BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Polícia Federal pediu em julho ao STF (Supremo Tribunal Federal) a prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sob o argumento de que ele tentava interferir no processo sobre a trama golpista.
Na avaliação dos investigadores, a atuação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) junto ao governo Donald Trump na busca por sanções contra os ministros do Supremo foi financiada pelo ex-presidente -o principal beneficiado pela ofensiva nos Estados Unidos.
A PGR (Procuradoria-Geral da República), porém, considerou a medida mais dura do que o necessário naquele momento. Como caminho alternativo, o procurador-geral Paulo Gonet sugeriu que fossem aplicadas medidas cautelares contra Bolsonaro, como o uso de tornozeleira eletrônica e a proibição de acesso a sedes de embaixadas de países estrangeiros.
Ministros do STF chegaram a avaliar cenários de uma prisão preventiva do ex-presidente, como mostrou a Folha de S.Paulo. A avaliação era que a tentativa de obstrução do processo era razão suficiente para a detenção de Bolsonaro.
A sugestão de Gonet acabou considerada mais adequada para o momento, com o entendimento de que a prisão poderia provocar divergências no tribunal e precipitar um processo de vitimização de Bolsonaro.
A representação da Polícia Federal pedindo a prisão de Bolsonaro está sob sigilo. O seu conteúdo foi revelado pelo Estado de S. Paulo e confirmado pela Folha.
O ministro Alexandre de Moraes decidiu em 18 de julho aplicar medidas cautelares contra Bolsonaro. Ele determinou o uso de tornozeleira eletrônica e recolhimento domiciliar das 19h às 7h e aos finais de semana e vetou o acesso a redes sociais e o contato com seu filho Eduardo Bolsonaro, que está nos EUA.
A determinação foi dada dois dias após Donald Trump anunciar uma sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros.
A condição imposta pelo presidente americano para reverter o tarifaço era o arquivamento do processo contra Bolsonaro e aliados pela tentativa de golpe de Estado.
As medidas cautelares foram referendadas pela Primeira Turma do STF em 21 de julho. Foram quatro votos a um, vencido o ministro Luiz Fux.
Gonet defendeu ao Supremo que havia evidências de que Bolsonaro atuava em conjunto com Eduardo para “obstruir o curso seguro do processo” sobre a trama golpista.
O procurador via, ainda, a possibilidade de Bolsonaro tentar fugir do país. O receio era fundamentado pelo apoio do governo dos EUA à ofensiva contra o Supremo e pelo histórico do ex-presidente, de ter buscado refúgio na Embaixada da Hungria após ter seu passaporte apreendido.
“A situação descrita revela necessidade urgente e indeclinável, apta para justificar a imposição de novas medidas cautelares que possam assegurar a aplicação da lei penal e evitar a fuga do réu”, disse Gonet na petição.
Na decisão, Moraes afirmou que a soberania nacional não pode ser vilipendiada nem extorquida.
“Um país soberano como o Brasil sempre saberá defender a sua democracia e soberania e o Poder Judiciário não permitirá qualquer tentativa de submeter o funcionamento do Supremo Tribunal Federal ao crivo de outro Estado […] para criar verdadeira impunidade penal e favorecer o réu Jair Messias Bolsonaro”, afirmou Moraes.
Jair Bolsonaro acabou tendo sua prisão domiciliar decretada na segunda-feira (4) após Moraes considerar que o ex-presidente descumpriu, em dois momentos, as medidas cautelares impostas pelo Supremo.
A revelação da representação anterior da Polícia Federal reforça, porém, que a detenção de Bolsonaro já era cogitada antes.
Como a Folha de S.Paulo mostrou no dia seguinte à fixação da tornozeleira eletrônica no ex-presidente, a tentativa de obstrução do processo já era vista por ministros do Supremo como razão suficiente para a decretação de uma prisão preventiva.
A medida foi tema de conversas no tribunal nos dias que antecederam a imposição das medidas cautelares, segundo relato de um ministro do STF, sob reserva. A avaliação, no entanto, era que a aplicação de algo alternativo seria mais adequado neste momento.
Essa visão levava em conta a percepção de que uma decretação de prisão antes de uma condenação definitiva poderia provocar divergências no STF e expor um tribunal dividido, num momento em que ministros tentavam construir uma resposta unificada ao que classificam como ataques de Trump.
Além da unidade da corte, buscou-se a calibragem para evitar a vitimização de Bolsonaro. Na avaliação de um ministro, bolsonaristas poderiam insistir no argumento de que o ex-presidente é alvo de perseguição do Judiciário.
Esse magistrado lembra que a instituição da tornozeleira nasceu como alternativa à prisão preventiva, adotada quando cautelares não são suficientes. Descartada uma medida abusiva, a avaliação é a de que o tribunal não poderia ser acusado de leniência diante de indicativos da existência de um plano de fuga.