RJ simultânea da Oi nos EUA e Brasil cria novo tipo de insegurança jurídica, dizem advogados

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O anúncio do grupo Oi de abrir uma RJ (recuperação judicial) nos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que cumpre um plano de reestruturação numa RJ no Brasil, alimenta uma nova controvérsia no longo processo de reestruturação de suas dívidas, que já dura quase dez anos.

Na avaliação de advogados, o movimento é inédito e caminha para um precedente legal que pode criar um novo tipo de insegurança jurídica para credores de RJ e falência no Brasil.

O risco está na sutileza da operação proposta. Nos documentos enviados à 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, onde está o processo, os representantes do grupo argumentam que precisam levar o caso aos Estados Unidos para alcançar valores brasileiros juridicamente chamados créditos extraconcursais (ou seja, que não puderam ser abarcados e equacionados na RJ no Brasil) -em síntese, a empresa quer abrir uma RJ nos EUA para atingir valores que estão fora da RJ no Brasil porque a nossa lei não permite, mas a americana, sim.

É a lógica inversa à habitual. Se uma RJ está no Brasil, e uma extensão do caso é aberta nos EUA, os ativos envolvidos e os credores afetados também estão no exterior. Ou seja, aciona a lei americana para reorganizar dívidas fora do alcance da lei brasileira lá fora.

Existem vários exemplos para ilustrar esse padrão. Avianca fez RJ no Brasil e recorreu ao Chapter 11 em Nova York para blindar ativos e renegociar contratos no exterior. Odebrecht Óleo e Gás também tocou a RJ no Brasil e acionou o Chapter 11 para tratar de dívidas externas emitidas em bonds. Latam foi direto para o Chapter 11, sem RJ aqui, mas o plano foi negociado de forma conjunta para que Brasil, Chile e EUA aprovassem termos muito próximos para atender cada país.

A maioria dos advogados ouvidos pela reportagem preferiu abordar o tema na condição de não terem o nome citado. Um especialista chamou a estratégia de “inovação jurídica”. A questão que fica para todos é que o grupo Oi têm direito de buscar as melhores alternativas, mas optou por um caminho tortuoso. Se não estava satisfeito com a lei nº 11.101/2005 do Brasil, podia ter ido foi direto para o Chapter 11 do EUA.

Se for bem-sucedido na proposta, o risco é que, no futuro, outras empresas em RJ no Brasil podem ficar abrindo RJs em outros países para ampliar o raio de ação local, contornando a jurisdição brasileira.

O advogado Filipe Denki, especialista em recuperação judicial, membro da Comissão Nacional de Recuperação Judicial e Falência da OAB, destacou o caráter diferencial da proposta.

“Eu trabalho com recuperação judicial há quase 20 anos, e é o primeiro caso que eu vejo de um processo desse tipo. A Oi está dando um jeitinho brasileiro, mas não há restrição legal para o que está tentando fazer e, se for adiante, vai exigir dos juízes da cada país um grande afinamento”, disse o advogado, reforçando que já há um debate sobre os detalhes dessa operação no meio jurídico.

“Como se trata de um caso pioneiro, pode até gerar uma reação legal, para criar uma restrição a esse tipo de recurso e fortalecer a lei brasileira.”

A Oi buscou uma primeira RJ em 2016 e revisou o plano entre 2019 e 2020. Em 2023, protocolou um segundo pedido de RJ e conseguiu aprovação dos credores em abril de 2024, depois, precisou de apoio do TCU (Tribunal de contas da União). Em julho deste ano, no mesmo documento que tratou da RJ nos EUA, pediu ajustes nesse plano.

Em ambas RJs, o movimento nos EUA foi o mesmo: acionar o Chapter 15 da Lei de Falências daquele país, que reconhece processo de insolvência estrangeiro e permite proteção de bens e interesses da empresa nos EUA. O primeiro passo agora é desistir do Chapter 15, procedimento que o grupo Oi iniciou no começo de julho desde ano. Em seguida, poderá acionar o Chapter 11 e fazer a RJ na jurisdição americana.

Segundo a reportagem apurou, vários credores estão preocupados, mas a que se posicionou oficialmente no caso foi a V.tal, empresa de infraestrutura digital que atua com serviços de rede. Ela nasceu como um braço da Oi. Em 2022, foi adquirida por um consórcio de investidores organizados em fundos geridos pelo BTG. Tem volume relevante de créditos extraconcursais, que não estão incluídos na RJ atual no Brasil, mas podem ser impactados pelo Chapter 11 dos Estados Unidos.

Procuradas pela reportagem, tanto grupo Oi quanto a V.tal disseram, por meio de suas assessorias de imprensa, que não comentam publicamente questões judicias em curso.

A V.tal já apresentou inúmeras petições no processo da RJ, que é público, para tratar dos riscos da mudança, posicionando-se contra a alteração. Nesses documentos defende que a proposta de levar a RJ para os EUA é “ilegal, viola a LFR [Lei de Recuperação Judicial e Falências] e a jurisdição brasileira”. Na defesa desse posicionamento, recorreu a parecer do professor do Departamento de Direito Comercial da PUC/SP, Daniel Carnio Costa, que também foi anexado ao processo.

Costa sustenta em sua análise que a intenção do Grupo Oi é “driblar limitação estruturante do sistema de insolvência brasileiro”, ajuizando uma terceira RJ, agora nos EUA. Pela lei brasileira, para pedir nova RJ é preciso cumprir uma quarentena de cinco anos desde o pedido anterior, e a atual RJ tem pouco mais de um ano.

A empresa também se fez representar na audiência da Oi em Nova York, em 6 de agosto, que tratou a desistência do Chapter 15. Apresentou uma série de argumentos contra a mudança, o que levou o magistrado do caso a solicitar mais material e agendar novo encontro para quinta-feira (14).

Em seus despachos, a juíza que trata do caso no Brasil, Simone Gastesi Chevrand, confirmou que um procedimento fora do país irá repercutir nos processos que tramitam no Brasil, cabendo aos juízes de cada país buscar solução para eventuais discordâncias. Porém já afirmou que não tem competência legal para discutir se a Oi deve ou não mudar do Chapter 15 para o Chapter 11 na jurisdição americana.

Em sua manifestação sobre o tema, o Grupo Oi considera que as alegações da V.tal são “factoides”. Para a empresa, a juíza brasileira foi cristalina em seu posicionamento, o que permite a desistência do Chapter 15 e a admissão de um Chapter 11. O Grupo Oi requereu que a Justiça brasileira enviasse ofício complementar à Corte nos EUA para informar que não há qualquer impedimento legal ou pendência no Brasil que impeça a liberação do pedido da empresa.

Em paralelo a essa discussão do Chapter 11, a Oi insiste em garantir ajustes no plano de RJ em curso. Segundo a reportagem apurou, o grupo tem enviado manifestações aos credores, pedindo apoio às mudanças e avisando que, se não for atendida, há risco de falência.

Em linhas gerais, quer reestruturar obrigações trabalhistas cujas condições de pagamento não foram alteradas pelo plano original, rever condições e prazos de pagamento de determinados fornecedores para reduzir custos imediatos e aliviar a pressão de caixa no curto prazo, além de repactuar a forma de pagamento de alguns fornecedores, mas sem citar especificamente quais.

Manifestação do Administração Judicial Conjunta e o relatório mensal da RJ de julho informaram que a Oi atrasou o pagamentos. Já foi nomeado um fiscal independente, para conferir como a Oi está cumprindo o plano da RJ, analisar atos ou decisões da gestão que possam afetar garantias, receitas ou ativos vinculados aos pagamentos e também identificar riscos de prejuízo aos credores em caso de adoção do Chapter 11 nos EUA.

No processo, a Oi argumentou que os atrasos foram pontuais e representaram uma parcela pequena volume total de pagamentos previstos.

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