Pedido de vista no STF teria impacto jurídico restrito para Bolsonaro, dizem especialistas

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um eventual pedido de vista de algum ministro da Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) no julgamento sobre a trama golpista poderia arrastar a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro (PL) por alguns meses e retardar potencial ida ao regime fechado, mas não traria mudanças significativas na situação jurídica do ex-presidente, segundo especialistas ouvidos pela reportagem.

Eles avaliam o pedido de vista como um recurso que, por si só, não significaria vantagem ou desvantagem para o réu, embora haja impactos políticos.

O processo em que Bolsonaro e outros sete réus são acusados de tentativa de golpe de Estado ocorrida em 2022 teve a apresentação das alegações finais pelas defesas na quarta-feira (13), e a data do julgamento ainda será marcada -provavelmente para setembro.

O pedido de vista é acionado pelo juiz quando este quer mais tempo para analisar um caso. O instrumento já foi utilizado inadequadamente para retardar processos judiciais, uma vez que não havia um prazo para esse tipo de adiamento.

Desde 2022, entretanto, o ministro do STF que pedir vista dos autos tem até 90 dias para apresentá-los, a fim de dar prosseguimento à votação. Segundo o regimento interno da corte, a contagem ocorre a partir da data da publicação da ata de julgamento.

O prazo fica suspenso durante recesso e férias. Além disso, pode ser prorrogado por igual período “mediante manifestação expressa do ministro vistor ao presidente do respectivo colegiado”, aponta o texto.

Na ação penal no STF que investiga a tentativa de golpe de 2022, advogados de réus aventaram a possibilidade de um pedido de vista de Luiz Fux, um dos cinco ministros da Primeira Turma. Se for condenado, Bolsonaro pode pegar mais de 40 anos de prisão e aumentar a inelegibilidade, que atualmente vai até 2030.

Fux é o magistrado que mais tem destoado do relator da ação penal, o ministro Alexandre de Moraes. Ele votou contra a tornozeleira a Bolsonaro, disse que a proibição do uso de redes sociais ao político confronta a liberdade de expressão e tem questionado temas como a confiabilidade da delação de Mauro Cid. Interlocutores do ministro, porém, afirmam que ele não tem a intenção de interromper o julgamento.

O processo é julgado pela Primeira Turma, composta por Cármen Lúcia, Flávio Dino e Cristiano Zanin, além de Moraes e Fux.

Aury Lopes Júnior, doutor em direito processual penal e professor da PUC-RS, explica que a ordem dos votos no julgamento deve começar com o relator, seguir com os ministros mais novos na corte e terminar com Zanin, uma vez que ele é o presidente da Turma.

Por isso, Fux deve ser o terceiro dentre os ministros a falar, precedido por Moraes e Dino. Caso peça vista, Cármen e Zanin podem adiantar o voto, formando maioria para potencial condenação.

“A rigor o julgamento não encerra [com o pedido de vista], mas se cria um constrangimento que é todo mundo já saber que, por maioria, se decidiu pela condenação e que, independentemente de Fux dizer sim ou não, o caso já está decidido. Isso gera um constrangimento, mas é apenas uma questão simbólica.”

O especialista entende que um pedido de vista poderia arrastar o processo para fevereiro ou março de 2026, atrasando potencial pena em regime fechado em alguns meses, o que conferiria tempo ao ex-presidente.

Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio, pondera que um pedido de vista poderia prolongar as atuais medidas cautelares aplicadas ao ex-presidente, embora elas possam ser revogadas a qualquer tempo se a Justiça entender que não há mais razões que as justifiquem.

No dia 18 de julho, Bolsonaro colocou tornozeleira eletrônica e ficou proibido de usar as redes sociais, dentre outras medidas. Em 4 de agosto, foi colocado em prisão domiciliar.

As cautelares foram fruto de um inquérito no STF que investiga a atuação do ex-presidente e do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), um de seus filhos, para coagir autoridades envolvidas na ação penal da trama golpista.

“O pedido de vista atrasa o julgamento. Se ele for condenatório, atrasa o cumprimento da pena. Se for absolutório, atrasa o fim de todos esses processos e medidas cautelares ligadas a eles”, afirma Bottino.

Telma Rocha Lisowski, professora de direito constitucional na Universidade Mackenzie Alphaville, afirma que um pedido de vista não é por si só, do ponto de vista jurídico, favorável ou desfavorável ao réu.

Ela lembra que um ministro pedir vista também não significa que ele vá, necessariamente, votar diferente do relator. O impacto mais significativo, afirma, seria provavelmente na esfera política, onde o pedido pode ser usado para fomentar narrativas junto a apoiadores.

Outro potencial impacto para Bolsonaro envolveria uma janela de elegibilidade, mas o cenário é considerado bastante remoto.

Isso poderia acontecer porque nova inelegibilidade vinda dessa ação penal viria depois de condenação do colegiado, o que pode atrasar em meses se houver o pedido de vista.

Se, concomitantemente a isso, a inelegibilidade atual caísse em razão de recursos, então o ex-presidente poderia ficar elegível por um período.

Atualmente, as duas condenações no TSE que levaram à inelegibilidade até 2030 têm agravo -um tipo de recurso jurídico- a ser julgado no STF.

Uma reversão da inelegibilidade por meio desses recursos é possível juridicamente, mas improvável, afirma Alberto Rollo, advogado especialista em direito eleitoral.

“Não é provável porque a jurisprudência do STF não aceita a revisão dos fatos que já foram julgados pelo TSE, só vai discutir matéria jurídica”, afirma.

Para concorrer nas eleições de 2026, o candidato a presidente precisa estar elegível até o dia da eleição, mesmo que o registro tenha sido indeferido anteriormente e a situação revertida depois por meio de recurso.

O candidato que estava elegível no dia em que venceu o pleito, mas que ficou inelegível depois, sai do cargo assim que a condenação é transitada em julgado, e nova eleição é programada.

Já se a inelegibilidade ocorrer antes do segundo turno, é feita a convocação do terceiro colocado, afirma Rollo.

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