SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Integrantes do setor de infraestrutura avaliam que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) perdeu uma boa chance de destravar investimentos em setores como saneamento, rodovias e hidrovias ao vetar trechos que buscavam superar a morosidade do licenciamento ambiental no Brasil.
Em decisão anunciada na última sexta-feira (8), Lula vetou 63 pontos da lei que flexibiliza e simplifica o licenciamento ambiental e enviou um projeto de lei ao Congresso para discutir pontos mais sensíveis da proposta.
A lei aprovada pelo Congresso em julho tinha mais de 400 dispositivos e foi alvo de pressão de ambientalistas, que viam no texto brechas para o controle ambiental.
Ronei Glanzmann, CEO do MoveInfra, que reúne as empresas EcoRodovias, Hidrovias do Brasil, Motiva, Rumo, Santos Brasil e Ultracargo, afirma que hoje o setor fica na mão com a demora dos licenciamentos ambientais.
Ele menciona um levantamento do Ibama que aponta 4.140 processos de licenciamento ambiental em andamento. Ou seja, projetos que estão parados aguardando a conclusão do trâmite.
“Se o próprio analista segurar o processo, não tem muito o que fazer. Estávamos apostando bastante nesse projeto de lei, porque ele é sobre processo de licenciamento ambiental. Muita gente falava que era uma lei geral, mas ele não tem muita coisa de mérito ambiental, e sim de procedimento”, diz.
Segundo Ronei, o setor tinha a expectativa de que alguns dispositivos importantes fossem aprovados, como a dispensa de licenciamento para obras de manutenção em ferrovias, rodovias e hidrovias.
“Isso é algo simples, é basicamente atuar onde já está antropizado, onde já tem infraestrutura”, afirma.
Ele cita como exemplo a dragagem de manutenção em hidrovias. “O rio vai assoreando. Se você não limpa a cada seis meses, porque a licença não saiu, vai aumentando os sedimentos.”
No caso das rodovias, procedimentos como poda de vegetação em acostamentos também deixariam de passar por licenciamento ambiental.
Apesar do veto, o governo incluiu dispositivo semelhante no projeto de lei enviado ao Congresso, adicionando trecho para esclarecer que o aval ambiental pode ser dispensado desde que o empreendimento tenha uma licença original aprovada.
A decisão, porém, não agradou o setor. Segundo Ronei, o Planalto poderia corrigir detalhes do texto ou adicionar explicações por outros mecanismos que não o veto.
“Agora é um projeto de lei novo que vai para o Congresso. Ainda que o governo coloque urgência constitucional, isso tende a passar por muitas discussões, que inclusive já foram feitas. Voltamos à estaca zero.”
Um dos pontos considerados centrais para setores como o de saneamento e rodovias era a criação em nível federal da LAC (Licença por Adesão e Compromisso). O procedimento, que acabou vetado, é uma espécie de autodeclaração voltada a empreendimentos de pequeno e médio porte diante do compromisso em respeitar exigências ambientais.
Hoje, a LAC já é oferecida em órgãos de diversos estados. Segundo levantamento da Abema (Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente), mais de 15 trabalham com o dispositivo, incluindo São Paulo.
Nesse mesmo artigo, havia um dispositivo específico para duplicação de rodovias, que também caiu. O trecho permitia que obras de expansão da infraestrutura em faixas de domínio fossem licenciadas por LAC.
Para Marco Aurélio Barcelos, presidente da ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias), o veto a esse trecho eliminou uma inovação importante para projetos de infraestrutura.
“Agora, aumenta-se o risco de atrasos no licenciamento e no cronograma de obras, por exemplo, das concessões de rodovias, para as quais ainda haverá muitos leilões. O país precisa da celeridade no licenciamento de obras como duplicações, que têm baixo impacto ambiental, mas grande utilidade para a população”, diz.
Segundo ele, considerando apenas os contratos assinados em nível federal nos anos de 2023, 2024 e 2025, o país tem hoje cerca de 2.300 quilômetros de duplicação e outros 2.000 quilômetros de faixas adicionais previstas.
Se essas obras ficarem sujeitas ao licenciamento ambiental tradicional, boa parte dos 4.000 quilômetros de expansão ficará comprometida, avalia Marco.
Para o saneamento, dois artigos que foram vetados eram considerados importantes. O primeiro dispensava a necessidade de licenciamento ambiental para projetos de água e esgoto até 2033, prazo para a universalização definido pelo marco do setor.
Christianne Dias, presidente da Abcon Sindcon, associação que reúne as principais concessionárias privadas de água e esgoto do país, afirma que a decisão não só está desalinhada à urgência do assunto como tem um efeito negativo para o meio ambiente.
Isso porque, quando um projeto de estação de tratamento de esgoto está travado aguardando pela licença ambiental, a alternativa é despejar os dejetos diretamente no rio, afirma Christianne como exemplo.
A Abcon fez um levantamento nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul e identificou que existem hoje 586 processos de saneamento esperando licenciamento. No âmbito federal, desde 2020, apenas quatro projetos obtiveram licença, enquanto outros 39 ainda aguardam a emissão.
Segundo a associação, uma licença demora em média cinco anos para ser emitida.
“O não avanço [do licenciamento ambiental] atrasa os investimentos. As licenças demoram muito. Hoje temos praticamente uma paralisação, e os investimentos ficam na dependência dessas liberações”, afirma Christianne. “Temos uma meta até 2033, e o projeto poderia socorrer a agenda de investimentos.”
Apesar das críticas, há quem veja o resultado final como positivo. Para Venilton Tadini, presidente da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base), o projeto avança no bom sentido, ao estabelecer prazo para análise, criar um banco de biodiversidade e dar diretrizes para os entes nos três níveis de governo.
“Seria uma pena deixar a nossa lei de proteção ambiental -que é uma das melhores do mundo- com uma régua baixa para aventureiro ficar efetivamente barbarizando na questão ambiental”, afirma.
Ele cita como positivo o dispositivo que cria um banco de dados com informações sobre locais e microrregiões para o desenvolvimento de projetos, permitindo que estudos feitos para um caso possam ser aproveitados por outros empreendimentos na mesma área.
“Acontecia uma dupla duplicidade: do trabalho público refeito e do empreendedor que, a cada vez que fosse efetuar um investimento ou realizar um projeto, tinha que começar do zero os estudos”, diz.
Outro ponto elogiado por Tadini são as diretrizes para evitar duplicidade de análise entre União, estados e municípios. “Isso é realmente uma coisa importante e certamente vai acelerar os processos de análise sem perder a qualidade técnica que é necessária em relação à infraestrutura.”