BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Em um descuido do governo Lula (PT) e uma traição aos presidentes da Câmara e do Senado, a oposição emplacou nesta quarta-feira (20) os dois principais cargos da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) do escândalo de descontos ilegais no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Em uma reviravolta articulada nas últimas 24 horas, segundo os próprios parlamentares, bolsonaristas apresentaram candidato próprio para a presidência e derrotaram o senador Omar Aziz (PSD-AM), que havia sido indicado para o cargo pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).
Com a escolha decidida no voto, o senador Carlos Viana (Podemos-MG) foi eleito presidente por 17 votos a 14 e indicou o deputado federal bolsonarista Alfredo Gaspar (União Brasil-AL) para a relatoria. O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-TO), havia escolhido Ricardo Ayres (Republicanos-TO), seu colega de partido.
Agora, a oposição vai controlar a cúpula da comissão que investigará desvios indevidos nas aposentadorias e pensões do INSS, realizados entre 2019 e 2024. No período, foram descontados R$ 6,3 bilhões. O escândalo levou à demissão de Stefanutto, após ordem de Lula. Também foram afastados dos cargos servidores do alto escalão do INSS.
A votação no Congresso surpreendeu até mesmo o novo relator, que contou ter sido procurado horas antes pelos líderes do PL e do União Brasil na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ) e Pedro Lucas Fernandes (MA), além do copresidente da federação União Brasil e Progressistas, Antônio Rueda -partidos que têm juntos quatro ministérios no governo, além da Caixa Econômica Federal.
“Hoje fui tomado pela surpresa quando fui chamado dizendo que meu nome, caso o senador Viana fosse eleito presidente, iria ser colocado como relator”, afirmou Gaspar durante a sessão.
Após o resultado, Motta foi ao Palácio da Alvorada, residência oficial da presidência da República, e conversou com o presidente Lula por cerca de 20 minutos.
Na sequência, a ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais), responsável pela articulação política do governo, convocou os líderes da base no Congresso para uma reunião de última hora no Palácio do Planalto.
Nos bastidores, a eleição foi vista não só como uma falha na articulação do governo, mas também como uma nova afronta da oposição à autoridade dos presidentes da Câmara e do Senado, que haviam acertado relator e presidente antes da instalação da CPMI, como é de praxe.
“Existe um respeito à ordem natural das coisas, mas, enfim, houve a candidatura inesperada do senador [Viana]. O governo achou que seria só a instalação e aconteceu o que aconteceu”, disse Ayres à reportagem ao sair da sala da CPMI.
“Ninguém imaginava que houvesse esse desrespeito à liturgia. Mas na Casa tem acontecido muitas coisas semelhantes, como a ocupação do plenário. Sigo como membro, vou continuar fazendo o meu trabalho, defendendo o que eu defendo e bola para a frente.”
Após a derrota, o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), deixou a sala da CPMI e foi ao gabinete do presidente da Câmara. Randolfe atribuiu a derrota à ausência de nomes da base, como o deputado federal Rafael Brito (MDB-AL), que está em missão oficial.
Com a votação inesperada e a jato, deputados federais bolsonaristas que são suplentes votaram no lugar de governistas que teriam dado mais votos a Aziz.
O senador chegou a reclamar que a votação tinha sido encerrada rapidamente, antes que parte dos membros pudesse votar. A senadora Tereza Cristina (PP-AL), que presidia a sessão por ser a parlamentar mais velha do grupo, negou que tivesse favorecido a oposição.
Pelas regras internas, a votação pode ser encerrada com o voto da maioria absoluta dos membros (9 senadores e 9 deputados, no caso da CPMI do INSS). O placar foi anunciado quando 16 senadores e 15 deputados federais já haviam votado -ou seja, quando já havia maioria absoluta.
A vitória de Viana foi festejada por bolsonaristas. “Esse trabalho foi de ontem para hoje e quero agradecer também o grande articulador, nosso deputado líder do PL, Sóstenes”, disse o deputado coronel Chrisóstomo (PL-RO), aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Para desgastar do governo, a expectativa da oposição é avançar sobre José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão do presidente Lula e vice-presidente do Sindinapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos), uma das entidades colocadas sob suspeita.
Nesta terça-feira (19), Gaspar publicou um texto nas redes sociais em que atribuía as fraudes no INSS ao governo Lula e prometia, como membro da CPMI, lutar pela responsabilização dos culpados.
Com as investigações já avançadas da Polícia Federal e da CGU (Controladoria-Geral da União) sobre as fraudes no INSS, além do pagamento a parte das vítimas, a CPMI deve ampliar a apuração para empréstimos consignados a aposentados.
“Quem está aqui é um presidente que quer esclarecer o que aconteceu, pedir a punição dos culpados e, principalmente, gerar novos projetos e políticas que não permitam a repetição de um momento tão vergonhoso para o Brasil”, disse Viana após a vitória.
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra da Mulher no governo Bolsonaro, havia sido escolhida por Aziz para ser vice-presidente, mas Viana afirmou que a vaga (que cabe a um senador) será definida até a próxima sessão.
A CPI tem inicialmente até 180 dias para concluir a investigação. O prazo pode ser prorrogado, mas a expectativa é que a comissão seja encerrada até o fim deste ano.