empresas do setor.
De acordo com a ABCD, neste ano mais da metade das fintechs associadas já tem licença do Banco Central (BC) para operar como Sociedades de Crédito Direto (SCD) ou Sociedades de Empréstimo entre Pessoas (SEP). A pesquisa de 2023 mostrou 46% empresas nessa situação, ante 11% em 2019. Também aumentou a presença de operações consideradas consolidadas, com faturamento ou investimento superior a R$ 20 milhões – de 33% (2019) para 58% (2023). No mesmo intervalo, as que estão em início de operação foram de 21% para apenas 2%. As empresas com até 20 funcionários agora são 15% – eram 53% quatro anos antes. E as que têm mais de 300 empregados foram de 9% para 25% do total. A maior fatia (33%) se situa entre 21 e 50 funcionários.
De 2022 para 2023, os juros cobrados pelas fintechs, embora se mantenham elevados, caíram em sete categorias de crédito. Os do cartão de crédito rotativo, por exemplo, foram de 242,4% ao ano, ante 440,8% da média nacional, segundo o BC. Já os juros para crédito pessoal atingiram 68,4%, acima da média (54,2%). A ABCD afirmou em sua pesquisa que essa situação pode ser explicada pelo foco das fintechs em produtos de maior risco, diferentemente do mercado tradicional, que oferece mais produtos com garantia. “O custo de capital também representa um desafio relevante para as fintechs na comparação com os bancos tradicionais.” A entidade aposta em redução mais expressiva nos próximos anos, “impulsionada pela tendência de digitalização das garantias”.
Relatório divulgado em julho pela Moody’s Ratings destaca tendência de remodelação significativa no cenário financeiro da América Latina, com o crescimento das fintechs, que buscam ampliar o modelo de negócios, acirrando a competição. No documento, a Moody’s afirma que as “fintechs brasileiras se destacaram em atrair milhões de clientes e lançar produtos inovadores, aproveitando as lacunas deixadas pelos bancos tradicionais”. Para a agência, à medida que as empresas estabelecidas estão se atualizando com novos produtos e serviços, os recém-chegados precisam ir além de seus principais mercados e produtos, adicionando novas ofertas para reter e atrair mais clientes a fim de manter sua vantagem competitiva. Outro ponto de atenção destacado no relatório é para um provável aumento de custos com maior base de clientes e “arcabouços regulatórios mais rígidos”.