BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A superintendência-geral do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) decidiu suspender os efeitos da chamada Moratória da Soja, um acordo firmado desde 2006 entre grandes tradings exportadoras de grãos, associações do setor e organizações ambientais.
A suspensão vigora até a conclusão efetiva do inquérito administrativo que corre no órgão e que vai decidir se o acordo poderá continuar a partir de alguma mudança em seu modelo ou se será definitivamente desfeito.
A decisão mexe profundamente com o setor exportador, já que a moratória funcionava como uma regra privada que proibia a compra de soja produzida em áreas do bioma amazônico desmatadas após 2008.
A iniciativa surgiu em meio a uma forte pressão internacional, principalmente da Europa, quando denúncias do Greenpeace e de outras entidades mostraram que a expansão da soja estava ligada ao avanço do desmatamento e a violações ambientais.
Para evitar perder mercados e sofrer boicotes, as empresas se comprometeram a monitorar por satélite e por auditorias independentes toda a produção da Amazônia e a criar uma lista negra de fazendas consideradas irregulares. Assim, qualquer produtor enquadrado nessa lista ficava automaticamente impedido de vender sua safra para mais de 30 tradings que assinaram o pacto, entre elas gigantes como Cargill, Bunge, ADM, Amaggi e Louis Dreyfus.
O Cade passou a investigar se essa autorregulação ambiental não estaria funcionando como um cartel de compra. A tese é a de que, ao agir de forma conjunta e padronizada, as tradings estariam impondo regras próprias aos produtores, acima das exigências do Código Florestal, que é a lei brasileira.
“Este inquérito administrativo tem como objeto de investigação verificar a licitude concorrencial da Moratória da Soja, uma autorregulação privada por parte das empresas concorrentes no mercado de exportação de soja, feita de modo a tutelar diversos fatores da oferta e produção da referida leguminosa perante os seus produtores -o elo a montante da cadeia. Trata-se, portanto, de uma conduta análoga ao que é tradicionalmente conhecido na doutrina e jurisprudência como um cartel de compra”, afirma o Cade, em sua decisão.
Para entidades como a Aprosoja (Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso) e a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), a moratória havia se transformado em uma “barreira comercial” e uma forma de abuso de poder econômico, sob o argumento de que produtores em situação regular pela legislação nacional poderiam ser bloqueados.
Nos últimos meses, a pressão aumentou. A Aprosoja, a CNA e a Comissão de Agricultura do Senado enviaram representações ao Cade pedindo que a moratória fosse suspensa de imediato. O argumento central é que não se pode admitir que associações privadas substituam o papel do Estado na definição das regras ambientais, além de atuar em relação a negociações entre produtores e compradores.
Diante desse cenário, a superintendência-geral decidiu adotar uma medida preventiva, ao suspender os efeitos da Moratória da Soja até que o inquérito administrativo seja concluído.
Na prática, isso significa que os produtores da Amazônia poderão negociar livremente com as tradings, desde que cumpram o Código Florestal, sem estarem sujeitos às listas elaboradas pelo grupo de trabalho da moratória.
Para os produtores, a medida representa o fim de uma barreira que vinha sendo contestada há anos. Para as tradings, pode ser um desafio, já que elas precisam lidar com a pressão internacional por regras rígidas contra o desmatamento e, ao mesmo tempo, com a obrigação de respeitar a legislação concorrencial brasileira.
Por meio de nota, a Aprosoja no Mato Grosso classificou a decisão como “um marco histórico na defesa da livre concorrência e da produção legal no campo, que devolve segurança jurídica e dignidade aos milhares de produtores que sempre atuaram em conformidade com o Código Florestal e as leis ambientais brasileiras”.