AGÊNCIA DC NEWS]. Presidente do Banco Central (BC) desde janeiro, Gabriel Muricca Galípolo esteve na manha de segunda-feira (11) na sede central da Associação Comercial de São Paulo (ACSP). E o que ele falou foi de uma transparência e objetividade sem deixar dúvidas para qualquer CEO ou CFO. “O BC é como um zagueiro e não tira o olho da bola”, disse. “Nossa meta é a meta de inflação. E o BC não vai se desviar um milímetro dela.” Como diriam os italianos: Punto e basta! Vai cair juro? Apenas e quando os cenários forem claros quanto à inflação. E isso não está no horizonte de curto prazo. Assista à palestra na íntegra.
No mais recente Relatório Focus, que traz as expectativas de agentes do mercado em relação aos dados macroeconômicos, divulgado também na segunda-feira (11), a previsão é que o IPCA feche em 5,05% em dezembro. Apesar de as projeções estarem em queda – eram de 5,17% há quatro semanas –, ainda estão muito acima da meta de inflação para 2025 (3%) e até mesmo superior ao teto da meta (4,5%). E nesse cenário turbulento, Galípolo tem mostrado coerência. Até porque um ponto sempre vale ser destacado, ponto que muitas narrativas econômicas deliberadamente omitem: as decisões do BC são colegiadas. “Tenho uma diretoria fantástica. E o corpo técnico do BC é de extrema excelência”, afirmou. “E num banco central credibilidade é tudo.”
Apesar de esse ponto parecer menor, ele é decisivo para as políticas do BC. Em especial no caso de Galípolo. A despeito de seu passado nas secretarias paulistas de Economia e Planejamento (2008) e de Transportes Metropolitanos (2007), no governo José Serra, e como CEO do Banco Fator (2017-2021), ele chegou ao posto com a desconfiança de boa parte do mercado de que afrouxaria a política monetária. Nome indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que passou os dois primeiros anos de seu terceiro mandato atacando diretamente o ex-presidente do BC Roberto Campos Neto pelos juros elevados, na gestão de Galípolo a Selic começou o ano em 12,25% e desde então já subiu 2,75 pontos, para 15%. “Estar no BC é como jogar na Bombonera com toda a torcida contra e o juiz sendo duvidoso”, disse. “No BC, é preciso ter queixo de pedra e estômago de crocodilo.”
MISSÃO – Nestes seus oito meses na cadeira, num país em que as três esferas de poder, em especial as federais, são sistematicamente perdulárias e desprezam princípios de controle fiscal, o economista fez o que tinha de ser feito para cumprir a primeira linha da missão do BC: “Garantir a estabilidade do poder de compra da moeda”. Mas Galípolo trouxe um ponto que normalmente não invade o noticiário e as análises econômicas. Ele diz que o Brasil sempre aparece nos rankings dos países com as taxas de juros reais mais elevadas. “Isso mostra que o problema é estrutural e não conjuntural”, afirmou. Para ele, isso leva a uma pergunta quase autóctone: “Como é possível sustentar juros num patamar elevado ou restritivo e ainda assim a economia ter o dinamismo que tem?”
O presidente do BC acredita que essa “idiossincrasia da economia brasileira” deve ser o tema central do debate sobre política monetária. Em resumo, deveríamos normalizar que aqui juros sempre estarão em esferas superiores até mesmo a países considerados pares brasileiros? A saída, segundo ele, talvez esteja em assumir que se trata de um tratamento crônico e pensar não no fim do tratamento (juros em patamares baixos), mas na redução da medicação. “Como o Brasil pode ser tornar um paciente com doses menores do remédio e conseguir o mesmo efeito?” O que necessariamente tomba na questão tributária e fiscal. Gastos excessivos pedem arrecadações recordes.
Uma ciranda que se agravou com a Covid e se manteve mesmo com o fim da economia. Porém, o que aconteceu de forma peculiar no Brasil, segundo Galípolo, é que esse volume de dinheiro parou nas camadas da população que tendem a consumir mais. “Para o mesmo montante de gasto fiscal o impulso para o crescimento tem se mostrado maior”, disse. “E surpreendendo em termos de nível de atividade econômica.” Daí vem o ciclo de alta da Selic feito a partir do final do ano. Galípolo diz que o mesmo ocorreu em outros mercados. Lembrou que analistas chegaram a prever seis cortes pelo FED, o equivalente ao BC americano, “cortes que emagreceram, porque a economia americana também surpreendeu com uma resiliência maior do que se imaginava”. Tanto que o ponto de menor diferencial de juro entre Estados Unidos-Brasil foi na Covid. O segundo, em setembro de 2024. Por isso foi preciso “botar taxa juro num patamar contracionista”.
TARIFAÇO – Especificamente sobre o cenário internacional, e o tarifaço trumpista em particular, Galípolo afirmou que o BC mapeou já na primeira reunião deste ano a probabilidade da taxação americana e os efeitos colaterais pelo planeta. Disse que, apesar dos riscos, enxerga um potencial de estragos menor na economia brasileira. Para explicar seu argumento, voltou ao anúncio da entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001, e que o então presidente americano Bill Clinton, já no fim de seu segundo mandato, festejou o que seria acesso dos americanos ao maior mercado do mundo. Mas o que se viu foi a transferência da manufatura americana para a China e o retorno desses produtos ao mercado americano. Num segundo movimento, aquela manufatura começou a passar por outros países, como México e Vietnã, para chegar ao mesmo mercado americano. “O Brasil acabou não se integrando de forma intensiva a essa cadeia de valor”, disse. “O que num primeiro momento foi visto como desvantagem.”
Agora, com o tarifaço, países muito dependentes do mercado americano, como México e Vietnã, tendem a sofrer mais com as medidas de Donald Trump, e o que era desvantagem brasileira “passou a ser vista como proteção”. Não que haja ausência de risco, mas os cenários positivos e negativos estão mapeados. Galípolo afirma que há duas dimensões. Uma mais passageira e outra mais perene. Na primeira leitura, a passageira, existe tanto o aspecto positivo quanto o negativo. Porque o aumento de oferta domesticamente de produtos que seriam exportados ajuda no controle de preços. Por outro lado, o viés temporário negativo é o que ele chama de potencial canal de transmissão do câmbio para a inflação. Já o impacto mais de médio ou longo prazo se daria na redução da atividade econômica em si, com dificuldade em alguns setores e perda de empregos. Isso pode ser lido como deixa para afrouxar a Selic. Mas que ninguém espere surpresas ou viradas bruscas no jogo. “Estamos olhando os sinais”, disse. “Para ver se o patamar da taxa de juros é suficiente para convergir a inflação para a meta.” Por ora, os indicadores têm se comportado de forma homogênea, com canais funcionando no crédito e o mercado de trabalho com resiliência. “Não vamos tergiversar uma vírgula para fazer a inflação convergir para a meta.”