Brás enfrenta apagão de mão de obra e pede ajuda ao governo para recrutar trabalhadores

Uma image de notas de 20 reais

Imagem gerada por IA
Compartilhe: Ícone Facebook Ícone X Ícone Linkedin Ícone Whatsapp Ícone Telegram

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A região do Brás, na capital paulista, considerada a maior feira a céu aberto da América Latina, enfrenta um apagão de mão de obra, com falta de mais de 10 mil funcionários, segundo a Alobrás (Associação dos Lojistas do Brás).

“No universo de 5.000 lojas, estamos fazendo uma amostragem de cerca de duas vagas por loja, sendo que alguns grandes players estão pedindo 300, 400 vagas. Nunca tivemos uma situação de tanta dificuldade de mão de obra”, diz Lauro Pimenta, vice-presidente da associação. “As pessoas até vêm, mas ficam muito pouco tempo, dois ou três dias e não aparecem. Até tem uma piada interna: que o pessoal sai para almoçar e não volta.”

Uma equipe do Cate (Centro de Apoio ao Trabalho e Empreendedorismo), serviço da Prefeitura de São Paulo, visitou a região no dia 1º de agosto para conversar com representantes da Alobrás. Nesta sexta (15), a partir das 10h, o município pretende anunciar uma série de ações de empregabilidade no espaço Denim City, na rua Casemiro de Abreu, 604.

“Uma equipe técnica do Cate circulará por ruas como Oriente, Miller e Casemiro de Abreu para apresentar os serviços de intermediação de mão de obra da administração municipal e cadastrar as vagas disponíveis dos lojistas interessados”, afirma o órgão.

As vagas faltantes deverão ser cadastradas na plataforma https://cate.prefeitura.sp.gov.br/. “Na prática, é não ter mais apenas as placas de empregos na porta das lojas, é incrementar a oferta de vagas de forma digitalizada na plataforma do Cate”, explica Pimenta.

Outra ação da Prefeitura com a Alobrás será o Contrata SP, mutirão de empregabilidade programado para ocorrer em setembro.

Entre os motivos para o apagão, representantes do comércio popular e pesquisadores apontam a escala de trabalho 6×1, mudança de perfil das pessoas que vendem roupas na região e repressão contra ambulantes.

O vice-presidente da Alobrás acredita se tratar de uma competição com o trabalho autônomo. “Hoje é muito fácil você se cadastrar num aplicativo e oferecer um serviço de entrega ou de transporte”, diz.

“Os mais jovens, quando veem a carga horária de 44 horas semanais, acabam recuando um pouco de ter que vir aos sábados. Nossa escala é um pouco complicada. Muitas pessoas da terceira idade, com mais de 60 anos, estão retomando as funções.”

A SMDET (Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho), contatada pela reportagem, enviou nota dizendo que mantém diálogo com todos os setores que podem ajudar a gerar empregos e renda na cidade.

“As equipes técnicas estão analisando as demandas da entidade para desenvolver ações conjuntas ainda neste ano. Essas ações visam facilitar a entrada de novos profissionais no mercado de trabalho. O Brás é conhecido por seu comércio vibrante, o que demanda uma mão de obra constante para atender a clientela de todo o país que frequenta esse importante polo de compras na capital”, afirmou.

REGIÃO DE AMBULANTES VIU SHOPPINGS CRESCEREM NOS ÚLTIMOS ANOS

Ana Lidia de Oliveira Aguiar, que estudou o bairro em sua tese de doutorado em sociologia pela USP (Universidade de São Paulo), avalia que houve uma mudança de perfil dos trabalhadores do local nos últimos anos.

Ela afirma que as origens do comércio na região começam na rua 25 de Março, no início dos anos 2000. “A Feira da Madrugada foi uma iniciativa dos trabalhadores ambulantes. Originalmente, era voltada para o abastecimento do próprio comércio. Conforme ela foi crescendo, a iniciativa privada também viu como uma forma de abocanhar uma parte dessa grande circulação de riqueza”, diz.

A estrutura, então, passou a ser voltada para o turismo comercial, que engloba hotéis, estacionamentos, lanchonetes e restaurantes que funcionam em plena madrugada. “Isso em toda aquela região, que na minha pesquisa eu chamo de Centro Comercial Territorial, a conjunção de três bairros: o Brás, o Pari e o Canindé”, diz Ana.

A partir de 2018, segundo a pesquisadora, os shoppings populares começaram a crescer, e são essas novas lojas que precisam de funcionários.

Lauro Pimenta, da Alobrás, acredita que esse é um processo natural. “Até porque um grande shopping foi inaugurado no Brás com aluguel social, visando as pessoas que estão na informalidade. Estamos falando de aluguel de R$ 400, R$ 1.000, que é menos do que ela paga na rua para pessoas relacionadas ao crime.”

Os vendedores ambulantes permanecem na informalidade, de acordo com Ana. “Na gestão do prefeito Bruno Covas [PSDB, de 2018 a 2021], foi criado um programa de autorização provisória para o trabalho ambulante, o Tô Legal, que tem mais de 85 mil autorizações. Mas é uma autorização precária, de três meses, que não garante que o ambulante vai conseguir renovar”, diz.

“Essas autorizações são cassadas por inúmeros motivos. Por exemplo, alega-se que o ambulante tem 20 centímetros a mais da sua banca. Em vez de permitir que o trabalhador se adeque à regra, [o governo] prefere já cassar. O próprio poder público empurra o trabalhador para a informalidade.”

VIOLÊNCIA TOMA CONTA DAS RUAS

Felipe Rangel, professor na Ufscar (Universidade Federal de São Carlos) especializado em trabalho, afirma que os ambulantes sofrem repressões. “Sempre teve algum conflito com relação à Feira da Madrugada, mas nos últimos anos você tem um discurso de combate ao comércio informal”, diz.

Algumas operações são documentadas e publicadas nas redes sociais por frequentadores da região:

“Minha única fonte de renda é a rua, e cada dia aumenta mais a ação da polícia, da Guarda [Municipal]”, diz Margarida Ramos, 56, ambulante há mais de 15 anos e representante paulista do Muca (Movimento Unido dos Camelôs).

“Participei de uma reunião com o subprefeito da Mooca, que nos deu duas opções. A primeira era ir para o circuito de compras, aquele shopping que foi reformado, que muita gente se endividou lá e está endividada até hoje. A outra opção era procurar o Cate para trabalhar como CLT”, diz.

Para a pesquisadora Ana Lídia, a violência pode ser um dos motivos para o apagão de mão de obra. Ela cita o caso do vendedor senegalês Ngange Mbaye, 34, morto em abril com um tiro na barriga por um policial militar que participava de operação de fiscalização contra o comércio ilegal nas ruas do Brás.

“No ano passado também teve o caso de um trabalhador haitiano que foi preso porque estava defendendo a companheira de trabalho dele. Ele fazia bico no Brasil, era um trabalhador de carteira assinada.”

Procurada, a Polícia Militar de São Paulo afirma que “a abordagem que resultou na morte de um cidadão senegalês está sendo investigada pelas polícias Civil e Militar, e o agente envolvido foi afastado das ruas. Na segunda ocorrência [do trabalhador haitiano], o homem foi preso em flagrante por lesão corporal e resistência, após desobedecer a ordem dos policiais e agredi-los com um pedaço de madeira”, diz.

“A Polícia Militar atua de forma permanente no Brás e em outras regiões da capital para garantir a segurança da população, coibir práticas ilícitas e prevenir crimes. Toda atuação segue protocolos técnicos e legais rigorosos, com respeito aos direitos humanos. Qualquer desvio de conduta ou excesso é devidamente apurado, e o policial responsabilizado conforme a legislação”, acrescenta.

Voltar ao topo