BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), teve um cartão de bandeira americana bloqueado por ao menos um banco no Brasil desde a imposição de sanções financeiras pelo governo dos Estados Unidos.
Em troca, a instituição ofereceu a Moraes um cartão da bandeira brasileira Elo, para ele fazer pagamentos no país sem as restrições impostas pela gestão Donald Trump.
As informações foram confirmadas à Folha em conversas reservadas com um integrante do Supremo, uma pessoa com atuação no mercado financeiro e outras duas próximas a Moraes. O ministro foi procurado pela reportagem, mas a assessoria do STF afirmou que ele não iria se manifestar.
Ele disse em entrevista à agência Reuters que espera uma mudança de postura do presidente dos EUA pela via diplomática.
O bloqueio do cartão de bandeira americana é a medida de maior impacto conhecida até o momento contra o ministro como consequência da inclusão de seu nome na lista de punidos na Lei Magnitsky. A norma impõe sanções financeiras, como congelamento de bens e proibição de negócios com cidadãos e empresas americanas, a estrangeiros acusados de corrupção ou graves violações de direitos humanos.
Ao fim de julho, Moraes se tornou a primeira autoridade brasileira a ser alvo da medida. O secretário de Estado do governo Trump, Marco Rubio, justificou a ação dizendo haver “graves abusos de direitos humanos” por parte do ministro do STF, citando “detenções preventivas injustas”, silenciamento de críticos políticos e ordens de bloqueio de contas em plataformas digitais.
O bloqueio do cartão de Moraes foi feito antes de o também ministro do STF Flávio Dino decidir, na segunda-feira (18), em uma ação sobre a tragédia de Mariana (MG), que ordens executivas de governos estrangeiros não têm eficácia no Brasil.
O uso de bandeiras americanas como Visa, Mastercard, Diners e American Express se enquadraria nas sanções porque a Lei Magnitsky impõe restrições às relações entre empresas do país e os alvos da norma.
Na avaliação de analistas do mercado, a Elo estaria menos vulnerável por concentrar suas operações no Brasil. A empresa pertence a Banco do Brasil, Bradesco e Caixa.
As empresas de cartão são responsáveis por intermediar operações de venda, mas quem avalia a elegibilidade do cliente, emite o cartão e gerencia o relacionamento são os bancos.
Operadores do mercado avaliam que a aplicação de medidas previstas na Lei Magnitsky em relação a Moraes pode endurecer com o passar do tempo. Um dos cenários traçados prevê que o Ofac (Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros do Departamento do Tesouro dos EUA) pode determinar o aumento das restrições contra Moraes.
Caso as instituições não efetuem os bloqueios, avaliam, o governo americano pode aplicar multas ou mesmo impedir a atuação dessas empresas nos EUA.
A decisão de Dino criou mais incertezas no setor. O ministro afirmou que “leis estrangeiras, atos administrativos, ordens executivas e diplomas similares não produzem efeitos em relação a […] pessoas naturais por atos em território brasileiro”.
“[A violação à decisão] Constitui ofensa à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes, portanto presume-se a ineficácia de tais leis, atos e sentenças emanadas de país estrangeiro”, afirma o ministro.
Na avaliação de agente do mercado financeiro, a decisão gera uma controvérsia de difícil solução: se os bancos forem impedidos pelo Supremo de aplicar sanções contra Moraes, eles sofrerão penalidades nos Estados Unidos.
Recurso à via diplomática
Na entrevista à Reuters, Moraes descartou por ora contestar na Justiça americana sua inclusão na Lei Magnitsky.
“É plenamente possível uma impugnação judicial [nos Estados Unidos] e até agora não encontrei nenhum professor ou advogado brasileiro ou norte-americano que ache que a Justiça não iria reverter. Mas, nesse momento, eu aguardo -e foi uma opção minha aguardar- a questão diplomática do país, Brasil e Estados Unidos” disse Moraes.
Ele afirmou que a medida pouco alterou sua rotina e disse saber de divisões internas no governo norte-americano que retardaram as sanções e ainda podem enfraquecê-las.
“Houve uma relutância na Secretaria de Estado e uma grande relutância na Secretaria do Tesouro. Então, a partir disso, com as informações mais corretas, eu acredito que ambos os departamentos vão fazer chegar ao presidente [Donald Trump] com essa finalidade”, afirmou ele, sem detalhar ou explicar como obteve essa informação.
O ministro afirmou ainda na entrevista que decisões de tribunais e governos estrangeiros só podem ter efeito no Brasil após validação por meio de um processo doméstico. Segundo ele, portanto, não é possível confiscar bens, congelar fundos ou bloquear propriedades de cidadãos brasileiros sem seguir esses trâmites legais.
“Esse desvio de finalidade na aplicação da lei coloca até instituições financeiras em uma situação difícil. E não são só instituições financeiras brasileiras, mas são seus parceiros norte-americanos, são empresas norte-americanas que atuam no Brasil e também têm contas, investimentos, financiamentos de bancos brasileiros”, acrescentou.